Acórdão n.º 1/2011, de 21 de Janeiro de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1807/2009)

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ACÓRDÃO Nº 01/2011 - 21/01 - 1ª SECÇÃO/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 04/2010-R

PROCESSO Nº 1807/2009

 

I DESCRITORES:

§ A intangibilidade do caso julgado;
§ O princípio constitucional da protecção de confiança, na vertente da uniformidade ou estabilidade da jurisprudência;
§ A formação dos contratos e respectiva subordinação à parte II do Código dos Contratos Públicos - Relações «in house»;
§ A ilegalidade indiciada enquanto condicionadora do Visto ao Protocolo. 
 

SUMÁRIO:   

1. A autoridade do caso julgado não se confunde com a excepção do «caso julgado», pois esta última visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, perfilando-se o caso julgado como óbice a nova decisão de mérito;

2. Nos termos do art.º 498.º, do Código de Processo Civil, a verificação de "caso julgado exige a identidade de sujeitos, a verificação da identidade de pedidos, a similitude de pretensões do autor e peticionante e de efeitos jurídicos pretendidos;
«In casu», conquanto exista identidade subjectiva, os pedidos, nos planos factual e do efeito jurídico pretendido, embora relacionáveis, não são idênticos;
Inverifica-se, pois, a figura jurídico-processual da «autoridade do caso julgado» e, inerentemente, a violação de alguma norma constitucional, designadamente, a vertida no art.º 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;

3. Os princípios constitucionais da confiança e segurança jurídica não obstam a que sobre materialidade idêntica incidam decisões de sentido contrário, possibilidade escorada no princípio da independência do julgador, com tradução na obrigação dos juízes decidirem, nos termos da lei e segundo a sua convicção e responsabilidade [a dimensão irredutível do exercício da função jurisdicional];

4. A ausência de jurisprudência uniformizada e a existência de decisões com sentido idêntico ao do anexo recorrido forçam a concluir pela não violação dos princípios da confiança e segurança jurídica, extraíveis do art.º 2.º, da Constituição da República Portuguesa;

5. O Protocolo em causa identifica-se como um verdadeiro contrato público de aquisição onerosa de serviços, abrigando-se à definição contida no art.º 450.º, do Código dos Contratos Públicos, e submetendo-se ao regime legal neste plasmado;
Reveste-se, ainda, de natureza administrativa;

6. A verificação da relação «in house» subordina-se à ocorrência, de modo cumulativo, dos requisitos previstos no art.º 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código dos Contratos Públicos;

7. A administração Regional de Saúde do Centro, IP, entidade adjudicante no caso em apreço, não exerce, por si, ou conjuntamente com as demais entidades públicas associadas, sobre o SUCH, um controlo análogo ao exercido sobre os Serviços que a integram;
Deste modo, o Protocolo em causa subordina-se às regras da contratação pública contidas na parte II do Código dos Contratos Públicos;

8. Porque os Pareceres n.os 145/2001 e 1/95, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, foram emitidos em tempo anterior à publicação das Directivas n.os 2004/18/CEE e 2004/17/CEE do Código dos Contratos Públicos e, sublinhe-se, são anteriores à introdução do novo modelo estatutário dos Hospitais públicos [consagra a sua natureza empresarial], a doutrina aí expendida enferma de alguma falta de actualidade;

9. O Protocolo em causa, porque não precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, infringe o disposto no art.º 20.º, n.º 1, al. b), do C.C.P.;

A ausência de concurso, de carácter obrigatório, integra a falta de um elemento essencial da adjudicação que, por seu turno, enforma a nulidade a que se reporta o art.º 133.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo;

10. A nulidade invocada constitui fundamento da recusa do Visto [vd. art.º 44.º, n.º 3, al. a), da Lei n.º 98/97, de 26.08].

O Conselheiro Relator: Alberto Fernandes Brás Tribunal de Contas

 

ACÓRDÃO Nº 01/2011 - 21/01/2011 - 1ª SECÇÃO/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 04/2010

PROCESSO Nº 1807/2009 - 1ª SECÇÃO

 

I. RELATÓRIO

1. A Administração Regional de Saúde do Centro, I.P. [doravante designada por ARSC], inconformada com o teor do Acórdão n.º 04/2010, proferido em Subsecção da 1.ª Secção, deste Tribunal, em 23.02.2010, e que recusou o Visto ao Protocolo de "Adesão ao Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças" celebrado entre a referida ARSC e o SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, com encargos, em 2009, no valor de € 369 999,00, veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, alegando como segue:
(...)
1. Em 15 de Novembro de 2008, no seguimento do PROTOCOLO INICIAL, foi celebrado, entre a RECORRENTE e o SUCH, o PROTOCOLO COMPLEMENTAR, com vista à preparação da adesão da ARS DO CENTRO ao Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças.
2. Na sequência, por intermédio de Fax n.º 384/09-DECOP/UAT II, de 9 de Março de 2009, e mais tarde, do Ofício n.º DECOP/UAT II/1773/09, de 10 de Março de 2009, a RECORRENTE foi notificada de que, em sessão diária de visto da 1.ª Secção, realizada a 5 de Março de 2009, o Tribunal de Contas tinha deliberado conceder visto ao PROTOCOLO COMPLEMENTAR.
3. A matéria factual vertida permite concluir que a legalidade da contratação dos serviços contabilísticos e financeiros, nos termos acima expostos, tinha já sido apreciada, no âmbito do processo de fiscalização prévia n.º 1710/08, referente ao PROTOCOLO COMPLEMENTAR, tendo constituído uma questão essencial para a respectiva concessão do visto.
4. Ora, atento o enquadramento factual, verifica-se que em ambos os processos de pretendido consistiu na adesão da RECORRENTE ao Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças, criado e implementado pelo SUCH, suportado, em ambos os casos, no mesmo facto jurídica - a natureza instrumental do SUCH em relação à RECORRENTE.
5. Deste modo, encontram-se, assim, reunidos os pressupostos de que depende a força de autoridade de caso julgado material da decisão de concessão de visto, de 5 de Março de 2009, o que condiciona, necessariamente, a apreciação e a decisão a tomar no âmbito do processo de fiscalização prévia ora em causa.
6. Em face do exposto, verifica-se que a decisão de recusa de visto ao PROTOCOLO DE ADESÃO, consubstanciada no ACÓRDÃO, e a interpretação restritiva por este adoptada do artigo 8.º, n.º 2, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, violam o princípio constitucional de intangibilidade do caso julgado, que se extrai de diversas normas constitucionais e, designadamente, do disposto no artigo 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
7. Noutra perspectiva, cumpre destacar que, na sequência da decisão de concessão de visto, o SUCH procedeu à preparação das condições técnicas necessárias à implementação e adaptação do Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças às funções da RECORRENTE, tendo, em contrapartida, a RECORRENTE, confiando na decisão tomada pelo Tribunal de Contas, efectuado o pagamento das despesas incorridas, no valor de € 538.368,00, nos termos da cláusula sétima do PROTOCOLO COMPLEMENTAR.
8. Pelo que a actual decisão de recusa de visto do Tribunal de Contas viola, ainda, o princípio da protecção da confiança, na vertente da uniformidade ou estabilidade da jurisprudência, concretizador do princípio do Estado de Direito democrático, consubstanciado no artigo 2.º da CRP.
9. No ACÓRDÃO de que ora se recorre, o Tribunal de Contas veio recusar o visto ao PROTOCOLO DE ADESÃO, com o fundamento de que "não pode (...) considerar-se que a relação entre o SUCH e os seus associados públicos e, em particular, entre o SUCH e a RECORRENTE, seja uma relação «interna»", pelo que não poderia "aplicar-se ao caso a excepção prevista no artigo 5.º, n.º 2, do Código".
10. O ACÓRDÃO recorrido padece, porém, de diversos erros de julgamento, quer de facto quer de direito, revelando-se consequentemente ilegal a decisão final aí proferida.
11. Desde logo, verifica-se que a decisão recorrida tem como pressuposto um conjunto de factos que não correspondem à verdade ou que da sua invocação não resulta o efeito pretendido. Nesta medida, impugna-se, por não ter correspondência com a verdade, ou por não ter o efeito jurídico pretendido com a sua invocação, a matéria alegada nas alíneas z) e ee), ambos do Capítulo A ("Dos factos"), bem como a interpretação dos factos constantes de páginas 35, do Capítulo B), todos do ACÓRDÃO recorrido.
12. Mais! Tendo por base a factualidade invocada, na presente sede, pela RECORRENTE, verifica-se que o PROTOCOLO DE ADESÃO foi outorgado em termos e condições que asseguraram o estrito cumprimento da lei.
13. Na verdade, a ora RECORRENTE limitou-se a actuar em conformidade com a doutrina constante dos Pareceres n.º 1/95 e 145/2001 emitidos pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República no sentido de que os serviços prestados pelo SUCH aos seus associados - ou melhor, os contratos que contemplam a realização de tais serviços - não se encontram submetidos às normas sobre contratação pública.
14. Contrariamente ao defendido no ACÓRDÃO, os mencionados pareceres mantêm-se, hoje em dia, plenamente actuais e válidos.
15. A este respeito, cumpre realçar que não ocorreram quaisquer alterações significativas, ao nível das relações entre o SUCH e os seus associados, que coloquem em crise a visão do primeiro como instrumento de pura cooperação. Com efeito, a única alteração assinalável foi a perda do controlo directo exercido pelo Estado, em virtude do enfraquecimento dos poderes de tutela do Ministério da Saúde, sendo esse controlo agora assegurado, em homenagem ao princípio constitucional da descentralização administrativa (na modalidade de devolução de poderes administrativos), pela maioria dos seus associados, integrados na administração indirecta do Estado, pelo que a alteração dos Estatutos é assim irrelevante, mantendo-se a natureza do SUCH como instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados.
16. Por outro lado, as principais áreas de actuação do SUCH reportam-se a actividades para as quais não existem entidades a operar no mercado, sendo, concretamente, exemplo disso, a implementação do Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças, objecto do presente PROTOCOLO DE ADESÃO, justificando-se, nessa medida, a existência do SUCH para colmatar falhas de mercado.
17. Quanto à alegada existência de capital privado e irrelevância da forma associativa, importa considerar que o risco associado pela jurisprudência comunitária à existência de capital privado nos entes quase internos da Administração - concretamente, a respectiva sujeição a considerações inerentes a interesse privados - encontra-se afastado pela própria natureza do SUCH [pessoa colectiva de natureza associativa sem fins lucrativos] e, bem assim, pelo carácter altruístico e comum dos objectivos visados por todos os seus associados com a respectiva integração nessa associação: pura e simplesmente assegurar, de forma adequada e eficiente, a auto-satisfação das respectivas necessidades.
18. A situação vertente apresenta, pois, contornos particulares, em razão da especial configuração do SUCH enquanto pessoa colectiva de natureza associativa, caracterizada, enquanto tal, pela prevalência do elemento pessoal, pela prossecução de fins não lucrativos, pela intransmissibilidade das participações sociais e pela não distribuição de dividendos.
19. A posição contrária à defendida pelo Tribunal de Contas encontra, aliás, apoio no entendimento recentemente advogado pelo TCJE nos acórdãos Coditel e Comissão/Alemanha, proferidos, respectivamente, em 9 de Junho de 2009 e 13 de Novembro de 2008 (Procs. N.º C-324/07 e 480/06). Assim, no primeiro acórdão, a respeito da aferição do requisito do «controlo análogo», o TCJE entendeu necessário sublinhar e relevar a circunstância de o adjudicatário em questão consistir numa entidade que "está constituída, não sob a forma de uma sociedade por acções ou de uma sociedade anónima susceptível de prosseguir objectivos independentemente dos seus accionistas, mas sob a forma de uma sociedade cooperativa intermunicipal regida pela lei relativa às associações intermunicipais". Com base nesta circunstância, o Tribunal afirmou que o adjudicatário "tem por objectivo estatutário a realização da missão de interesse municipal para o cumprimento da qual foi criada e que não possui qualquer interesse distinto do das autoridades públicas que lhe estão associadas", o que permitiu comprovar o preenchimento do requisito do «controlo análogo».
20. Nesta medida, à luz da jurisprudência comunitária, não corresponde à verdade a afirmação constante do ACÓRDÃO de que a natureza associativa do SUCH não constitui uma circunstância determinante para a aferição do requisito de «controlo análogo».
21. Ademais, importa ainda referir que as instituições particulares de solidariedade social não se inserem nem no sector público nem no sector privado, integrando, por força do disposto no n.º 4 do artigo 82.º da Constituição, uma terceira categoria: o sector cooperativo e social. Ora, quando o TCJE refere a rejeição do controlo análogo sempre que existirem participações privadas não pretende abranger o caso das participações detidas por entidades cooperativas e sociais - que, como se viu, constituem um sector distinto, reconhecido e protegido pela própria Constituição (cfr. Artigo 82.º).
22. Também não se afigura legítimo afirmar que as duas sociedades anónimas que assumem a qualidade de associados do SUCH - CESPU, SERVIÇOS DE SAÚDE, SA e o HOSPITAL DOS LUSÍADAS - consubstanciem entidade materialmente privadas.
23. Daqui resulta, em síntese, que, ao contrário do que é assumido pelo Tribunal de Contas, o SUCH não integra, hoje em dia, qualquer associado privado, isto é, qualquer entidade inserida no sector privado da economia, na acepção constitucionalmente relevante do mesmo. Pelo que as participações no substrato pessoal do SUCH de instituições particulares de solidariedade social e de sociedades anónimas não podem, no caso em apreço, ser consideradas participações privadas, não existindo, assim, qualquer obstáculo à verificação do requisito de «controlo análogo».
24. No que tange, por seu turno, à (alegada) exigência de que o SUCH seja exclusivamente composto por entidades adjudicantes, o n.º 2 do artigo 5.º do CCP é absolutamente lapidar: basta, para que haja controlo análogo, que entidades adjudicantes, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes - no caso, as entidades integradas na administração indirecta do Estado e que exercem a sua actividade no sector da saúde, estando portanto, submetidas a poderes de tutela e de superintendência do ministro que tutela este sector -, exerçam sobre o SUCH um controlo análogo.
25. Nesta medida, não pode, pois, proceder o argumento de que a verificação do requisito de controlo análogo depende, sempre e em qualquer caso, da entidade adjudicatária ser exclusivamente composta por entidades adjudicantes, bastando, para tanto, que as entidades que não assumam essa natureza não disponham do controlo ou não impeçam o controlo análogo pelas entidades adjudicantes.
26. Relativamente à questão de participação do SUCH em ACE'S, cabe referir que a detenção por parte do SUCH de participações noutras entidades - nomeadamente, sob a forma de agrupamentos complementares de empresas ("ACE'S") - não tem quaisquer implicações no controlo que, no quadro dessa associação e, em particular, no âmbito da formação das suas decisões, é exercido pelo conjunto das entidades adjudicantes que a compõem.
27. Em todo o caso, importa salientar que se encontra na iminência de ser publicado um diploma que cria a empresa pública SPMS - SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, E.P.E., detida integralmente pelo Estado, e que sucede nas atribuições dos agrupamentos complementares de empresas, criados e participados pelo SUCH, que, nessa medida, se extinguem. Assim sendo, após a publicação do diploma acima referido, perde razão de ser a linha de argumentação expendida pelo Tribunal de Contas, na parte em que se refere à questão do SOMOS CONTAS, ACE, como constituindo um obstáculo à verificação da relação in house entre a RECORRENTE e o SUCH, devendo toda a parte do ACÓRDÃO respeitante aos agrupamentos complementares de empresas dar-se por não escrita.
28. Noutro plano, em face do quadro legal e estatutário que serve de base ao exercício da respectiva actividade, é possível depreender a afectação do SUCH à prossecução de fins que coincidem com atribuições particularmente importantes da Administração, atribuições essas cometidas ao conjunto de entidades que integram o seu substrato pessoal, não procedendo, pois, o argumento da falta de imposição administrativa da entidade adjudicante, como obstando ao exercício de «controlo análogo».
29. Nesta conformidade, à luz das considerações expostas e da evolução da jurisprudência comunitária, considera-se suficientemente comprovado o preenchimento dos requisitos de que depende a aplicação da excepção prevista no artigo 5.º, n.º 2, do CCP para os contratos celebrados no quadro das relações in house.
A final, e peticionando, a Recorrente requer seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, concedido o Visto ao "Protocolo de Adesão ao Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças", celebrado entre a Administração Regional de Saúde do Centro, I.P. e o SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, por não se verificarem os fundamentos que levaram à respectiva recusa.

2. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, em douto Parecer, pronunciou-se no sentido da confirmação da decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto.

3. Foram colhidos os Vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Ao longo do Acórdão recorrido considerou-se estabelecida, com relevância para a análise em curso, a factualidade inserta no intróito deste Acórdão e ainda a seguinte:

1. O Protocolo, nos termos da sua cláusula primeira, tem por objecto regular os termos e condições em que a ARS Centro adere ao Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças do SUCH, cometendo-lhe, no seu âmbito, a responsabilidade de assegurar o processamento de actividades de contabilidade geral e analítica, de contas a pagar, de contas a receber e a execução de acções preparatórias necessárias às actividades da responsabilidade da ARS do Centro de planeamento e preparação do orçamento, de controlo orçamental, de controlo de gestão, de gestão de contratos e da gestão de imobilizado e de tesouraria;

2. Nos termos do n.º 1 da cláusula terceira do Protocolo, o seu objecto será assegurado através de uma estrutura operacional dotada de meios humanos, das infra-estruturas, dos sistemas de informação e de gestão e dos processos operativos que assegurem aos aderentes a disponibilização de um serviço partilhado de gestão de contabilidade e finanças, estrutura essa designada por Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças [doravante designada por CPCF], criada e gerida, directamente ou através de entidade mandatada pelo SUCH, no âmbito da qual serão executadas as actividades contabilísticas e financeiras da responsabilidade do aderente ARS Centro;

3. Nos termos do n.º 2 da cláusula terceira do Protocolo, a administração, gestão e operação do Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças podem ser cometidas ou cedidas pelo SUCH a entidades terceiras [Entidade Gestora], constituídas sob qualquer modalidade jurídica que o SUCH entenda conveniente, mediante simples comunicação à ARS Centro, desde que nelas o SUCH detenha participação maioritária, controlo de gestão e dos respectivos órgãos de administração;

4. Nos termos do n.º 1 da cláusula quarta, o SUCH, através do CPCF, assegurará, em relação a todas as unidades, departamentos e serviços da ARS Centro a totalidade dos serviços de processamento de actividades de contabilidade geral e analítica, de contas a pagar, de contas a receber e a execução de acções preparatórias necessárias às actividades da responsabilidade da ARS Centro de planeamento e preparação do orçamento, de controlo orçamental, de controlo de gestão, de gestão de contratos e da gestão de imobilizado e de tesouraria, conforme descrição constante do Anexo I;

5. A fls. 13 do Anexo I do protocolo verifica-se que são as seguintes as responsabilidades do CPCF (1):
- Registo contabilístico de orçamento;
- Controlo orçamental da aquisição de bens e serviços [cabimentação e compromisso];
- Recepção de facturas, NC, ND e notas de conferência;
- Registo e contabilização da factura NC e ND;
- Conferência de facturas e solicitação de respectivas NC/ND;
- Elaboração de proposta de plano de pagamento;
- Registo e contabilização de pagamentos;
- Registo e contabilização de recebimentos;
- Contabilização de migrantes;
- Registo contabilístico de regularizações/reposições de FM;
- Elaboração de relatórios [reporting legal, fiscal, estatístico];
- Apuramento de impostos;
- Contabilidade analítica;
- Contabilização de imobilizado; 

6. No que respeita à remuneração do SUCH pelos serviços prestados, estipula a cláusula décima sétima o seguinte:
"1 - Pelos serviços a que se refere a cláusula 4ª, o SUCH terá direito a uma retribuição calculada e liquidada nos termos do protocolo, destinada a cobrir os custos de implementação e operação do CPCF.
2 - A retribuição, detalhada e discriminada no anexo VI é o produto da soma:
i) Do custo da função financeira e contabilística, o qual foi determinado a partir das declarações efectuadas e das informações prestadas pela ARS do Centro, constantes do anexo IV e
ii) Dos custos e encargos assumidos pelo SUCH com a preparação da adesão da ARS do Centro ao CPCF (...) produto esse ao qual são deduzidos
iii) O valor dos ganhos de eficiência proporcionados pelos serviços partilhados através do CPCF e desde já garantidos pelo SUCH.
3. Os custos relacionados especificadamente com a adaptação ao Modelo Futuro de Processos de contabilidade e finanças solicitados pela ARS do Centro serão facturados 30 dias após o início da vigência do Protocolo";

7. Nos termos da cláusula vigésima quarta, a resolução do protocolo, sem justa causa, constitui a parte inadimplente na obrigação de indemnizar a parte fiel por todos os prejuízos causados, calculados e liquidados nos termos do Anexo VII;

8. Nos termos da cláusula vigésima quinta, a violação por qualquer das partes de obrigações assumidas no âmbito do protocolo que, pela sua relevância e definitividade, torne impossível ou inexigível a subsistência deste confere à outra parte o direito de resolução do protocolo com justa causa e o de exigir à parte faltosa uma indemnização calculada e liquidada nos termos do anexo VII.

9. Nos termos da cláusula sétima, o protocolo entrou em vigor em 8 de Setembro de 2009 e cessa em 31 de Dezembro de 2009, podendo renovar-se automaticamente, nos mesmos termos e condições, e por períodos sucessivos de um ano, excepto se for denunciado por qualquer das partes;

10. Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, dos seus Estatutos (2) o "SUCH tem por objecto tomar a seu cargo iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente dos seus Associados", designadamente prestando-lhes assistência técnica no domínio das instalações e equipamentos, assegurando a exploração ou a gestão de instalações técnicas e áreas industriais, incluindo lavandarias, centrais e transportes, promovendo acções no âmbito do desenvolvimento tecnológico e da investigação, quer dos equipamentos quer das instalações e constituindo unidades de serviços partilhados;

11. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 2.º dos Estatutos as "unidades de serviços partilhados (...) podem ser constituídas sob a forma de unidades orgânicas do SUCH ou sob a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e ou por terceiras entidades";

12. O artigo 6.º dos estatutos do SUCH estabelece:
"1. Podem ser associados do SUCH as entidades, públicas ou privadas, que integrem o sistema de saúde português, bem como todas as instituições particulares de solidariedade social ou outras pessoas colectivas de utilidade pública administrativa que desenvolvam actividades de promoção e protecção da saúde.
2. Podem ser associados do SUCH serviços pertencentes ao Ministério da Saúde ou dele dependentes";

13. O SUCH tem (3) associadas 99 entidades públicas e privadas, entre as quais se contam serviços da administração directa do Estado, institutos públicos, entidades públicas empresariais, instituições particulares de solidariedade social e duas sociedades anónimas (4);

14. A ARS Centro é um desses 99 associados;

15. Nos termos do artigo 7.º dos Estatutos do SUCH, são direitos dos associados:
"a) Usufruir dos serviços prestados pelo SUCH nos termos que forem regulamentados;
b Eleger os membros não nomeados dos órgãos sociais do SUCH;
c) Apresentar todas as propostas que julguem de interesse para a melhor prossecução dos fins do SUCH;
d) Reclamar perante o Conselho de Administração dos actos que considerem lesivos dos seus interesses;
e) Recorrer para a Assembleia-Geral dos actos do Conselho de Administração que julguem irregulares;
f) Examinar, na sede do SUCH, o orçamento e o relatório e contas."

16. Nos termos do artigo 10.º dos Estatutos do SUCH, são órgãos do SUCH a assembleia-geral, o conselho de administração e o conselho fiscal;

17. De acordo com o artigo 12.º dos Estatutos, a assembleia-geral é constituída por representantes de todos os associados;

18. Por força do artigo 15.º, compete à assembleia-geral eleger e destituir os membros não nomeados dos órgãos do SUCH; apreciar e aprovar os planos estratégicos e de actividades; apreciar e aprovar o relatório e contas do exercício anual; pronunciar-se sobre a gestão do SUCH; deliberar, por maioria de três quartos dos associados presentes, sobre alterações aos estatutos; deliberar, por maioria de três quartos do número total de associados, sobre a dissolução do SUCH; deliberar, por proposta do conselho de administração, sobre a realização de empréstimos e a aquisição, alienação ou oneração de bens imóveis; deliberar, segundo proposta do conselho de administração, sobre a participação do SUCH noutras pessoas colectivas, nomeadamente, subscrição de participações, quotas ou acções na sua constituição, aquisição de participações, quotas ou acções em pessoas colectivas já constituídas ou adesão a associações constituídas ou a constituir; conhecer dos recursos interpostos da recusa de admissão como associados do SUCH, pronunciar-se sobre as questões que lhe sejam apresentadas nos termos regulamentares e aprovar o regulamento de quotização proposto pelo conselho de administração;

19. Nos termos do n.º 6 do artigo 14.º dos Estatutos, o número de votos de cada associado na Assembleia-Geral é determinado pelo valor percentual dos serviços adquiridos relativamente à facturação total do SUCH;

20. Nos termos do artigo 16.º dos Estatutos, o conselho de administração do SUCH é composto por um presidente, um vice-presidente e três vogais. O presidente e o vice-presidente são nomeados pelo Ministro da Saúde e os três vogais são eleitos em assembleia-geral;

21. De acordo com o artigo 17.º, o conselho de administração assegura a gestão da associação, mediante o plano de actividades e o orçamento aprovado pela assembleia-geral;

22. O conselho fiscal, conforme dispõe o artigo 22.º, é composto por três membros e é eleito em assembleia-geral;

23. A intervenção do Ministro da Saúde traduz-se em:
- Exercer a tutela sobre o SUCH [artigo 4.º];
- Nomear o presidente e o vice-presidente do conselho de administração [artigo 16.º, n.º 2];
- Homologar as alterações aos Estatutos aprovadas em assembleia-geral [artigo 15.º, n.º 2];
- Homologar a dissolução do SUCH, aprovada em assembleia-geral [artigo 15.º, n.º 2];
- Homologar a contracção de empréstimos que impliquem um nível de endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no exercício do ano transacto [artigo 15.º, n.º 3];

24. O artigo 2.º, n.º 2, dos Estatutos estabelece que, para além de ser um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, o SUCH pode ainda, no regime de concorrência e de mercado, desenvolver actividades em todas as áreas de apoio das instituições e serviços que integram o sistema de saúde português, sejam ou não seus associados. O n.º 4 diz ainda que o SUCH pode alargar as suas actividades a instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, desde que não resulte qualquer prejuízo para os associados e haja vantagem no plano económico e em matéria de enriquecimento e valorização tecnológica;

25. Na listagem de clientes do SUCH e respectiva facturação, em 31.12.2008 (5), constam 86 associados e 142 não associados, sendo estas entidades pertencentes ao SNS, outras instituições públicas e fundações, instituições particulares de solidariedade social e entidades privadas, em que se incluem farmácias, clínicas, laboratórios clínicos, laboratórios farmacêuticos, lares, etc.;

26. Da listagem referida na alínea anterior resulta ainda que o valor facturado a associados do SUCH orçou 75.438.058,33 euros e a não associados correspondeu a 12.266.042,64 euros [representando este 16,25% do total facturado, portanto];

27. O artigo 3.º dos mesmos Estatutos, determina que, sempre que tal se mostre de interesse para a prossecução do seu objecto, o SUCH pode instituir ou participar na constituição de associações, sociedades ou pessoas colectivas de outra natureza, bem como adquirir ou alienar participações sociais;

28. Em documento tornado público pelo SUCH - comunicado (6) datado de 12 de Setembro de 2009 - quatro dias após a celebração do presente protocolo, a propósito de tal celebração diz-se: "O SUCH irá prestar (...) Serviços Partilhados de Processamento de Contabilidade e Finanças, área operacionalizada através do Somos Contas, que actua como um Centro de Serviços Partilhados em Gestão Financeira. (...) O Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças do SUCH, operado pelo Somos CONTAS (7), passará a desenvolver em Castelo Branco dois dos processos inerentes aos serviços, nomeadamente, "Contas a Pagar" e "Contabilidade Geral", enquanto Lisboa assegura os processos de "Contas a receber" e "Controlo de gestão" ";

29. O Somos Contas, ACE, é um agrupamento complementar de empresas constituído em 26 de Junho de 2007. São seus membros o SUCH com a participação de 95% e a Accenture, Consultores de Gestão, SA, com 5%. O ACE tem como objectivo principal a cooperação entre agrupados, a partilha de conhecimentos e de informação e o desenvolvimento de actividades de prestação de serviços nas áreas de gestão financeira e de contabilidade, tendo em vista a melhoria da eficiência dos agrupados. Estes serviços, nos termos dos estatutos, são prestados predominantemente ao agrupado SUCH. O agrupamento tem ainda como fim acessório a realização e a partilha de lucros entre os seus membros. O ACE tem um Conselho de Administração composto por três administradores, sendo dois indicados pelo SUCH e um pela Accenture, SA. Nos termos, ainda dos estatutos, é necessária a unanimidade dos votos do conselho, para a elaboração das contas e do orçamento anual, a aquisição, a alienação e a oneração de quaisquer bens imóveis, a contracção de empréstimos e a prestação de cauções e garantias reais pelo agrupamento, a celebração de contratos de prestação de serviços directamente com terceiros não agrupados e a fixação da remuneração dos serviços prestados a terceiros e ao SUCH (8);

III. O DIREITO

Como bem decorre do acórdão recorrido [n.º 04/2010] a decisão de recusa do Visto ao Protocolo celebrado entre a Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais [abreviadamente, SUCH] radica, básica e essencialmente, no seguinte:

§ O Protocolo em apreço consubstancia um contrato oneroso de aquisição de serviços, distanciando-se, assim, de uma mera forma de cooperação ou assistência mútua, estatutariamente determinada para a realização de uma missão de serviço público.  

Logo, à formação daquele contrato, com natureza pública, aplica-se o regime legal plasmado no Código dos Contratos Públicos;

§ A Administração Regional de Saúde do Centro, Instituto Público, é uma entidade adjudicante, tal como resulta do art.º 2.º, n.º 1, al. d), do Código dos Contratos Públicos, sendo que, e por outro lado, a entidade adjudicatária - SUCH - evidencia uma constituição e características empresariais que lhe conferem autonomia, não só no plano formal mas também na vertente decisória.
§ Entre o SUCH e a ARS Centro, Instituto Público, não existe uma relação "interna" equiparada à estabelecida entre esta última e os serviços que a compõem ou integram;  

Consequentemente, não é configurável, «in casu», a excepção prevista no art.º 5.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos e, em conformidade, o Protocolo em causa subordina-se, necessariamente, às regras da contratação Pública;

Ou seja, inverificado o pressuposto - controlo análogo - a que alude o art.º 5.º, n.º 2, al. a], do Código dos Contratos Públicos, ao referido Protocolo ou contrato é aplicável o regime constante deste último diploma legal;

§ Atento o valor do contrato [vd. art.º 7.º, al. b), da Directiva n.º 2004/18/CE e Regulamento CE n.º 1422/2007], que excede € 206 000,00, e ainda o disposto no art.º 20.º, n.º 1, al. b), do Código dos Contratos Públicos, o Protocolo ou contrato sob apreciação deveria ser precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação.

Na ausência de tal procedimento concursal, ocorre a nulidade do contrato, melhor reportada ao art.º 133.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, sendo que esta, nos termos do art.º 44.º, n.º 3, al. a), da Lei n.º 98/97, é fundamento de recusa de visto.
Por sua vez, a entidade Recorrente, em extensa e cuidada alegação, impugna o decidido, sustentando, com relevância e em resumo, o seguinte:

§ A matéria factual em apreço permite concluir que a legalidade de contratação dos serviços contabilísticos e financeiros sob apreciação já havia sido julgada no domínio do processo de fiscalização prévia n.º 1710/2008, o qual versava um Protocolo [apelidado de "Complementar"] que mereceu a Concessão de Visto mediante Decisão proferida por este Tribunal em 05.03.2009;  

Mostram-se, assim, reunidos os pressupostos de que depende a autoridade do caso julgado material [Decisão de concessão de Visto, datada de 05.03.2009], o qual, necessariamente, sempre condicionaria o sentido da Decisão a tomar no processo em apreço [n.º 1807/2009];
A Decisão sob recurso, ao inconsiderar aqueloutra Decisão de 5 de Março de 2009, proferida no Proc.º 1710/2008, violou o princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, a extrair do art.º 202.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa;

§ A decisão de recusa de Visto proferida pelo Tribunal de Contas e agora objecto de recurso viola, também, o princípio da protecção de confiança, no segmento da uniformidade e estabilidade da jurisprudência, vertido no art.º 2.º, da Constituição da República Portuguesa;
§ O acórdão recorrido denuncia erro de julgamento no âmbito da matéria de facto, nomeadamente, quanto ao valor da facturação a não associados do SUCH;
§ A Recorrente actuou em conformidade com a doutrina inserta nos Pareceres n.os 1/95 e 145/2001, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República;
§ Porque o SUCH não integra qualquer associado privado na acepção constitucional do termo, insubsiste algum obstáculo à verificação do requisito "controlo análogo", imputável à dinâmica relacional polarizada no referido organismo [SUCH] e na Administração Regional de Saúde do Centro I.P., ora Recorrente;  

Deste modo, e porque celebrado no quadro das relações «in house», o Protocolo em apreço não se subordina ao regime estabelecido na parte II do Código dos Contratos Públicos, impondo-se, inerentemente, a concessão do Visto.
Sumariada a matéria sob controvérsia, evidenciam-se as questões relevantes que daí emergem e suscitam conhecimento, as quais, desde já, se enunciam:

§ Da violação do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado;
§ Da violação do princípio constitucional da protecção de confiança, na vertente da uniformidade ou estabilidade da jurisprudência;
§ Do erro do julgamento da matéria de facto, supostamente materializada na incorrecção de valores de facturação relativos a associados e não associados do SUCH e na asserção, porventura indevida, do cometimento da execução dos serviços objecto do Protocolo de Adesão ao Somos Contas, ACE;
§ Da formação dos contratos e respectiva subordinação à parte II do Código dos Contratos Públicos; Das relações «in house» e o caso em apreço;
§ Delimitação material e jurídica do Sector privado e Sector Cooperativo e Social, ainda à luz do quadro normativo de índole constitucional;
§ Da Ilegalidade verificada e respectiva repercussão na concessão ou não do Visto.   

1. Do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado.
O caso julgado.

1.1. Préviamente, diremos que a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas - Lei n.º 98/97, de 26.08 - não define ou decompõe o conceito de "caso julgado" mas, sublinhe-se, manda aplicar ao processo a tramitar no Tribunal de Contas o regime que consta do Código de Processo Civil [vd., entre outros, o art.º 80.º, da LOPTC]. Este ergue-se, assim, como Lei subsidiariamente aplicável ao caso que nos ocupa.

1.1.1. Sob a epígrafe "Requisitos da litispendência e do caso julgado", o art.º 497.º, do Código de Processo Civil, dispõe que a excepção [de natureza dilatória - vd. art.º 493.º e 494, al. i), do Código de Processo Civil] do "caso julgado", para além de pressupor a repetição de uma causa, implica também que esta ocorra após aquela que a precede ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
E, na definição do conceito "repetição de uma causa", o art.º 498.º, ainda do Código de Processo Civil, dispõe:
(...)
"1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e outra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico".
É vasta a jurisprudência e doutrina que, repousando em casos concretos, se debruça sobre o conceito de "repetição de causa" e, mais particularmente, sobre os sub-conceitos de "identidade de sujeitos", "identidade de pedido" e "identidade de causa de pedir".

Pela nossa parte, não insistiremos no encontro da melhor significação de tais "figuras processuais", por entendermos que a respectiva definição contida na Lei [vd. art.os 497.º e 498.º, do Código de Processo Civil] dispensa outros exercícios de índole interpretativa.
Salvaguarda-se, no entanto, a necessidade de sublinhar o escopo visado com a excepção do "caso julgado" e que, como é sabido, se centra na necessidade de evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.
Ou seja, e como também refere a Recorrente [vd. art.º 60.º, das Alegações], com a excepção do caso julgado [vd. art.os 493.º, 494.º e 497.º do Código de Processo Civil] pretende-se evitar a contradição prática de decisões e obstar a que estas exibam incompatibilidade concreta e material, sempre no encalço da almejada e necessária segurança jurídica.

1.1.2. Enquadrados pelo conceito de "caso julgado", consequências e finalidade daí decorrentes, e ainda pela matéria alegada pela Recorrente [vd. a invocação da autoridade do caso julgado], é imperioso salientar, aliás, na esteira da melhor doutrina (9) publicada a propósito, que a autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. E aquele efeito decisivo radica numa relação de prejudicialidade [o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, figurando até como pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir nesta última].
A autoridade do caso julgado não se confunde, assim, com a excepção de "caso julgado", pois esta última visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, perfilando-se o caso julgado como óbice a nova decisão de mérito.

1.2. À luz do conceito de "caso julgado" acima analisado e ainda da respectiva "autoridade" que daí dimana, importará agora identificar as consequências sobrevindas à decisão proferida no processo de fiscalização prévia n.º 1710/2008 e, mais particularmente, à natureza e dimensão da vinculação que esta última exercerá sobre o acórdão objecto do presente recurso.

1.2.1. Como é sabido, em 05.03.2009, o Tribunal de Contas, no âmbito do processo de Fiscalização Prévia, com o n.º 1710/2008, proferiu decisão no sentido de visar o Protocolo para definição das actividades a desenvolver no domínio da preparação da adesão da Administração Regional de Saúde do Centro ao Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças, celebrado em 15.11.2008, entre a referida Administração Regional e o SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais.
Do referido Protocolo [vd. processo n.º 1710/2008], que a Recorrente designa de "Protocolo Complementar", extrai-se que, mediante este instrumento, o SUCH assumia a obrigação de desenvolver diversos trabalhos, tarefas e iniciativas de preparação da Recorrente para a adesão ao Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças, real estrutura operacional, e mediante contraprestação pecuniária aí determinada.
É, assim, indubitável que o Protocolo apelidado de "Complementar" e o Protocolo de Adesão em apreço tendem para o mesmo fim, qual seja, a assunção pelo Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças das funções de carácter contabilístico e financeiro que impendem sobre a Recorrente e mediante contrapartida financeira.
E tal circunstância obrigará a concluir que a legalidade do Protocolo a que se reporta o acórdão sob recurso [n.º 4/2010] já havia sido apreciada no domínio do processo de Fiscalização Prévia n.º 1710/2008 e no âmbito da Decisão aí proferida?
Importa indagar, o que faremos, de seguida.

1.2.2. Tal como afirmámos, o Protocolo de Adesão [em apreciação no presente processo] e o Protocolo Complementar visam, a final, o mesmo fim.
Porém, o que os distingue impede que entre ambos se verifique uma real identidade.
Com efeito, e atendo-nos ao fim material imediato visado pelos referidos instrumentos de natureza protocolar, logo se constata que o Protocolo Complementar e o Protocolo de Adesão não se confundem, nesta parte, pois o primeiro atenta na definição das actividades a desenvolver no âmbito da preparação da adesão da Recorrente ao CPCF, ao passo que o segundo regula, ele próprio, o modo de adesão ao mencionado Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças.
Tanto bastará para, contrariando a alegação da Recorrente, não conferirmos à Decisão proferida no Processo n.º 1710/2008 a "autoridade de caso julgado", a que se atribua aptidão para constituir pressuposto indiscutível da decisão de mérito inserta no Acórdão sob recurso (10).
Na verdade, apelando [com as devidas adaptações] ao conceito de identidade de pedido [nas causas sob confronto pretende-se obter o mesmo efeito jurídico], melhor definido no art.º 498.º, do Código de Processo Civil, logo se constata que os "pedidos" constantes do processo n.º 1710/2008 e do processo em apreço [n.º 1807/2009] exibem uma individualidade material distinta, não se confundindo.
Na explicitação do afirmado, importará adiantar que, muito embora se admita que a razão ou facto impulsionador [assunção pelo CPC e Finanças das funções de processamento contabilísticos e financeiros que impendem sobre a Recorrente] da celebração de ambos os Protocolos seja, genericamente, comum [identidade de causa de pedir, enformada por fundamentos ou razões de facto instrumentais daquela], o pedido deduzido no âmbito do Processo n.º 1710/2008 visa suscitar junto do Tribunal de Contas a apreciação da legalidade e sequente concessão do Visto ao Protocolo destinado à definição das actividades a desenvolver no âmbito da preparação para uma eventual e futura adesão da Recorrente ao CPC e Finanças, ao passo que o pedido deduzido no Processo n.º 1807/2009 se centra na obtenção da concessão do visto ao Protocolo de Adesão ao mencionado Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças. Trata-se, pois, de pedidos que, pela sua estrita materialidade, se distinguem com evidente clareza.
Para que ocorra "caso julgado", a Lei [vd. art.º 498.º do Código de Processo Civil] exige a identidade de sujeitos, a verificação da identidade de pedidos, a similitude de pretensões do autor e peticionante e de efeitos jurídicos pretendidos.
Ora, «in casu», e conforme se demonstrou, existe identidade subjectiva, o facto jurídico donde procede o peticionado apresenta faces comuns, mas o pedido, no plano factual e do efeito jurídico pretendido, embora se relacionem, não são idênticos. Daí que, e com inteira propriedade, se deva afirmar que, à míngua do aludido requisito processual [identidade do pedido], não ocorra repetição da causa (11) e, inerentemente, a decisão proferida no Processo de Fiscalização Prévia n.º 1710/2008 não constitui caso julgado, ainda susceptível de, sob a veste de "autoridade", condicionar, sob qualquer forma, a apreciação do objecto processual a que se reporta o Processo n.º 1807/2009 [processo onde resta proferido o Acórdão sob recurso].
E, reforçando o afirmado, diremos que a Decisão do Tribunal de Contas proferida no Processo n.º 1710/2008 não constitui caso julgado formal [de carácter externo ou de preclusão], nem se ergue como autoridade de caso julgado de cariz material [que versa sobre o fundo ou mérito da causa].

1.2.3. Tal como referem os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira (12) a Constituição não define o conceito de caso julgado, tratando-se, porém, de um conceito pré-constitucional suficientemente densificado. Dito de outro modo, o princípio da intangibilidade do caso julgado não tem consagração constitucional, mas mostra-se definido, em suficiente medida, pela Lei ordinária. Assume mesmo a condição de um princípio geral do direito a que o aplicador e intérprete da Lei deve inteira observância.
«In casu», e demonstrada a inverificação de "caso julgado", na acepção de repetição da causa e definição conceptual reportadas nos art.os 497.º e 498.º, do Código de Processo Civil, revela-se óbvia a não violação de alguma norma constitucional e, designadamente, a constante do art.º 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

1.2.4. Por último, e sustentada a inverificação, «In casu», da proclamada autoridade do caso julgado, não deixaremos de sublinhar que o valor da segurança jurídica também se reforça e substancia com decisões de igual sentido sobre matéria ou questões relacionáveis, ou, até, próximas no concernente à sua identidade.
No entanto, tal não impede, ainda em nome da independência do julgador, que sobre tal materialidade incidam decisões com sentido contrário ou divergente, sem que o referido valor seja objecto de afronta e minguada a garantia daí decorrente.
E, a propósito, retenha-se que ao unanimismo judiciário o legislador contrapôs, isso sim, mecanismos legais tendentes à salvaguarda da segurança jurídica, alcançável, nomeadamente, mediante o recurso para uniformização de jurisprudência [vd. art.º 763.º, do C.P. Civil e art.º 101.º (recurso extraordinário), da Lei n.º 98/97, de 26.08, diploma que disciplina a Organização e Processo do Tribunal de Contas].

2. Do princípio Constitucional
Da Protecção da Confiança

A Recorrente, ao longo das alegações deduzidas [vd. art.os 76.º e segs.], advoga ainda que a Decisão de recusa do visto inserta no Acórdão sob recurso ofende o princípio constitucional da protecção da confiança, na vertente da uniformidade ou estabilidade da jurisprudência, extraível do art.º 2.º, da Constituição da República Portuguesa.
E na sustentação do alegado, a Recorrente, após evidenciar a identidade das partes e a natureza do objecto reportados nos Processos n.os 1710/2008 e 1807/2009, entende que o teor da Decisão proferida neste último processo consubstancia, afinal uma violação do princípio constitucional da protecção da confiança, enquanto corolário do princípio do Estado de direito.

2.1. Como é sabido, o princípio da confiança, que deflui do princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.º 2.º, da Constituição da República Portuguesa, postula uma "ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado (13)", o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a estas são juridicamente criadas.
Transpondo o exposto para o plano legislativo, aquele princípio constitucional [da confiança] impõe, assim, ao Estado a não edição da normação que, repercutindo-se, onerosa e intoleravelmente, nas situações pré-existentes e criadas ao abrigo de anterior legislação, as altere no seu conteúdo e consequências e em medida que os cidadãos, também destinatários, não contariam.

Nesta vertente, aquele princípio impõe-se, de modo directo, ao legislador.

Mas atentar na confiança e segurança jurídicas, enquanto valor e princípio constitucional, agora no segmento da uniformidade ou estabilidade da jurisprudência, já constitui matéria que requer abordagem específica, atenta a sua evidente particularidade.
Na verdade, muito embora a protecção da confiança seja relacionável com a uniformidade e estabilidade decisórias dos tribunais, é forçoso admitir que a obrigação dos juízes decidirem, nos termos da Lei, segundo a sua convicção e responsabilidade, constitui uma dimensão irredutível da função jurisdicional por si exercida (14).
Contudo, e realce-se, apesar da salientada especificidade da função jurisdicional, esta não se mostrou alheia à necessidade de garantir as referidas estabilidade e uniformidade decisórias, ainda em nome do supracitado princípio da confiança e segurança jurídicas.
E tal preocupação, assumida pelo legislador, remonta, como é sabido, à normação [vd. art.º 2.º, do Código Civil, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, após ter sido julgado inconstitucional] que atribuía aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral mediante assentos, expressando-se, agora, na uniformização de jurisprudência, a levar a efeito, entre o mais, pelo Supremo Tribunal de Justiça [em sede de julgamento ampliado da revista (desempenha uma função preventiva de conflitos jurisprudenciais) e de recursos para o pleno das secções cíveis e criminais (constitui um meio "sucessivo" de uniformização de jurisprudência)] e pelo Tribunal de Contas [em sede de recurso extraordinário], conforme prevêem os art.os 732.º-A e 763.º, do Código de Processo Civil, 4378.º, do Código de Processo Penal, e art.º 101.º, da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas [Lei n.º 98/97, de 26.08].
Abdicando da análise dirigida ao carácter vinculativo ou não dos acórdãos assim tirados [vinculam os demais tribunais judiciais?... constituem meros precedentes judiciais qualificados? ... detêm mera autoridade e a força persuasiva sobrevinda à natureza do Tribunal donde dimanam?... (15)], reconhece-se que estes consubstanciam um eficaz veículo de estabilização da jurisprudência e, nesta óptica, admite-se que contribuam para a salvaguarda dos princípios da confiança e segurança jurídicas, extraíveis do art.º 2.º, da Constituição da República Portuguesa.

2.2. Deslocando-nos para o caso em apreço, constata-se, com relevância, que muito embora a Decisão concedente do Visto ao Protocolo, no âmbito do processo n.º 1710/2008, tenha sido proferida em 05.03.2009, o Acórdão sob recurso [n.º 4/2010] foi proferido em 23.02.2010 e, a antecedê-lo, com igual sentido decisório e sobre matéria essencialmente similar, foram proferidos os Acórdãos n.os 167/2009 [versa o Protocolo celebrado entre o Hospital do Litoral Alentejano e o SUCH], 159/2009 [Protocolo de Adesão celebrado entre a ARS Norte, I.P. e o SUCH] e 171/2009 [Protocolo da articulação celebrado entre a Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. e Somos Contas, ACE], em 20.11.2009, 29.10.2009 e 04.12.2009, respectivamente.
Assim sendo, o Acórdão recorrido, proferido em 23.02.2010, nem pode ser perspectivado como decisão «surpresa», porquanto aborda matéria que, no essencial, havia sido objecto de ampla discussão, merecendo mesmo decisões com sentido idêntico ao vertido no aresto recorrido.
Aliando esta circunstância à ausência de jurisprudência uniformizada que se erga como lenitivo orientador, à citada dimensão irredutível da função jurisdicional [os juízes decidem, nos termos da Lei, segundo a sua convicção e responsabilidade] e, por último, à sustentada ausência de "caso julgado" com aptidão para condicionar o aresto sob recurso, impõe-se concluir pela não violação dos princípios da confiança e segurança jurídicas, extraíveis do art.º 2.º, da C.R.P. .
Asserção que, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, não é debilitada pela invocada e pretensa eficácia apenas futura da jurisprudência substanciadora de inovação inesperada e gravosa, solução que, embora sob discussão nos Estados Unidos da América ["prospective overruling and retroactive application in Federal Counts"] e ainda alegada pela Recorrente, não encontra o menor suporte legal no âmbito do nosso ordenamento jurídico.  

3. Do Eventual Erro de Julgamento.
Da Matéria de Facto.

A Recorrente, sob a epígrafe "Da Impugnação sobre a matéria de facto" e abrigando-se ao disposto no art.º 690.º-A, do Código de Processo Civil, alega erro de julgamento por parte do acórdão recorrido, concretizando-o [vd. art.os 94.º e seguintes, das alegações] nas vertentes seguintes:

§ Valor facturado a associados do SUCH e a não associados deste Serviço;
§ Prestação pelo SUCH de Serviços Partilhados de Processamento de Contabilidade e Finanças, área operacionalizada através do Somos Contas, que actua como um Centro de Serviços Partilhados em Gestão Financeira;
§ Externalização da prestação de Serviços por parte do SUCH, variante ou posicionamento que se acolhe à estratégia de empresarialização desta última entidade.  

Cumpre conhecer de tal matéria.

3.1. Previamente, e corrigindo, importa salientar que a alteração ou modificabilidade da decisão de facto mostra-se regulada nos art.os 685.º-A e 712.º, do Código de Processo Civil, preceitos que, de um lado, regulam o modo processual de impugnação da matéria de facto fixada na instância judicial recorrida, e, do outro, alinham os pressupostos determinantes da eventual alteração da referida factualidade.
A apreciação do erro de julgamento, porventura incidente sobre a aludida factualidade, não se escora, assim, no art.º 690.º-A, do Código de Processo Civil, que, como é sabido, se mostra revogado.
Porque a Recorrente especificou os pontos e factos que considera incorrectamente julgados, adiantou os meios probatórios com relevo para aferir da possível bondade, de decisão diversa e o processo contêm os elementos de prova que basearam a decisão em crise, entendemos não ser de rejeitar a alegada impugnação da matéria de facto e, em conformidade, conhecer da justeza ou não do erro de julgamento invocado.

3.2. No concernente ao sobredito valor de facturação a associados e não associados do SUCH, é seguro que o acórdão recorrido entende como apurado que aos primeiros o SUCH exibe uma facturação relativa a 31.12.2008, no valor de € 75 438 058,33, ao passo que, no tocante àqueles últimos [não associados do SUCH] e com referência a igual data, o valor da facturação ascende a € 12 266 042,64.
A Recorrente, contesta o valor da facturação advinda de serviços prestados pelo SUCH a não associados, contrapondo, com base em prova documental [documentos anexos ao ofício n.º 000 001, de 04.01.2010, juntos aos autos e resumo de facturação constitutivo do documento ora junto sob o n.º 3] discriminada no art.º 103 das alegações, o montante de € 7 340 225,02, o que, sob a sua óptica, representa, tão-só, 8,36% da facturação global e não 16,25%, como se invoca no acórdão recorrido.
Analisada a prova documental "oferecida" em sustentação do alegado, e não repudiando ainda o respectivo critério de análise, é de admitir o valor da facturação - € 7 340 225,02 - indicado pela Recorrente nas suas alegações de recurso.
Assim, e inerentemente, altera-se, nesta parte, a factualidade fixada no acórdão recorrido e no sentido de que a facturação relativa a serviços prestados pelo SUCH a entidades não associadas deste e com referência ao ano 2008 orçou em € 7 340 225,02.
E a alteração assim formulada, para além de integrar a "Fundamentação" do presente acórdão [vd. parte II], substitui a factualidade que a contraria.

3.3. Ao longo do acórdão recorrido (16) dá-se como assente que o SUCH, em comunicado divulgado em 12/09/2009 [quatro dias após a celebração do presente protocolo], refere, de relevante, o seguinte:
"O SUCH irá prestar ... Serviços Partilhados de Processamento de Contabilidade e Finanças, área operacionalizada através do Somos Contas que actua como um Centro de Serviços Prestados em Gestão Financeira. (...) O Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças do SUCH, operado pelo Somos Contas, passará a desenvolver em Castelo Branco dois dos processos inerentes aos serviços, nomeadamente, "Contas a Pagar" e "Contabilidade Geral", enquanto Lisboa assegura os processos de "Contas a Receber" e "Controlo de Gestão"".

A propósito, e contrapondo, a Recorrente, com relevância, alega o seguinte:

§ O acórdão recorrido confunde, indevidamente, a entidade "Somos Contas" [unidade de serviços partilhados do próprio SUCH] com a entidade "Somos Contas, ACE", entendendo, assim e incorrectamente, que o sobredito Comunicado se reportava a este último;
§ A prestação dos serviços no âmbito de negócios "Somos Contas" pode ou não ser assumida parcialmente pelo "Somos Contas, ACE", o que é extensivo a outras unidades de serviços partilhados ["Somos Pessoas", "Somos Equipas" e "Somos Ambiente"], que também não se confundem com os respectivos ACE's, criados para "nelas poderem actuar"".  

3.3.1. Lido o alegado pela Recorrente, logo se constata a não infirmação do conteúdo do Comunicado. Questiona-se, isso sim, a interpretação daí retirada e vertida no acórdão sob recurso. Ou seja, e segundo a Recorrente, o acórdão em causa entenderia que a execução dos serviços objecto do Protocolo seria deferida ao "Somos Contas, ACE", quando, na verdade, tal comunicado apenas se referia ao "Somos Contas".

Não se acolhe tal entendimento.

E tal repúdio assenta, basicamente, no seguinte:

§ Para além de, de modo equívoco, se considerar o "Somos Contas" uma "área de negócios" e, simultaneamente, uma "unidade de negócios", o entendimento da Recorrente sugere que o referido "Somos Contas" é, afinal, uma entidade orgânica ou estrutural do SUCH, dotada de meios próprios e com capacidade para assumir a execução de serviços, a qual conviveria, funcionalmente, com o Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças [CDCF], unidade operativa autónoma de serviços partilhados, também do SUCH;
E, acolhendo-se mal a distinção entre Somos Contas e CPCF, ainda em razão da identidade de objectivos que perseguem, atinge-se, agora, o limiar da incompreensão, ao imputar ao SUCH a detenção de três entidades distintas [CPCF, "Somos Contas" e "Somos Contas, ACE"] para a prestação de serviços partilhados no domínio da contabilidade e finanças, quando, como é sabido, o modo de tal prestação se funda em argumentos de economia de meios e recursos;

§ O entendimento vertido na decisão recorrida que, segundo enunciámos, atribui ao Comunicado a referência a "Somos Contas, ACE", estriba-se, ainda, no uso de uma linguagem, comum a tais formas de divulgação, que não prima, obviamente, pelo apego ao rigor técnico.

Do exposto, e concluindo, persistimos em afirmar que tal comunicado se referia à entidade "Somos Contas, ACE". Logo, e consequentemente, não se impõe, sob qualquer forma, a alteração da matéria fáctica fixada em ee), de A - Factos, constante do acórdão recorrido.

3.4. Ao longo das alegações sob análise, a Recorrente alega, ainda, que, contrariamente ao entendido no acórdão recorrido, o Relatório de Gestão e Contas de 2008 não denuncia, por parte do SUCH, a assunção de uma clara actuação empresarial e de mercado. E, prosseguindo, a Recorrente esclarece que o objectivo do SUCH prende-se, única e exclusivamente, com a preocupação em prestar serviços aos seus associados em áreas para as quais não existam respostas no mercado... .
No concernente à matéria evidenciada, cabe, desde já, adiantar que a mesma será objecto de pormenorizada análise aquando da dilucidação do requisito "controlo análogo", previsto no art.º 5.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, e, como é sabido, um dos pressupostos baseantes da inaplicabilidade da parte II, do Código do Contratos Públicos, à formação dos contratos a celebrar pelas entidades adjudicantes com outra entidade.
No entanto, não deixaremos de adiantar que a tendencial empresarialização e integração no mercado do SUCH proclamadas no acórdão recorrido assentam no respectivo modelo estatutário e gestionário, no modo de desenvolvimento da actividade que lhe é exigida, no relacionamento funcional com entidades empresariais estatutária e funcionalmente privadas e, bem assim, na ausência de um real e eficaz controlo sobre o mesmo [SUCH]. Características que, como veremos noutro lugar, conferem ao SUCH uma actuação também marcada por laivos de natureza empresarial e de mercado.
Assim, e sem deixar de reconhecer que a actuação do SUCH se move, também, por trilhos alheios ao mercado e à empresarialização, é indubitável, por outro lado, que aquela entidade desenvolve, ainda, a sua actividade com submissão à disciplina empresarial e acolhimento das regras que regem o mercado.
O exposto, acentuadamente esclarecedor, não constitui argumento bastante para alterarmos a afirmação contida a fls. 35 do acórdão recorrido que, como afirmámos, atribui ao SUCH uma "clara actuação empresarial e de mercado".

4. Do Protocolo e Respectiva natureza jurídica.
Entidades intervenientes - ARS do Centro, IP e SUCH - e respectiva natureza jurídica.

4.1. Do Protocolo

O Protocolo sob apreciação, celebrado entre a Administração Regional de Saúde do Centro, I.P. [abreviadamente, ARS Centro, IP] e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais [abreviadamente, SUCH], tem por objecto a regulação dos termos e condições da adesão daquela primeira entidade ao Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças disponibilizado por este último, cometendo-lhe, no seu âmbito, a responsabilidade de assegurar o processamento de actividades de contabilidade geral e analítica, de contas a pagar, de contas a receber e a execução de acções preparatórias e necessárias às actividades a desenvolver pela ARS Centro, IP [vd. cláusula primeira].
Ainda segundo a cláusula décima sétima do Protocolo em causa, o SUCH terá direito a uma retribuição, calculada e liquidada nos termos daquele, destinada a cobrir os custos de implementação e operação do Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças, sendo que o incumprimento injustificado do acordado [vd. cláusulas 24.ª e 25.ª] obriga a reparações de natureza pecuniária.
Tanto bastará para asseverar, tal como no acórdão sob recurso, que o Protocolo sob análise radica num encontro de vontades entre duas pessoas jurídicas distintas que, entre si, não mantêm alguma relação hierárquica, tendo por objecto uma aquisição de serviços mediante o pagamento de um preço.
O referido Protocolo identifica-se, assim, como um verdadeiro contrato de aquisição onerosa de serviços, abrigando-se à definição contida no art.º 450.º, do Código de Contratos Públicos, que, a propósito, dispõe:

§ Entende-se por aquisição de serviços o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço.  

Tal contrato reveste-se ainda da natureza administrativa, pois, atenta a relação orgânica da ARS Norte com o Ministério da Saúde, a particularidade de aquela ser uma entidade adjudicante [vd. art.º 2.º, n.º 1, al. d), do C.C.P.], a circunstância do objecto daquele Protocolo se traduzir em prestações atinentes ao funcionamento e gestão de um serviço público e, por último, o facto de se verificar uma inclusão legal de tais contratos na categoria de contratos administrativos [vd. taxatividade legal expressa nos art.os 1.º, n.º 6, als. a) e c) e 278.º, ambos do Código de Contratos Públicos (17)], constituem factores que, inevitavelmente, conferem bondade à citada qualificação contratual.
Situamo-nos, pois, no domínio de um verdadeiro contrato público submetido ao regime da contratação pública estabelecido no Código dos Contratos Públicos e à legislação comunitária aplicável e obrigatoriamente sujeito a fiscalização prévia por parte do Tribunal de Contas [vd. art.º 46.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2, da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto].  

4.2. ARS Centro, IP, e SUCH.
Respectiva natureza jurídica e Relação institucional.

4.2.1. O SUCH é, à luz dos Estatutos publicados na II Série do Diário da República em 29.12.2006, uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa e tem por objecto o funcionamento mais ágil e suficiente dos seus associados através de assistência técnica no domínio do equipamento e instalações, promoção de acções no âmbito da investigação e desenvolvimento tecnológico, constituição de unidades de serviços partilhados destinadas a assegurar aos seus associados serviços de apoio à prestação dos cuidados de saúde [aqui se incluindo a gestão integrada de recursos humanos, administrativa e financeira], para além de outras atribuições inscritas no art.º 2.º dos mencionados Estatutos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
O SUCH, ainda de acordo com o art.º 2.º, n.º 2, dos Estatutos, para além do instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, pode, ainda no regime de concorrência e de mercado, desenvolver actividades em todas as áreas de apoio das instituições e serviços que integram o sistema de saúde português, sejam ou não seus associados.
O SUCH pode ainda alargar as suas actividades a instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, desde que verificados os pressupostos indicados nos Estatutos, e melhor elencados sob as als. a) e b) acima desenvolvidas.
Podem ser associados do SUCH as entidades, públicas ou privadas, que integrem o sistema de saúde português, bem como todas as instituições particulares de solidariedade social ou outras pessoas colectivas de utilidade pública administrativa que desenvolvam actividades de promoção e protecção da saúde [vd. art.º 6.º, n.º 1, dos Estatutos].
Acresce que, ainda nos termos do art.º 2.º, n.º 3, dos Estatutos, as unidades de serviços partilhadas constituídas pelo SUCH podem assumir a forma de unidades orgânicas do SUCH ou de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou por terceiras entidades.
Ainda nos termos do art.º 3.º, dos Estatutos, sempre que tal se mostre de interesse para a prossecução do seu objecto, o SUCH pode instituir ou participar na constituição de associações, sociedades ou pessoas colectivas de outra natureza, bem como adquirir e alienar participações sociais.
A tutela sobre o SUCH é exercida pelo Ministro da Saúde, sendo que, como também resulta dos Estatutos, cabe a este a nomeação do Presidente e Vice-Presidente do Conselho de Administração, a homologação das alterações aos Estatutos aprovadas em Assembleia-Geral, a homologação da dissolução do SUCH, também aprovada em Assembleia-Geral e, por fim, homologa a contracção de empréstimos que impliquem um nível de endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no exercício do ano transacto [vd. art.º 15.º].
Confrontando os Estatutos aprovados em 1996 com os Estatutos ora em vigor e reportados a 2006, mostra-se claro o enfraquecimento crescente dos poderes tutelares e de controlo do Estado, reforçando-se, ao invés, a natureza privada e associativa dos SUCH.
Assim, a consideração da componente estatutária que define a constituição, natureza e fins do SUCH, e ainda no apelo à melhor doutrina convocável na matéria sob análise, é possível concluir, com relevância, o seguinte:

§ O SUCH, sendo uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, deve ser considerada pessoa colectiva de direito privado, como, de resto, vem sendo entendido pela doutrina dominante, não integrando a Administração Pública, mas colaborando com esta (18);
§ Estatutariamente, nada impede que figurem entidades privadas como associadas do SUCH;
§ O SUCH, enquanto associação, poderá constituir unidades de serviços partilhados, as quais poderão assumir a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH e pelos seus associados e/ou terceiras pessoas.  

A evidenciação das particularidades referidas e que assentam nos Estatutos que regem o SUCH, visa, tão-só, a melhor apreensão das razões que sustentam o entendimento que expressaremos quanto à sujeição ou não às regras da contratação pública de contratos e protocolos em que o SUCH figure como celebrante, sempre na esteira do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do Código de Contratos Públicos.
E vinca-se, ainda, que a análise em curso no presente acórdão se efectua à luz dos Estatutos vigentes ao tempo da celebração do Protocolo em apreço, rumo que, seguramente, se mostra inquestionável.

4.2.2. A Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., é, segundo o art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 222/2007, de 29 de Maio, uma pessoa colectiva de direito público, integrada na administração indirecta do Estado, dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Ainda nos termos daquele diploma legal, a ARS Centro, IP, prossegue as suas atribuições sob a superintendência e tutela do respectivo Ministro, sendo que as mesmas se desenvolvem na respectiva área geográfica de intervenção e materializam-se na tarefa de garantir à população o acesso à prestação de cuidados de saúde de qualidade, adequando os recursos disponíveis às necessidades em saúde, cumprindo e fazendo cumprir o Plano Nacional de Saúde na sua área de intervenção.
Ainda no âmbito das atribuições da ARS Centro, IP, e com relevância para a apreciação em curso, inscrevem-se o planeamento, execução e controlo das actividades financeiras e contabilísticas a si cometidas.
A ARS Centro, IP, face ao disposto no art.º 2.º, n.º 1, alínea d), do Código dos Contratos Públicos, reveste a condição de entidade adjudicante.
Resta, assim, e no que concerne à economia do presente acórdão importa, caracterizada a Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., enquanto pessoa colectiva de direito público, seja no concernente à sua natureza jurídica, seja ainda no respeitante à sua missão e atribuições. Caracterização essa que constitui o referencial da abordagem que implementaremos e que incidirá sobre o conceito denominado "contratação «in house»".

5. Da Contratação «in House»
Da Sujeição do Protocolo
Ao Regime da Contratação Pública previsto na Parte II, do C. C. Públicos  

A questão central suscitada no domínio das alegações sob apreciação reconduz- -se, afinal e síntese, a saber se o Protocolo em causa poderia ter sido formado ao abrigo do art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P., o qual, como é sabido, postula uma excepção à aplicação da parte II, de igual diploma legal.
Na sustentação de uma orientação que, claramente, constitui uma resposta afirmativa da Recorrente à questão ora equacionada, esta, com particular relevância, estriba-se nas seguintes ideias-força:

§ Para se aferir, com rigor, da natureza interna das relações existentes entre a entidade adjudicante e a adjudicatária, é imprescindível considerar e relevar a natureza associativa desta última;
§ Adentro da abordagem da natureza interna do aludido complexo relacional, importa ainda relevar a inexistência de associados privados do SUCH, ainda em face da distinção entre Sector privado, cooperativo e social com delimitação expressa na Constituição;
§ O recurso do SUCH a serviços a prestar por outras entidades - incluindo entidades por si participadas - não afecta a natureza das relações que estabelece com os seus associados, não obstando, assim, ao accionamento da excepção prevista no art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P., e, por outro lado, também não compromete o poder de direcção a exercer sobre a entidade adjudicatária, não impedindo, também, a verificação do requisito que se traduz em "controlo análogo";
§ A doutrina contida nos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, para além de actual, é aplicável ao caso em apreço, constituindo referência obrigatória na abordagem do conceito "relação «in house».

Indagaremos da bondade ou não do alegado, fazendo-o com recurso ao necessário enquadramento legal e doutrinário da matéria controvertida e suportando-nos na materialidade ou factualidade convocável.

5.1.
Sob a epígrafe "contratação excluída", o art.º 5.º, do C.C.P., dispõe:
"(...)
2. A parte II do presente Código também não é aplicável à formação dos contratos, independentemente do seu objecto, a celebrar pelas entidades adjudicantes com uma outra entidade, desde que:
a) A entidade adjudicante exerça sobre a actividade desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços; e
b) Esta entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo referido na alínea anterior (...)". 

Ou seja, e indo ao encontro da normação contida no transcrito preceito, a verificação, necessariamente, cumulativa dos pressupostos ali [als. a) e b)] enunciados dispensa a entidade adjudicante da submissão às regras da Contratação Pública, a que se reporta a Parte II, do C.C.P., e que constam do art.º 16.º e seguintes, deste mesmo diploma legal.
Como é sabido, e a melhor doutrina (19) também o assinala, a questão das relações "in house", sob o impulso das instâncias comunitárias [entre outras, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, abreviadamente, T.J.C.E.], tem vindo a erguer-se como temática de abundante e intensa análise, a que não será alheia "a tensão latente entre a liberdade de auto-organização administrativa e a liberdade de mercado", inerente às relações "in house". Na explicitação do afirmado, diremos que, em regra, a Administração, sempre que necessite de bens ou serviços deverá dirigir-se ao mercado, cumprindo, assim, as normas - art.os 12.º, 43.º, 49.º e 86.º - do Tratado C.E. e atinentes à salvaguarda de uma dinâmica concorrencial de mercado e, decorrentemente, dos princípios da igualdade e transparência.
Daí que, e abreviadamente, dizemos que a disciplina contida no citado art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P., traduz uma clara excepção ao ordenamento geral aplicável. Donde decorre, ainda, uma maior exigência de análise da questão em causa.

5.1.1. Dos requisitos da relação "in house".

Segundo jurisprudência do T.J.C.E. [vd. o denominado processo "TECKAL", com o n.º C-107/98] verifica-se a relação «in house», legitimadora do não apelo ao procedimento pré-contratual de natureza concursal para fornecimento de bens ou serviços, por parte da entidade adjudicante, sempre que a entidade adjudicatária, embora distinta daquela no plano formal, não seja da mesma autónoma no âmbito decisório.
Por outro lado, e ainda de acordo com o referido Tribunal de Justiça, a verificação da relação "in house" subordina-se à ocorrência, de modo cumulativo e permanente, dos seguintes requisitos:

§ Exercício, pela entidade adjudicante e sobre a adjudicatária, de um controlo análogo ao exercido por aquela sobre os seus próprios serviços
e que
§ A entidade adjudicatária realize o essencial da sua actividade para a entidade adjudicante que a controla.  

Tais pressupostos [da relação «in house»] constam também do mencionado art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, normação essa que, como já sublinhámos, constitui uma derrogação excepcional das regras da contratação pública e, naturalmente, devem ser objecto de interpretação restritiva (20), em preservação do princípio da concorrência.
O Código de Contratos Públicos não densifica o conteúdo daqueles requisitos, o que obriga a um esforço de interpretação casuístico, em que concorrerão a factualidade pertinente e, ainda, a legislação e jurisprudência comunitárias ajustáveis.

5.1.2. Do Controlo análogo.

Tal como refere Bernardo Azevedo (21), a existência de uma posição de sujeição ou de subordinação da entidade adjudicatária em relação à entidade adjudicante, retirando àquela autonomia decisória e submetendo-a à orientação desta última, já denuncia a substanciação do conceito "controlo análogo" constante do art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P.
No entanto, e ainda na peugada daquele autor, a relação de "controlo análogo", estabelecida entre a entidade adjudicante e uma outra dela distinta formalmente, exige o designado poder de "indirizzo" [expressão de R. Perin/D.Casalini] ou um adstringente poder de direcção [vd. R. Ursi] sobre a entidade submetida ao seu poder de controlo, um poder que, ainda nas palavras de Bernardo Azevedo, viabilize o exercício de uma influência determinante no âmbito da estratégia e decisão da organização «in house». Só, deste modo, é sustentável que a entidade controlada [e também adjudicatária] se assuma como uma estrutura interna da entidade adjudicante, erguendo-se, afinal, e na expressão de S. Columbari, como uma simples relação de "delegação inter-orgânica". Ou seja, e convocando aqui, o juízo formulado no aresto recorrido, "a entidade adjudicatária comportar-se-á como mero instrumento de concretização da vontade do adjudicante, não tendo autonomia real, nem vontade negocial própria.
E, a propósito, adianta, também, Pedro Gonçalves (22) que na "relação" sob análise, a entidade dominada ou adjudicatária não goza "de uma margem de autonomia decisória sobre aspectos relevantes da sua vida, relacionados, por exemplo, com a estratégia concorrencial a seguir, as actividades a desenvolver, endividamentos a contrair ...", estando a entidade adjudicante, por sua vez, em condições de fixar a orientação geral da empresa, atribuindo-lhe o capital de dotação, assegurando a cobertura de eventuais custos sociais, verificando o resultado da gestão e exercendo supervisão estratégica".

5.1.2.1. Prosseguindo a dilucidação do conceito legal de "controlo análogo", agora no apelo à jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu, destacaremos, pela sua relevância e aplicação:

§ O acórdão de Teckal, de Novembro de 1999, o qual impõe as regras da contratação pública quando uma autarquia local ou regional celebre um contrato oneroso com entidade dela distinta no plano formal e autónoma no plano decisório;
§ O acórdão "Stadt Halle", de Janeiro de 2005, o qual, para além de confirmar a orientação seguida na decisão que antecede, refere que a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade em que participa, também, uma entidade adjudicante exclui a possibilidade de esta última exercer sobre aquela sociedade um controle análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços;
§ O acórdão "Comissão V. Espanha "de Janeiro de 2005, vinca que o Reino de Espanha, ao não incluir na sua legislação as relações estabelecidas entre as Administrações Públicas e, de um modo geral, as entidades de direito público não comerciais, não transpôs, com correcção, as directivas de 1993;
§ Também o acórdão "Coname", de Julho de 2005 e o Acórdão "Parking Brixten", seguindo a orientação vertida no acórdão "Teckal", sublinham, ainda, que o controlo análogo deverá materializar-se na faculdade de uma entidade adjudicante influenciar, de um modo determinante, as decisões a tomar pela entidade adjudicatária, seja no plano dos objectivos estratégicos, seja no âmbito da opção das demais orientações de cariz gestionário;
§ O acórdão "Carbotermo", de Maio de 2006, para além de reafirmar a doutrina expressa no acórdão "Teckal" , adianta que a circunstância de a entidade adjudicante deter, isolada ou em conjunto com outros poderes públicos, a totalidade do capital de uma sociedade adjudicatária tende apenas a indicar, sem ser decisiva, que esta entidade adjudicante exerce sobre tal sociedade um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços;
§ O acórdão "Asemfo/Trassa", de Abril de 2007, e o Acórdão "Comissão V. Itália2, de Abril de 2008, confirmam e decalcam a orientação decisória constante dos acórdãos "Teckal" e "Stadt Halle" ;
§ Por fim, o acórdão "Coditel" de Novembro de 2008, e o acórdão "Comissão V. República Federal da Alemanha", de Junho de 2009, prosseguem, também, a orientação vertida no acórdão "Teckal", sendo que, a dado passo do primeiro, se escreve "ter-se por excluído que uma autoridade pública concedente exerça sobre uma autoridade concessionária um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços, caso uma empresa privada detenha uma participação no capital dessa entidade".

E, ainda no reforço da explicitação do conceito de "controlo análogo", não deixarem de citar Bernardo de Azevedo, o qual, em "Estudos da Contratação Pública", escreve:
"Não basta, para poder afirmar esta ideia de dependência decisória da organização "in house" por relação à entidade adjudicante, que esta última, no caso de sociedades participadas, ainda que integralmente, por capitais públicos, detenha a maioria do capital social, uma vez que o exercício, em sede de assembleia-geral, dos direitos de accionista, nos termos da Lei Comercial, pode não se afigurar suficiente para garantir um controlo efectivo sobre as escolhas mais relevantes da entidade controlada".
Exige-se, pois, o denominado equilíbrio de "governance" que assegure a efectiva e determinante influência do ente público sobre as opções de gestão da sociedade (23).

5.1.3. Explicitado, à luz da normação aplicável, doutrina e jurisprudência [do T.J.C.E.] atinentes, o conceito legal de "controlo análogo", vejamos, agora, e «in casu», se entre a entidade adjudicante [ARS Centro, I.P.] e a entidade adjudicatária [SUCH] ocorre a denominada relação «in house», legitimadora da não aplicação das regras da contratação pública à formação dos contratos a celebrar pela primeira.
Tal exercício determinará, naturalmente, a consideração da factualidade dada como provada no domínio do acórdão recorrido e, bem assim, o enquadramento normativo, doutrinário e jurisprudencial do conceito "controlo análogo", ou, mais latamente, da expressão "relação in house".

5.1.3.1. Conforme se inscreve em II.14., deste acórdão, a entidade adjudicante [ARS Centro, I.P.], é um dos 99 associados do SUCH, onde pontificam ainda institutos públicos, entidades públicas empresariais, instituições particulares de solidariedade social e duas sociedades anónimas [CESPU, Serviços de Saúde, S.A., e a HPP Lusíadas, S.A.].
E, conforme decorre dos Estatutos do SUCH [vd. art.os 7.º, 10.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º...] e acima evidenciámos aquando da caracterização desta entidade, tais associados, públicos e privados, integram a Assembleia-Geral, apreciam e aprovam os planos estratégicos e de actividades do SUCH, pronunciam-se sobre a gestão deste, aprovam o relatório e contas anuais, elegem a sua mesa, designam a maioria dos membros do conselho de administração, indicam a totalidade dos membros do conselho fiscal, deliberam sobre a aquisição, alienação e oneração de bens imóveis e sobre a contracção de empréstimos, para além de decidirem dos recursos interpostos pelos associados de decisões irregulares tomadas pelo Conselho de Administração.
Assim, e sublinhando, mostra-se indubitável que os Estatutos do SUCH admitem associados de natureza privada [e existem, de facto], os quais detêm os poderes acima referenciados.
E tais poderes, pela sua preponderância que os Estatutos lhes conferem, detêm aptidão para influenciar a actividade do SUCH, estratégica e gestionariamente.

5.1.3.2. Na materialização da referida previsão estatutária [associação ao SUCH de entes de natureza privada], e tal como perpassa pelo acórdão recorrido, o SUCH, não revelando indiferença pela competitividade verificada em diversos segmentos do mercado, passou a deter participações sociais nas entidades empresariais seguintes:

§ SUCH Dalkia, Serviços Hospitalares [criada em 1996, trata-se de um Agrupamento Complementar de Empresas [ACE], sendo 50% propriedade do SUCH e os restantes 50% da Dalkia - Empresa de Serviços, Condução e Manutenção de Instalações Eléctricas, S.A., e tendo por objecto social a produção de energia eléctrica e a gestão de actividades de apoio na área da manutenção de equipamentos e exploração de lavandarias];
§ Coimbravita - Agência de Desenvolvimento Regional, S.A., criada em Julho de 2000 e onde o SUCH detém uma participação de 3,69%, tendo por finalidade a promoção de acções tendentes à criação de emprego e melhoria do ambiente no distrito de Coimbra nas áreas dos Serviços, Indústria e Comércio, mas sempre relacionadas com o sector da saúde;
§ EAS - Empresa de Ambiente na Saúde, criada em Maio de 2001 e totalmente detida pelo SUCH, ocupa-se do tratamento de resíduos hospitalares.

Em Maio de 2008 constituiu-se em EAS, Unipessoal, Lda., possuindo ainda uma participação social de 64,53% no capital da empresa "Valor Hospital, S.A.";

§ Coimbra Inovação Parque - Parque de Inovação em Ciência, Tecnologia, Saúde, S.A., constituída em Fevereiro de 2004 e onde o SUCH detém 2% do capital, tendo por objecto a implementação, gestão e administração de parques empresariais, científicos e tecnológicos;
§ Somos Compras, ACE, constituída em Abril de 2007, onde o SUCH detém a participação na percentagem de 86%, mas também integrada pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, e o Hospital de Santa Maria, EPE, e ainda, até Março 2009, pela "SGG - Serviços de Gestão, S.A.", uma empresa do universo da "Deloitte Touche Tohmatsu";
§ Somos Pessoas, ACE, constituída em Junho de 2007, em que o SUCH detém uma participação de 95%, mas também integrada pela empresa "Capgemini, S.A.", na percentagem de 5%, disponibilizando serviços partilhados na área de gestão dos recursos humanos;
§ Somos Contas, ACE, constituída em Junho de 2007, em que o SUCH detém uma participação de 95%, também integrada pela empresa "Accenture", Consultores de Gestão, S.A., na percentagem de 5%, disponibilizando serviços partilhados no âmbito da gestão financeira;
§ Somos Ambiente, ACE, constituída em Julho de 2008, aí figurando o SUCH com uma participação de 80%, participando ainda um parceiro especializado e um outro tecnológico, destinando-se, de modo principal, à construção e exploração de um centro integrado de valorização energética, reciclagem e tratamento de resíduos.

E, repercutindo já uma complexa organização empresarial, facto que as participações e empresas várias já denunciam, o Relatório de Gestão e Contas referente a 2008 confirma tal asserção, ao adiantar que, neste mesmo ano, teve lugar o arranque das operações dos ACE, a externalização dos processos transaccionais e a definição da estratégia de empresarialização das áreas, sendo que o SUCH se consolidou como gestor e parceiro de contratos.
É, assim, seguro concluir que o SUCH vem adoptando uma estratégia empresarial e de mercado [a propósito, no ano de 2008, a facturação respeitante a entidades não associadas do SUCH cifrou-se em € 7 340 225,02, ou seja, 8,36% da facturação global], onde se incluem negócios com empresas privadas que assumem carácter claramente mercantil. Logo, bem distante de uma actividade traduzida em mera cooperação e inter-ajuda e de "colocação em comum de meios para obtenção de vantagens comuns, dentro do mesmo circulo pessoal dos associados" (24), onde se perfila como um mero instrumento dos seus associados para a auto-satisfação das suas necessidades.
Com adequada propriedade, e sem prejuízo do exercício de análise que segue, não é temerário afirmar, desde já, que se nos depara um real contrato celebrado entre entes colectivos distintos, sendo que a entidade adjudicatária configura um modelo empresarial que tende a autonomizá-la, formal e decisoriamente.

5.1.3.3. Na enfatização do concluído em 5.1.3.2., sempre importará saber, ainda com referência à doutrina e jurisprudência comunitárias citadas se a participação, ainda que minoritária de uma empresa privada no capital de uma sociedade a que associa a entidade adjudicante, permitirá, ou não, por parte desta, um controlo análogo ao exercido sobre os seus serviços.
A propósito, e tal como se afirma no acórdão recorrido e também já sublinhámos acima, ao SUCH, estatutariamente, é cometida a possibilidade de ter [e tem, efectivamente!] associados privados e de ser ainda detentor de participações em entidades privadas, o que também se verifica. Ou seja, e como bem se decidiu noutro lugar [vd. ac. N.º 4/2010, 1.ª S/SS], o SUCH, para além de entidade em si, abrange também um universo de entidades, que, ao abrigo do art.º 2.º dos respectivos Estatutos, são passíveis de constituição e certamente beneficiários de decisões de adjudicação dirigidas ao SUCH, sem procedimento cumpridor do princípio da concorrência. E estas, públicas e/ou privadas, detêm poderes para influenciar a actividade do SUCH, estratégica e gestionariamente.
Ora, na esteira da doutrina e jurisprudência citadas a propósito da melhor dilucidação do conceito "controlo análogo" a que se reporta o art.º 5.º, n.º 2, do Código de Contratos Públicos, e como facilmente se intui, entre as entidades públicas adjudicantes associadas do SUCH e as demais entidades terceiras, intervenientes e beneficiárias de decisões de cariz adjudicatório, não ocorre um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços.
E, ainda na explicitação e confirmação do afirmado, e sempre com referência ao regime estatutário do SUCH, adiantamos o seguinte:

§ O regime estatutário do SUCH não assegura a subordinação exclusiva da respectiva gestão a objectivos de interesse público, sendo que as relações contratuais estabelecidas entre aquela entidade e demais associados não se traduzem na mera partilha e utilização de bens comuns [forma de auto-satisfação de necessidades colectivas], mas envolve, indirectamente, a contratação de entidades terceiras [onde se incluem empresas privadas] que, assim, se posicionam, de modo privilegiado, no confronto com outros concorrentes;
§ As competências atribuídas ao SUCH, onde se incluem as iniciativas tendentes ao funcionamento mais ágil e eficiente dos seus associados [vd. art.º 2.º, dos Estatutos], decorrem do respectivo objecto social e não de alguma determinação da entidade adjudicante [ARS Norte];
§ O SUCH possui autonomia decisória, implementando as suas actividades, independentemente da solicitação da adjudicante;
§ A circunstância do SUCH não ser uma Sociedade Comercial, mas uma associação em que os seus membros contribuem com uma quota, contribuições, dotações e subsídios [cfr. art.º 24.º, dos Estatutos], não impede que alguns destes últimos, de natureza privada e não perseguindo interesses exclusivamente altruísticos, influenciem a actividade e gestão do SUCH;
§ Neste contexto, e ainda que o substrato associativo do SUCH seja, maioritariamente, composto por entidades adjudicantes, a inevitável consideração dos interesses inerentes à componente privada que o [SUCH] integra, sempre nos impediria de admitir que o SUCH depende, operacional e tecnologicamente, apenas das referidas entidades adjudicantes; E esta ausência de exclusividade retira a verificação de um absoluto controlo da entidade adjudicante [ARS Norte] sobre a entidade adjudicatária que, para o preenchimento do requisito do "controlo análogo" [e não igual] não se basta com a suficiência.
§ "In casu", e na hipótese da participação privada se revelar irrelevante e, porventura, meramente beneficiária da actividade do SUCH, sempre questionaríamos os ACE constituídos pelo SUCH, os quais, sendo entidades prestadoras de serviços, integradas por parceiros privados, forçariam à violação do princípio da concorrência quando ocorressem procedimentos de adjudicação directa ao SUCH.

Não se questiona a possibilidade de qualquer entidade pública, no desempenho das suas tarefas, actuar sem recurso a entidades externas, assim auto-satisfazendo as suas necessidades.
Admite-se que a Administração constitua entes instrumentais [vd. serviços partilhados], tendentes ao bom desempenho das suas incumbências, ainda que mediante estratégia empresarial e com recurso a entidades privadas.
Porém, já não se admite que se associem entidades privadas à satisfação de necessidades públicas sem que se salvaguardem os procedimentos inerentes ao princípio da concorrência, com a subsequente violação do princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos que pretendam contratar com a Administração e evidente subtracção da celebração de contratos públicos às regras que disciplinam a contratação pública.

5.1.3.4. Assim, e concluindo, a ARS Centro, I.P., não exerce, por si, ou conjuntamente com as demais entidades públicas associadas, sobre o SUCH, um controlo análogo ao exercido sobre os Serviços que a integram.

5.2. Da destinação essencial da actividade

Previamente, diremos que, em tese, a abordagem do requisito acima enunciado e constante da al. b), do n.º 2, do art.º 5.º, do C.C.P., perfila-se como desnecessária e, quiçá, inútil, pois, de um lado, o acórdão recorrido não o desenvolve ou aprecia e, do outro, porque a inaplicabilidade das regras da contratação pública a que se reporta o citado art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P., exige, cumulativamente, a verificação dos requisitos referidos em a) e b), do n.º 2, desta mesma norma, ["logo, concluindo-se pela inverificação do requisito "controlo análogo", prescindir-se-ia, naturalmente, da apreciação do requisito "destinação essencial" da actividade"].
No entanto, e apesar do exposto, não deixaremos de atentar, ainda que abreviadamente, no requisito "destinação essencial da actividade", previsto no mencionado art.º 5.º, n.º2, al. b), do Código de Contratos Públicos.

5.2.1. O art.º 5.º, n. º2, als. a) e b), do C.C.P., dispõe que as regras da contratação pública [parte II] também não são aplicáveis desde que, verificado o requisito mencionado na citada al. a), a entidade adjudicatária desenvolva ainda o essencial da sua actividade em benefício da entidade adjudicante [vd. Ac.Teckal-Proc. n.º C-107/98].
Na verdade, e como acentua Bernardo Azevedo em obra já citada, "enquanto a exigência de controlo análogo traduz a necessária dependência decisória da entidade controlada em relação à entidade dominante, já a obrigatoriedade do essencial da actividade da adjudicatária se destinar a abastecer a entidade adjudicante exprime a sua dependência económico-jurídica em relação a esta última". Ou seja, e ainda nas palavras de E. Fatôme, A. Ménéménis, a entidade dependente deve, assim, funcionar como um operador dedicado que "serve" a entidade adjudicante, de modo exclusivo ou quase, no cumprimento dos respectivos objectivos.

E, como aferir da referida "dedicação"?
A propósito, o T.J.C.E. [vd. Ac. Carboterno - Proc. n.º C- 340/04] apela a conceitos vagos e indeterminados ["quase-exclusividade", "substancialmente", "maior parte"] para densificar tal expressão, facto que confere insegurança no âmbito da aplicação de tal critério. Por outro lado, a tentativa de substanciar o conceito de "destinação essencial da actividade" mediante a fixação de uma percentagem mínima [ex: 80% ou 90%, como se alude no Ac. Tragsa - Proc.º n.º C-295/05] também não mereceu acolhimento incondicional.
Deste modo, e com referência ainda à significação do termo "essencial", o conceito de "destinação essencial da actividade" pressupõe, sob a nossa óptica, que o essencial da actividade inscrita no objecto social da entidade adjudicatária [controlada] se centre, de modo principal, na satisfação das necessidades da entidade adjudicante, muito embora não iniba aquela de, subsidiária ou complementarmente, exercer outras actividades.
Embora nos movamos ainda no âmbito de alguma indeterminação, esta será suprida, entre o mais, pelos citados elementos quantitativos. E, assim, tal definição substanciará, afinal, um critério adequado e acolhível.

5.2.1.1 «In casu», e sem delongas, reconhecemos que ocorre o requisito "destinação essencial da actividade" previsto no art.º 5.º, n.º 2, al. b), do CCP, porquanto o SUCH, entidade adjudicatária, tem desenvolvido a sua actividade, de modo principal, satisfazendo as necessidades da adjudicante e outros associados públicos.
Esta constatação suporta-se, obviamente, na percentagem [8,36%] de facturação advinda de serviços prestados, no ano de 2008, a entidades não associadas do SUCH [o que, em valor, corresponderá a € 7 340.225,02], em contraponto com o valor de facturação [€ 80.464.853,47] respeitante a serviços prestados aos associados públicos, elementos que, sendo de natureza quantitativa, contribuem, embora adjuvantemente, para a densificação do citado critério.
E, para a substanciação do mencionado critério de aferição do conceito "dedicação", concorrem, ainda, os Estatutos que regem a actividade do SUCH, seja na vertente empresarial, seja nas obrigações que decorrem do respectivo objecto social.

5.3 Ainda da relação «in House».
Considerações finais.

Muito embora a matéria a abordar, neste domínio, decorra, implícitamente, do afirmado em III.5., deste acórdão, enfrentaremos, de modo abreviado, mas também de modo mais directo, matéria alegada pela Recorrente e atinente à [ir]relevância associativa do SUCH, natureza da composição do SUCH [só por entidades adjudicantes?] e delimitação dos sectores de propriedade e, por último, a detenção, pelo SUCH, de participações noutras entidades sob a forma de "ACE'S".

O que faremos, de seguida.

5.3.1. Da natureza associativa do SUCH e relação «in House».

A Recorrente, ao longo das suas alegações [vd. art.os 145 e seg.s], sublinha a natureza associativa do SUCH, contrapondo-a a entes colectivos norteados pelo lucro, e assentando em tal característica a viabilidade da verificação do controlo análogo.
Tal exercício não colhe e não se enquadra, até, na acepção técnico-jurídica do conceito de "controlo análogo".
Na verdade, na aferição da verificação ou não do controlo análogo questiona-se, isso sim, se tal controlo, exercido pela entidade adjudicante sobre a adjudicatária é análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços. A natureza da entidade adjudicatária assume, assim, reduzida e nunca determinante relevância.
A entidade adjudicatária até pode ser uma empresa pública sob a forma societária, uma entidade pública empresarial, uma sociedade comercial, e associações de direito privado ou público. Importante será, em concreto, indagar se as soluções encontradas no âmbito da contratação enformam ou não o conceito de "controlo análogo", na orientação conceptual acima explicitada. Ou seja, importará saber se a entidade adjudicante exerce sobre a adjudicatária um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços [relação interna] e ainda se aquela detém sobre esta última um poder que, de modo determinante, permita o atinente controlo nos planos estratégico e decisório. Situação que, como acima desenvolvemos, não ocorre no caso em apreço.
E convirá, ainda, anotar que tais exigências, aliás, suportadas em jurisprudência comunitária, operam, também, quando as entidades adjudicatárias assumem carácter público e sem escopo lucrativo.
A natureza associativa do SUCH não é, pois, determinante, para enformar ou não uma situação de "controlo análogo".

5.3.2. Associados do SUCH E Sectores de Propriedade

5.3.2.1. Sob os art.os 173.º e seguintes das alegações, a Recorrente alega que o acórdão recorrido, erradamente, qualifica de "entidades privadas" os associados que não assumem natureza pública. E, mais adiante, afirma, ainda, que o SUCH não integra, hoje, qualquer associado privado, aí incluindo as instituições particulares de solidariedade social e as sociedades anónimas CESPU Serviços de Saúde e o Hospital dos Lusíadas.
A propósito, e assentando a nossa análise na factualidade provada e na demais documentalmente comprovável, a alegação da Recorrente impõe, desde já, o alinhamento das considerações seguintes:

§ Como é sabido e acima referimos, o SUCH tem 99 associados, sendo que entre estes, contam-se 24 entidades não públicas [19 irmandades e Santas Casas da Misericórdia e, ainda, a União das Misericórdias Portuguesas, Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, a Fundação Aurélio Amaro Dinis, a CESPU - Serviços de Saúde, S.A., e o Hospital dos Lusíadas];
§ As irmandades e Santas Casas de Misericórdia integram-se no Sector Cooperativo e Social [vd. Decreto-Lei n.º 119/83, de 25.02.], são instituições particulares de solidariedade social e prosseguem autonomamente a sua acção, embora com o apoio e assentimento do Estado;
Assumem ainda a condição de pessoas colectivas de utilidade pública e são comummente reconhecidas como pessoas colectivas de direito privado, autónomas e não administradas pelo Estado;
§ Por seu turno, a União das Misericórdias Portuguesas, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Fundação Aurélio Amaro Dinis são, igualmente, instituições particulares de solidariedade social, sendo que a CESPU - Serviços de Saúde, S.A., tem capital social integralmente subscrito pela CESPU [Cooperativa de Ensino], a qual, posteriormente, originou o grupo económico CESPU [aí se integra, entre outras, a SOIBSA, SGP L.da, Sociedade Ibérica de Saúde que gere participações de empresas com actividade na importação e comercialização de equipamentos e saúde] e o Hospital dos Lusíadas é uma sociedade anónima cujo capital é detido, na percentagem de 100%, pela HPP, SGPS, S.A. [o capital desta é detido a 100% pela Fidelidade Mundial que, por sua vez, é detida, ainda, a 100%, pela Caixa Geral de Depósitos];
§ Na delimitação constitucional [vd. art.º 82.º, da C.R.P.] dos sectores de propriedade [pública, privada e cooperativa], o legislador ergue o sector público como aquele que congrega a natureza pública da propriedade e da gestão, a pertencer ao Estado ou a outras entidades públicas territoriais, directamente ou através de outras entidades [institutos públicos, empresas públicas, ...], define o sector privado como aquele em que a propriedade e gestão dos bens pertencem a entidades privadas [abrange, ainda, situações em que a propriedade e gestão privadas não coincidem, como, a título de exemplo, a entrega da gestão de empresas pertencentes ao Estado a entidades privadas] e, por último, elege o sector cooperativo e social como o sector da economia social que, gerindo bens públicos e privados, não é arrimável aos demais sectores [público e privado (25)]."
À luz do complexo estatutário que rege as citadas 24 entidades [acima qualificadas de não públicas] e da doutrina administrativa e constitucional que atentam na sua melhor caracterização, é admissível a alegação da Recorrente quando sustenta que tais entidades não são, em rigor, privadas, face aos fins públicos prosseguidos.
Porém, também não são integráveis no sector público, ainda em razão da argumentação constitucional invocada.

5.3.2.2.
Ademais, e na constatação ou não de uma relação «in house» [in]existente entre os celebrantes do Protocolo em apreço, importa sublinhar o seguinte:

§ É inquestionável que o SUCH, pessoa colectiva de direito privado, tem como associados pessoas não públicas e, adiante-se, submetidas ao princípio da gestão privada;

Tal circunstância, só por si, impede, em tese, que o controlo da ARS Centro, IP, sobre o SUCH seja análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços, atento o facto de esta última associação se revestir de natureza privada e com associados que gozam de larga autonomia e independência face aos poderes públicos [vd., ainda, o Acórdão Carbotermo, acima citado];

§ Acresce que [e entenda-se!] as exigências legais contidas no art.º 5.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos assentam na constatação de que a contratação interadministrativa impunha um regime especial; ou seja, um regime que, reconhecendo a faculdade de certas entidades públicas se auto-organizarem para satisfação das suas necessidades, preservasse o princípio da concorrência como forma de salvaguarda do interesse público [vd. Acórdão Teckal]. Se tais exigências legais operam no âmbito da contratação entre instituições públicas, por maioria de razão são convocáveis na relação entre estas e as entidades não públicas [ex.: o SUCH];
§ Centrando-nos, de novo, na questão que, em concreto, aqui nos move, deverá considerar-se que, para a verificação da relação «in house» entre o SUCH e a ARS Centro, IP, deveria, ainda, considerar-se que aquela entidade adjudicatária assumiria a condição de estrutura de gestão interna de um serviço público, o que, manifestamente, não ocorre no caso em apreço;
§ Do descrito resulta, também, que o aresto recorrido não exige, contrariamente ao alegado, que o SUCH seja constituído apenas por entidades adjudicantes, como pressuposto indispensável à verificação da relação «in house»; ao invés, sugere, tão-só, que a condição de entidade não adjudicante apenas debilita, por princípio, a probabilidade de ocorrência do requisito "controlo análogo".

5.4. Do SUCH E Respectiva participação em outras entidades sob a forma de Agrupamentos Complementares de Empresas ["ACE's"].

O art.º 2.º, n.º 3, dos Estatutos do SUCH dispõe que as unidades de serviços partilhados por si implementadas podem ser constituídas sob a forma de unidades orgânicas do SUCH ou sob a forma de pessoas colectivas integradas pelo SUCH, respectivos associados e terceiras entidades. Por outro lado, o n.º 2, da cláusula 3.ª, do Protocolo, prevê que a administração, gestão e operação do Centro de Processamento de Contabilidade e Finanças podem ser atribuídas pelo SUCH a entidades terceiras [entidades gestoras], constituídas sob qualquer forma jurídica.
Aqui chegados, é obrigatório concluir que, ao abrigo daquela disposição estatutária e cláusula protocolar, estão criadas as condições para transmitir a outrem decisões de adjudicação efectuadas ao SUCH e sem observância dos procedimentos concorrenciais. E, «in casu», existem indícios de que a execução do Protocolo iria ser assumida por uma terceira entidade.
Ora, revela-se óbvio que entre a ARS Centro, IP, e tais entidades transmissárias das decisões de adjudicação do SUCH não existe um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços.
Refuta-se, assim, o concluído sob o n.º 26 [vd. Alegações da Recorrente].

5.5. Da empresa pública SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE.

Em 22 de Março de 2010 foi publicado o Decreto-Lei n.º 19, o qual cria a empresa pública SPMS - Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE, detida integralmente pelo Estado, e que sucede nas atribuições dos agrupamentos complementares de empresas, criados e participados pelo SUCH.
Ora, tal diploma legal não tem aptidão para alterar a reflexão vertida ao longo deste acórdão e a propósito dos pressupostos do "controlo análogo". Desde logo, porque o presente acórdão, por imperativo legal, deverá ser elaborado com referência ao direito vigente ao tempo da formação e celebração do PROTOCO em causa e ao quadro institucional e empresarial então existente.
Abstemo-nos, pois, de reflectir sobre a eventual "inovação" sobrevinda ao referido Decreto-Lei n.º 19/2010, por inútil.

6. Dos Pareceres do Conselho Consultivo
Da Procuradoria-Geral da República - n.os 145/2001 e 1/95.

Previamente, e no plano do valor dos Pareceres elaborados pelo Concelho Consultivo, importa adiantar, de acordo com o disposto nos art.os 42.º e 43.º, do Estatuto do Ministério Público, o seguinte:

§ A doutrina contida em tais Pareceres poderá ser, obrigatoriamente, seguida e sustentada pelos magistrados do Ministério Público, caso o Procurador-Geral da República emita despacho nesse sentido;
§ Quando homologados pelas entidades que os tenham solicitado, tais Pareceres são publicados no Diário da República para valerem como interpretação oficial nos serviços respectivos.

Daqui se retira que a doutrina contida em tais Pareceres, constitutiva de interpretação de índole normativa, detém a aptidão vinculativa atrás enunciada e legalmente prevista, não condicionando ou interferindo no poder de decisão dos Tribunais e, mais particularmente, do Tribunal de Contas.
Deste modo, a invocação dos Pareceres acima referidos integrará, a par de outros elementos, o exercício analítico em curso, sem mais.
Os referidos Pareceres - 145/2001 e 1/95 - foram emitidos no decurso da vigência das Directivas n.os 93/36/C.E.E. e 93/38/C.E.E., sendo que, no âmbito do direito interno, o primeiro posiciona-se com referência ao Decreto-Lei n.º 211/79, de 12.07, e o segundo já se sustenta na vigência dos Decretos-Lei n. os 55/99, de 02.03, e 197/79, de 08.07.
Basicamente, a doutrina contida no Parecer n.º 145/2001 pressupõe sempre a ausência da necessidade de recurso a algum contratante externo no domínio dos contratos celebrados entre o SUCH e os seus associados públicos. Ou seja, o SUCH emerge aí como cerne de uma "actividade materialmente cooperativa" e de "auto-organização das entidades do sistema de Saúde", onde não se questiona o "recurso a entidade externas" que obrigue à equação e salvaguarda dos princípios da concorrência, igualdade e imparcialidade e, inerentemente, ao seguimento dos procedimentos concursais.
No entanto, e segundo o referido Parecer, sempre que o SUCH, enquanto adjudicante, careça de contratar com terceiros, tal actividade subordinar-se-á ao regime da contratação pública [vd. n.º 4, do Parecer].
Aquele entendimento, traduzido na admissibilidade da contratação directa entre órgãos da mesma natureza, era até compatível com alguma interpretação "construída" sobre as Directivas Comunitárias 92/50/C.E.E. e 93/38/C.E.E., mas sempre sob reserva crítica do T.J.C. Europeias.
E a esta reserva não é ainda alheia a ocorrência de várias circunstâncias que, ajustadamente, colocam em crise a actualidade dos Pareceres referidos, e de que destacamos as seguintes:

§ Publicação das Directivas n.os 2004/18/C.E.E. e 2004/17/C.E.E. de 31.03, clarificadoras dos pressupostos de celebração dos contratos entre entidades adjudicantes;
§ Jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu, enunciadora das excepções à aplicação das regras da contratação pública e sublinhando o seu carácter restritivo;
§ Publicação do Código de Contratos Públicos [aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01], com especial enfoque na salvaguarda do princípio da concorrência e restrição das excepções à aplicação do regime da contratação pública;
§ Inovação operada no estatuto jurídico dos Hospitais Públicos, acentuando, tendencialmente, a sua natureza empresarial;

E, por último
§ A evolução estatutária do SUCH [vd. versão de 2006, in D.R., II Série, de 29.12.2006].

E, com referência à evolução estatutária do SUCH, sublinha-se:

§ O Presidente da mesa da Assembleia-Geral é eleito pelos membros desta, sendo que, anteriormente, era nomeado pelo Ministro da Saúde;
§ O Conselho Fiscal é integralmente eleito em Assembleia-Geral;
§ Os actos do Conselho de Administração e da Assembleia-Geral não são recorríveis pelos Associados para o Ministro da Saúde, permitindo-se apenas o recurso para a Assembleia-Geral dos actos do referido Conselho;
§ O SUCH passou a ter como objecto a possibilidade de constituir unidades de Serviços partilhados, sob a forma de unidades orgânicas suas, ou sob a forma de pessoas colectivas integradas por si, por seus associados e/ou terceiras entidades;
§ O Ministro da Saúde não homologa agora as decisões da Assembleia-Geral relativas à contracção de empréstimos, a menos que esses determinem um endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no ano transacto.

Tais alterações, de cariz estatutário, caracterizam o SUCH como uma entidade bem diversa da existente à data da emissão dos referidos Pareceres, pois, de um lado, reforçaram a sua natureza privada e associativa, e, do outro, reduziram o poder tutelar e de controlo por parte do Estado.
Argumentário bastante para não reputarmos de actual a doutrina ali expendida. 

IV DA ILEGALIDADE VERIFICADA.

Tal como concluímos em c), o presente Protocolo, real contrato público de aquisição de serviços, decorre de um procedimento que infringe o disposto no art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P.. Ou seja, muito embora ocorra o requisito expresso "na destinação essencial da actividade" desenvolvida pela entidade adjudicatária em benefício da entidade adjudicante, resta demonstrado que esta última não exerce sobre aquela um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços.
As regras da contratação pública não são aplicáveis à formação de contratos a celebrar entre entidades adjudicantes e outras entidades, desde que, cumulativamente, ocorram os pressupostos enunciados no art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do Código de Contratos Públicos.
Assim, o presente Protocolo ou contrato não se mostra abrangido por alguma excepção à aplicação do regime da contratação pública, pelo que, lhe é aplicável a Parte II, do C.C.P..
O presente contrato, celebrado por um Instituto Público, encerra um valor superior ao referido na al. b), do art.º 7.º, da Directiva n.º 2004/18/C.E. .
Assim, e de acordo com o disposto no art.º 20.º, n.º 1, al.b), do C.C.P., o contrato deveria ser precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação.
A ausência de concurso, de carácter obrigatório, integra a falta de um elemento essencial da adjudicação, a qual, por sua vez, enforma a nulidade reportada no art.º 133.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo.
Tal nulidade, geradora da invalidade do contrato [vd. art.º 283.º, n.º 1, do C.C.P.], é fundamento de recusa do visto, atento o disposto no art.º 44.º, n.º 3, al. a), da Lei n.º 98/97, de 26.08.
Neste contexto, de facto e de direito, inexiste motivo para alterar o aresto recorrido.

V. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido.
Emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2011 

Os Juízes Conselheiros - (Alberto Fernandes Brás - Relator) - (Helena Maria Ferreira Lopes) - (José Luís Pinto Almeida)

Fui presente,
(Procurador-Geral Adjunto) - (Jorge Leal)


(1) Na referida folha do Anexo I escreveu-se "SUCH C.P.C.F., ACE". Tendo-se solicitado à ARS Centro que fosse junto ao processo cópia do contrato de constituição deste agrupamento complementar de empresas, foi comunicado pelo ofício n.º 2 de 4.JAN.2010 que aquela referência "configura um mero lapso de escrita"(...). Logo, onde se lê "SUCH C.P.C.F., ACE" deve ler-se apenas "SUCH C.P.C.F."".
(2)
Publicados no DR, 2ª Série, nº 249, de 29 de Dezembro de 2006.
(3) Vide documento remetido pela ARSC constante de fls. 317 a 319 do processo.
(4) A CESPU - Serviços de Saúde, SA cujo capital social é integralmente subscrito pela CESPU - Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário, CRL (vide DR, III Série, n.º 143, de 22 de Junho de 2001) e a HPP Lusíadas, SA. Conforme informação constante de fl. 322 do processo, o capital desta é detido a 100% pelos Hospitais Privados de Portugal, SGPS, SA, cujo capital é detido a 100% pela Fidelidade Mundial, a qual é detida também a 100% pela Caixa Geral de Depósitos.
(5) Documento remetido pela ARSC, a fls. 322 e seguintes do processo.
(6) Videhttp://www.somos.pt/Publicdocs/news/Adesao%20ARS%20Centro%20e%20ARS%20Norte.pdfide consultado em 11.01.2010. O Somos Contas, como já se referiu, é um ACE em que o SUCH detém uma participação de 95% e a Accenture, SA, detém os restantes 5%.
(7) Destacados nossos.
(8) Vide informação prestada pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa em 14.01.2010, a fls. 348 ss. do processo.
(9) Vd. Lebre de Freitas, in C.P.Civil Anotado, art.º 498.º.
(10) Vd., entre outros, o Acórdão do STJ, de 20.09.2008, in Processo n.º 05/2095.
(11) Vd. art.º 497.º, do Código de processo Civil.
(12) Vd. C.R. Portuguesa, Anotada, art.º 282.º.
(13) Vd. Acórdão n.º 303/90, do T. Constitucional, in D.R., I.ª Série, de 26.12.1990.
(14) Vd., a propósito, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/95, Proc. n.º 61/94.
(15) Vd. Isabel Alexandre, in rox, Ano 60.º, Jan.2000.
(16) Vd. Alínea ee) de A - OS FACTOS.
(17) Neste sentido, Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. II, pág. 518 e Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, in Direito Administrativo Geral, Tomo III.
(18) Vd., a propósito, Prof. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2.ª Ed., Vol. 1, 577 e Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, Coimbra 1980, p. 208.
(19) Vd. Bernardo Azevedo, Estudo Sobre "Contratação in house: Entre a liberdade de Auto-Organização Administrativa e a Liberdade de Mercado".
(20) Cf., ainda, Bernardo Azevedo, em "Estudo" já identificado.
(21) Vd. Estudos da Contratação Pública I, fls.126.
(22) Vd. Regime Jurídico das Empresas Municipais.
(23) Vd. Elisa Scotti.
(24) Vd. Pareceres do C. Consultivo, da PGR, nºos 1/95 e 145/2000
(25) Vd. G. Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada.