Acórdão n.º 11/2011, de 3 de Maio de 2011, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1551/2010)

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ACÓRDÃO Nº 11 /11 - 03.MAI. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 3/2011

(Proc. nº 1551/2010)

 

DESCRITORES:

 Empreitada de obras públicas.

Concurso público urgente.

Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho (Execução orçamental para 2010).

Situação de urgência.

Prazo de 48 horas para a apresentação de propostas.

Princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da concorrência.

Inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente".

SUMÁRIO:

I - De acordo com o disposto no artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, pode adoptar-se o procedimento de concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:

a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b) do artigo 19º do CCP, e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.

II - A observância dos pressupostos referidos no artigo 52º, nº2, do citado DL nº 72-A/2010 constitui um mecanismo excepcional de aplicação, às empreitadas de obras públicas, do concurso público urgente previsto no artigo 155º e seguintes do CCP, uma vez que, por um lado, aquele diploma legal regula matérias relativas à execução do Orçamento do Estado para 2010 - e não matérias relativas a empreitadas de obras públicas - e, por outro lado, o concurso público urgente, previsto no CCP, tem o seu âmbito de aplicação dirigido à celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis ou de serviços de uso corrente;

III - A adopção do procedimento referido em I, pressupõe a verificação de uma situação de urgência, a qual tem a ver com casos em que a Administração se vê confrontada com uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que ameace seriamente a satisfação de certo interesse público ou a satisfação prioritária de certos interesses colectivos.

IV - Nos termos do artigo 63º, nº2, do CCP, na fixação do prazo para a apresentação das propostas, deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar, bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou a equipamentos por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência.

V - No caso de se tratar de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, o prazo mínimo para a apresentação de propostas é de 20 dias, só podendo ser reduzido a 9 dias, no caso de manifesta simplicidade dos trabalhos, tudo de harmonia com o disposto no artigo 135º, nº1, do CCP,

VI - O prazo de 48 horas concedido para a apresentação de propostas é insuficiente para a elaboração completa, fundamentada e consistente de propostas e não permite o acesso ao concurso do mais vasto leque possível de concorrentes, o que acarreta a inobservância dos princípios da igualdade, da transparência, da proporcionalidade e da concorrência;

VII - A utilização do procedimento de concurso público urgente, nos termos referidos no ponto anterior, e sem se verificar uma situação de urgência, tal como referida acima no ponto III, não garante o respeito pelos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência, o que é susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato e constitui o fundamento de recusa do visto estabelecido na alínea c), do nº3, do artigo 44º, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto;

VIII - A inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente" viola o disposto no artigo 49º, nºs 12 e 13, do CCP e, sendo susceptível de afectar negativamente a concorrência, constitui ilegalidade que pode alterar o resultado financeiro do contrato, o que tipifica o fundamento de recusa de visto estabelecido no artigo 44º, nº3, alínea c), da citada Lei nº 98/97 de 26 de Agosto;

  

Conselheiro Relator: António M. Santos Soares

ACÓRDÃO Nº 11/11 - 03.MAI. 2011 - 1ª S/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 3/2011

(Proc. nº 1551/2010)

 

Acordam os juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1ª Secção:

I - RELATÓRIO

1. Recorreu a Câmara Municipal de Vila Verde do Acórdão nº 5/2011, de 25 de Janeiro de 2011, da 1ª Secção do Tribunal de Contas, que recusou o visto ao contrato de empreitada para "Construção do Centro Educativo da Vila de Prado", celebrado entre o Município de Vila Verde e a empresa "Carmage - Engenharia e Construção, SA".
Tal decisão foi proferida com base no disposto no artigo 44º, nº3, al. c), da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, e apoiou-se, essencialmente, nos seguintes fundamentos:

a) Por um lado, o facto de ter sido fixado um prazo de 48 horas, para a apresentação de propostas, o que viola os princípios da igualdade e da concorrência, estabelecidos no artigo 1º, nº4, do Código dos Contratos Públicos (CCP);
b) Por outro, a circunstância de, no mapa de quantidades posto a concurso, terem sido feitas exigências relativas a marcas comerciais, em vários artigos, sem que as mesmas fossem acompanhadas das expressões "do tipo" ou "ou equivalente", o que viola o disposto nos nºs 12 e 13 do artigo 49º, do CCP. 

Segundo a decisão recorrida, as ilegalidades verificadas ofendem os princípios da concorrência e da igualdade de oportunidades dos operadores económicos, sendo que as violações de lei ocorridas, podendo restringir o universo de potenciais interessados e concorrentes, são susceptíveis de ter alterado o resultado financeiro do procedimento e do consequente contrato.

2. A Câmara Municipal de Vila Verde (CMVV) fundamentou o seu recurso, salientando principalmente:

A) Quanto ao primeiro dos fundamentos acima indicados:
"( ...)
3. Em 09 de Setembro de 2010 a Câmara Municipal de Vila Verde (doravante designada por CMVV) procedeu à abertura de um procedimento de concurso público urgente nos termos do Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho, para a execução de "Centro Educativo da Vila de Prado".
4. A obra em causa foi adjudicada pelo valor total de 1.605.766,00 euros, ao qual acresceria o IVA à taxa legal.
5. Segundo indicações oportunamente recebidas pela entidade de gestão, a CMVV dispunha de um prazo extremamente reduzido, até final do pretérito mês de Setembro, para candidatar a obra em causa a fundos comunitários, pelo que se tornou absolutamente imperioso agilizar todos os procedimentos de natureza administrativa relacionados com a respectiva adjudicação.
6. Face a este quadro circunstancial de grande pressão cronológica, entendeu a CMVV socorrer-se do Decreto-Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho, nomeadamente do previsto no nº2 do seu artigo 52º onde se dispõe:
Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente previsto no artigo 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP) na celebração de contratos de empreitada, desde que
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na al.) do artigo 19º do CCP; e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.  
7. Ora, conforme se verifica, todos os pressupostos consignados nas alíneas supra enunciadas, se encontravam cumulativamente preenchidos no momento da decisão da CMVV de utilizar o procedimento de concurso público urgente para a obra em causa.
8. Com efeito, a CMVV, só porque entendeu ser a via mais adequada para garantir o indispensável financiamento da obra através de fundos do QREN, resolveu adoptar este procedimento urgente pela inequívoca economia de tempo que o mesmo proporciona e que era, na humilde perspectiva dos decisores, o factor preponderante no contexto em que a deliberação foi tomada.
9. Seria estultícia da nossa parte que não tivéssemos consciência de que se tratava de um prazo extremamente reduzido que ira obrigar a um esforço acrescido dos potenciais concorrentes na elaboração das propostas, mas o interesse primordial da necessária obtenção do financiamento comunitário acabou por condicionar a decisão.
10. Contámos, pois, que o valor da obra em concurso conjugado com as dificuldades actuais do mercado das obras públicas fossem a mola compensadora para que as empresas interessadas concentrassem a capacidade dos seus recursos humanos durante dois dias para a formulação das propostas.
(...)
12. Sem qualquer margem de dúvida, o lastro de concorrentes admitidos traduz uma amplitude técnica e geográfica que confirma de forma absolutamente peremptória que se encontra salvaguardado o princípio da concorrência.
13. De facto, não só é alargado o número de concorrentes - onze! - como também se verificou a participação de empresas com envergadura diferenciada no plano da capacidade técnica e financeira.
14. Poder-se-ia sempre argumentar que se o prazo tivesse sido mais amplo, maior seria o número de concorrentes e, desse modo, mais proficuamente ficava protegido o princípio da concorrência.
15. Todavia, este pressuposto encerra na sua génese uma ameaça ao interesse público que estava, circunstancialmente, no caso em análise, indelevelmente associado à celeridade, economia e eficiência da decisão cujo objectivo central era aproveitar uma candidatura a fundos comunitários para uma obra de inegável interesse para o concelho. Na verdade, se a quantidade de propostas atingi8sse um número muito elevado, o tempo que a apreciação das mesmas implicava, bem poderia impedir uma decisão de adjudicação em tempo útil.
(...)
19. Vale isto por dizer que a capacidade instalada de qualquer das potenciais empresas concorrentes num concurso público com prazo mais dilatado não apresentaria grandes oscilações já que, a admitir-se a fixação de um prazo diferente, nunca seria superior a 15 dias, atenta a necessidade de absoluta de não frustrar o financiamento comunitário de que depende a concretização do investimento.
(...)
21. Acima de tudo, interessa proporcionar à população do concelho uma infra-estrutura educativa de qualidade que traduza uma adequada aplicação do dinheiro público.
Se, com toda a preocupação que presidiu à formulação das normas legais aplicáveis em matéria de controlo de custos, o legislador se permitiu estabelecer apenas um prazo mínimo é porque, seguramente, preferiu confiar na discricionariedade da administração a impor-lhe um prazo rígido que poderia redundar em grave disfunção do próprio interesse público. Assim, com a devida vénia, ousamos discordar da posição assumida na decisão do Tribunal de Contas.
22. Convirá, neste momento, ponderar conveniente e responsavelmente o que poderá suceder num cenário de manutenção da decisão de recusa de visto. Afigura-se-nos desde logo a desproporcionalidade decorrente da decisão, já que visa proteger virtuais concorrentes excluídos pela fixação de um reduzido prazo para apresentação de propostas, em detrimento de nove reais concorrentes que demonstraram estar à altura das actuais exigências da sociedade de informação, em que tudo tende a desenvolver-se em tempo real, sem que isso constituas constrangimento para os objectivos de cada actor.
23. Deitando por terra todo um procedimento que obrigou os concorrentes efectivos a um sacrifício maior da sua perfomance de elaboração de propostas, com tudo o que isso consubstancia em termos de esforço humano e técnico, em nome de um hipotético alargamento da concorrência, estaremos, aí sim, a comprometer o princípio da igualdade, trucidando quem legitimamente compareceu à convocatória, e que, dificilmente, nos dará uma segunda oportunidade.
(...)
26. Ainda nesta orientação, também importará atentar na natureza do anúncio enquanto proposta contratual ou convite a contratar. Ficará o interesse público imanente aos princípios da concorrência e igualdade efectivamente salvaguardado com a destruição dos efeitos na ordem jurídica deste procedimento e subsequente abertura de procedimento para a mesma obra, sabendo-se da incontornável necessidade da candidatura a fundos comunitários? Estamos convictos que não.
27. Se a isto acrescentarmos o facto de ser o valor da proposta da empresa adjudicatária substancialmente inferior ao valor estimado da obra, não parece razoável que se coloquem entraves à nossa legítima pretensão de investimento numa área tão sensível como a da Educação.
28. Acresce que não houve da parte de qualquer das empresas concorrentes qualquer reclamação, ou sequer comunicação, acerca da exiguidade do prazo concedido para a apresentação de propostas.
29. Esta Câmara Municipal teve ainda subjacente à sua decisão a necessidade de adjudicar e consignar a obra por forma a garantir a conclusão das obras em harmonia com os ciclos escolares, para tornar socialmente mais pacífica a transferência dos alunos, considerando toda a logística familiar e municipal que é preciso assegurar para que todo o processo se concretize com a máxima satisfação de todos os agentes envolvidos, com especial ênfase para a comunidade escolar.
(...)
31. Temos, no entanto, a humildade de reconhecer, como bem assinalou o douto acórdão, que se registou uma lamentável derrapagem na concretização dos trâmites legais do concurso pós-publicação. Todavia, tal só encontra explicação na voragem do tempo implicado na articulação entre a fase de selecção do adjudicatário e a formalização da aceitação da vontade de contratar por ambas as partes.
(...)
33. Não pode, pois, ler-se nesta circunstância mais do que um nefasto efeito de alguma ineficiência na gestão cronológica da tramitação e nunca uma alteração de objectivo que sempre norteou a decisão da CMVV de conferir carácter urgente ao desenvolvimento do processo com vista à efectiva consecução do financiamento comunitário para uma obra com particular relevância no plano plurianual de investimentos.  

B) Quanto ao segundo dos fundamentos da recusa do visto, ou seja a questão da inclusão, no mapa de quantidades, de marcas comerciais desacompanhadas das expressões "do tipo" ou "ou equivalente":
"...35. Ora, sem deixarmos de entender a análise rigorosa que é apanágio desse douto Tribunal, garantido desde logo pelo alto nível técnico dos seus representantes, apelamos ao juízo de equidade de que nos consideramos merecedores porquanto aquele lamentável lapso apenas se verifica num dos elementos que integram o processo.
36. Na verdade, fazendo fé na experiência dos concorrentes e no acumulado conhecimento acerca de uma matéria tão controvertida, não deixará de se considerar a inocuidade de tal omissão face à expectável aceitação de materiais de marca ou características similares que é, de resto, uma regra há muito interiorizada pelos agentes do mercado.
37. Estamos, pois, em crer que a aparente restrição que pudesse decorrer da omissão verificada, não constitui constrangimento para qualquer das empresas que se apresentou a concurso, facto que, aliás, nem sequer foi suscitado por qualquer dos intervenientes.
38. Não é, pois, verosímil a tese de que possa ter ocorrido uma limitação da concorrência devido a esta situação, tanto mais que as restantes peças processuais apontam no sentido do que está estipulado nos nºs 12 e 13 do artigo 49º do CCP.

Terminou a sua alegação referindo que deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e, em conformidade, ser visado o contrato de empreitada aqui em causa.

3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

4. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 

II - MATÉRIA DE FACTO

Tendo em conta o disposto no artigo 100º, nº2, da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, o que consta da decisão recorrida e das alegações da recorrente, considera-se assente a seguinte matéria de facto:

a) Em 18 de Outubro de 2010, foi celebrado entre o Município de Vila Verde e a empresa "Carmage - Engenharia e Construção, SA", um contrato de empreitada para construção do Centro Educativo da Vila de Prado, no valor de 1.605.766,00 €, acrescido de IVA à taxa legal aplicável;

b) O contrato referido na alínea anterior foi precedido de concurso público urgente, ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, e dos artigos 155.º e seguintes, do Código dos Contratos Públicos (CCP);

c) O concurso foi autorizado por deliberação da Câmara Municipal de Vila Verde (CMVV), de 1 de Setembro de 2010, com base nos seguintes fundamentos invocados na informação da Divisão de Obras Municipais de 27 de Agosto de 2010:
"... Tendo presente a urgência em se proceder à adjudicação da obra até 29 de Outubro de 2010, com vista ao co-financiamento por fundos comunitários e de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 52º do decreto-lei 72-A/2010, de 18 de Junho, proponho que o procedimento a adoptar seja o do concurso público urgente, deixando à consideração superior o prazo a fixar para efectuar a consulta, sendo certo que o mínimo previsto é de 24 horas.
Caso esta proposta de procedimento de concurso público seja aceite, em anexo, junto o programa de concurso, o caderno de encargos e o projecto para aprovação pelo executivo municipal, face ao valor da empreitada" (1);

d) O anúncio de concurso público urgente foi publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Setembro de 2010;

e) Para a apresentação de propostas foi fixado um prazo de 48 horas, a contar da data e hora do envio do anúncio para publicação no Diário da República;

f) O anúncio de abertura do concurso foi enviado para publicação no Diário da República, em 6 de Setembro de 2010, pelas 15:30:13 horas;

g) O anúncio mencionado na alínea anterior contém informação sobre o objecto do contrato (designação e tipo deste, bem como o preço base do procedimento) e o serviço da Autarquia onde se encontravam disponíveis as peças do concurso, para consulta dos interessados (Divisão Financeira do Município de Vila Verde); a informação de que o meio electrónico de apresentação das propostas era a plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante (www.vortal.pt) e, ainda, a informação de que o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos deveriam ser vistos nos documentos disponibilizados na plataforma electrónica atrás indicada;

h) O prazo de execução da obra é de 300 dias;

i) O critério de adjudicação foi o do mais baixo preço;

j) Apresentaram proposta onze concorrentes;

k) Para a construção do Centro Educativo da Vila de Prado - obra que se integra em projecto co-financiado por fundos comunitários - apresentou a Câmara Municipal de Vila Verde, em data indeterminada mas anterior a 29-10-2010, uma candidatura a financiamento comunitário, através do Programa Operacional Regional do Norte ("O Novo Norte"), candidatura essa que foi aprovada pela Comissão Directiva do dito Programa, em 9 de Novembro de 2010;

l) Tendo-se questionado a CMVV sobre como considerava ser admissível "a fixação de um prazo de 48 horas para apresentação de propostas numa empreitada cujo valor é superior 1,5 milhões de euros e com um prazo de execução de 300 dias", veio aquela entidade referir o seguinte (2):
"(...) Os concursos em análise foram objecto de um procedimento concursal lançado ao abrigo do disposto no art. 52º do Dec.Lei nº 72-A/2010 de 18 de Junho, que vem alargar o âmbito de aplicação do concurso público urgente previsto e descrito nos artºs 155º e 161º do Código dos Contratos Públicos.
Assim, e de acordo com o previsto no art. 52º do supracitado Decreto-Lei, pode-se adoptar o concurso público urgente previsto nos artigos 155º e 161º do CCP, na celebração de contratos de empreitadas de obras públicas, desde que cumpridos os seguintes pressupostos:

a) Se trate de uma empreitada enquadrada num projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor dos contratos seja inferior a 4.845.000,00 euros (limiar da EU em vigor desde 01.01.2010);
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.

Acresce, que a este procedimento do concurso público urgente são aplicáveis as disposições específicas dos artigos 155º e 161º, bem como, com as devidas adaptações, as disposições que regulam o concurso público (artigos 130º a 154º), e, ainda, os artigos 88º a 91º no que respeita à exigência de caução.
Assim sendo, este Município, devido à urgência em concorrer a fundos comunitários cujo prazo terminava precisamente em finais de Setembro, entendeu lançar mão deste procedimento concursal, optando embora por alargar o prazo de 24 para 48 horas em nome do princípio da concorrência. Com esta possibilidade pretendeu-se que o maior número possível de empresas pudessem concorrer, tendo efectivamente concorrido 9 empresas para o concurso do "Centro Escolar de Moure" e 11 ao Centro Escolar de Prado. Destas ganharam o concurso aquelas que apresentaram o mais baixo preço.

Em conclusão:

Foi entendimento deste Município aproveitar a opção legal colocada ao dispor pelo legislador, para fazer face à urgência existente em concorrer a financiamento comunitário, sob pena de se perderem os fundos comunitários elegíveis";

m) O procedimento de formação do contrato sub judice, seguiu a seguinte cronologia:

Deliberação para a abertura do procedimento - 1 de Setembro de 2010;
Envio do anúncio para publicação no Diário da República - dia 6 de Setembro de 2010, pelas 15:30:13 horas;
Publicação do anúncio no Diário da República - 6 de Setembro de 2010;
Prazo de apresentação de propostas - até 48 horas, a contar da data e hora do envio do anúncio para publicação no Diário da República;
Elaboração do relatório de avaliação das propostas - 10 de Setembro de 2010;
Deliberação de adjudicação pela CMVV - 15 de Setembro de 2010;
Celebração do contrato - 18 de Outubro de 2010;
Aprovação da candidatura a financiamento comunitário - 9 de Novembro de 2010;

n) A obra foi consignada em 17 de Novembro de 2010;

o) No mapa de quantidades posto a concurso, nos itens 9.1 a 9.29 e 16.7.11.3 fez-se referência às marcas "FTP", "Steelcávado", "Friemo", "DIRH", "Efapel", "Apolo 9000" e "Mobiser";

p) Questionada, a entidade adjudicante sobre os factos indicados na alínea anterior, veio informar o seguinte (3):
"... Os documentos do procedimento apresentam expressões "do tipo", "ou equivalente" e "ou similar" no mapa de quantidades dos trabalhos a realizar ou nas memórias descritivas/caderno de encargos, podendo efectivamente existir algumas designações de marcas comerciais sem estas menções devendo estas ser entendidas como um lapso que não tem por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou bens, e que em futuros procedimentos não se irá repetir. No nosso entender, a informação ao ser cruzada por necessidade de melhor percepcionar o trabalho a realizar e o material a utilizar, está salvaguardada a não obrigatoriedade de utilização a referências a marcas comerciais, uma vez, por um lado, tal está referenciado nos documentos do procedimento e por outro, sempre foi nosso propósito não impor marcas a nenhum concorrente, aceitando qualquer tipo de marca se tal corresponder às especificações e realizar a função/uso para que está definida...". 

III - O DIREITO

1. Como se viu acima, a decisão recorrida teve, essencialmente, um duplo fundamento:

- Por um lado, o facto de ter sido fixado um prazo de 48 horas, para a apresentação de propostas, o que, segundo o Acórdão recorrido, viola os princípios da igualdade e da concorrência estabelecidos no artigo 1º, nº4, do CCP;
- Por outro, a circunstância de, no mapa de quantidades posto a concurso, terem sido feitas exigências relativas a marcas comerciais, em vários artigos, sem que as mesmas fossem acompanhadas das expressões "do tipo"e "ou equivalente", o que configura a violação dos nºs 12 e 13 do artigo 49º do mesmo Código.

- Além disso, o Acórdão recorrido considerou que as ilegalidades verificadas ofendem os princípios da concorrência e da igualdade de oportunidades dos operadores económicos, sendo que as violações de lei ocorridas, podendo ter restringido o universo de potenciais interessados e concorrentes, são igualmente susceptíveis de ter alterado o resultado financeiro do procedimento e, consequentemente, do consequente contrato.
- Analisemos, então, o acerto - ou não - da decisão ora posta em crise, tendo em conta a matéria de facto dada por assente e o que vem alegado pela recorrente:

2. A primeira das questões que se suscitam neste recurso tem a ver com o facto de ter sido adoptado um concurso público urgente, nos termos do artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho e dos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), a anteceder a celebração do contrato, ora submetido a fiscalização prévia deste Tribunal e de ter sido fixado um prazo de 48 horas, para a presentação de propostas.

Vejamos, então, esta questão, começando por enunciar a legislação aplicável:

O artigo 52º, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho (4), sob a epígrafe "Disposições especificas na aquisição de bens e serviços", dispõe o seguinte, no seu nº 2: 

Artigo 52º
Disposições especificas na aquisição de bens e serviços
............................................................................
2 - Pode adoptar-se o procedimento do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do Código dos Contratos Públicos (CCP), na celebração de contratos de empreitada, desde que:
a) Se trate de um projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato seja inferior ao referido na alínea b), do artigo 19º, do CCP (5); e
c) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço.
............................................................................

Por seu lado, o artigo 155º do CCP, integrado na Secção VII (Concurso público urgente), do Capítulo II, do Título III, da Parte II do mesmo Código, sob a epígrafe "Âmbito e pressupostos", estabelece o seguinte:

Artigo 155º
Âmbito e pressupostos
Em caso de urgência na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens imóveis ou de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante, pode adoptar-se o procedimento de concurso público nos termos previstos na presente secção, desde que:
a) O valor do contrato a celebrar seja inferior aos referidos na alínea b) do nº1 e no nº2, do artigo 20º, consoante o caso[6]; e
b) O critério de adjudicação seja o do mais baixo preço. 

Uma das particularidades mais salientes do regime do concurso público urgente é a que consta do artigo 158º do CCP, relativamente ao prazo para a apresentação das propostas.

É a seguinte a redacção deste artigo 158º:

Artigo 158º
Prazo mínimo para a apresentação das propostas
O prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.

2. 1. Verifica-se, assim, que, durante a vigência do citado DL nº 72-A/2010, o legislador entendeu estender o regime do concurso público urgente, previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP, aos contratos de empreitada, desde que ocorressem os pressupostos definidos nas alíneas a) a c) do nº2, do artigo 52º daquele diploma legal.
No caso em apreço, entendeu o Acórdão recorrido que, no procedimento que tendente à celebração do presente contrato, estão verificados os seguintes pressupostos:

a) A obra a que respeita o contrato de empreitada, aqui em apreço, integra-se num projecto co-financiado por fundos comunitários;
b) O valor do contrato (1.605.766,00 €) é inferior ao valor estabelecido na alínea b), do artigo 19º, do CCP;
c) Finalmente, o critério de adjudicação é o do mais baixo preço.

Ocorriam, pois, todos os requisitos que, no âmbito do nº2, do citado artigo 52º, são fixados para que, no que toca às empreitadas de obras públicas, seja possível a adopção do mecanismo excepcional de aplicação do procedimento do concurso público urgente, regulado pelos artigos 155º e seguintes do CCP.

2. 2. Contudo, dissemos atrás que a observância dos requisitos fixados no artigo 52º, nº2, do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, constituía um mecanismo excepcional de aplicação, às empreitadas de obras públicas, do procedimento do concurso público urgente, previsto no CCP.
Ora, tal afirmação tem por base as seguintes razões:
Por um lado, o DL nº 72-A/2010 é um diploma que visa estabelecer disposições relativas à execução do Orçamento do Estado para 2010 e não matérias relativas à contratação pública.
Por outra banda, o artigo 52º, deste diploma legal, tem por epígrafe, como se disse, "Disposições específicas na aquisição de bens e serviços" e, não obstante, regula, num dos seus números, matéria concernente a empreitadas de obras públicas.
Além disso, se é certo que o artigo 155º do CCP define o âmbito e os pressupostos de aplicação do concurso público urgente, logo se vê que esta modalidade de concurso não está vocacionada - nem prevista no Código - para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, o que, aliás, bem se compreende, dado que a apresentação de propostas, para este tipo de obras, se insere num procedimento pré-contratual mais elaborado e demorado, que se não compagina com o procedimento "aligeirado" que se encontra previsto nos artigos 155º e seguintes do CCP.
Por isso, é que, ao prever a adopção do concurso público urgente, este artigo 155º estabelece que tal procedimento é aplicável em caso de urgência, e, por outro lado, na celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou ainda de aquisição de serviços de uso corrente para a entidade adjudicante.
Ora, uma vez que o artigo 157º, nº2, do CCP, estabelece, relativamente ao concurso público urgente, que o programa de concurso e o caderno de encargos devem constar do anúncio do concurso, manifesto é que tal regime não é compatível com o conteúdo de um anúncio de abertura de um procedimento respeitante à celebração de um contrato de empreitada, pois que, como é óbvio, não é possível, designadamente, incorporar no anúncio os elementos de solução da obra que devem integrar o caderno de encargos, em conformidade com o que estabelece o artigo 43º, do mesmo Código.
Por outro lado, o artigo 158º do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação das propostas é de vinte e quatro horas, desde que estas decorram integralmente em dias úteis.
Ora, se repararmos na redacção do artigo 135º, nº1, do mesmo Código, logo verificamos que, de acordo com o seu nº1, para a apresentação de propostas num concurso público cujo anúncio não seja publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) não pode ser fixado um prazo inferior a 9 dias.
Além disso, e no que concerne, especificamente, ao procedimento para a formação de um contrato de empreitada de obras públicas, o prazo para a apresentação de propostas é de 20 dias, a contar do envio do anúncio do concurso para publicação no Diário da República.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos necessários à realização da obra, é que o CCP, no nº2, do mesmo artigo 135º, estabelece que aquele prazo mínimo, para a apresentação de propostas, pode ser reduzido em 11 dias, ou seja, pode a apresentação de propostas ser efectuada num prazo de apenas 9 dias.
Assim é que um prazo mínimo de 24 horas, para a apresentação de propostas - tal como fixado no artigo 158º, do CCP - podendo ser admissível num procedimento que tenha em vista a prestação de certos serviços, ou o fornecimento de bens móveis, não se coaduna com a natureza dos contratos de empreitada.
É que tal prazo de 24 horas não se mostra conforme com as exigências que decorrem da observância do princípio da proporcionalidade - com assento constitucional - e ainda com o respeito pelos princípios da igualdade e da concorrência previstos no artigo 1º, nº4, do CCP.
Aliás, os elementos exigidos pelo artigo 57º, nºs 1 e 2, do CCP, para o conteúdo das propostas, mostram amplamente a complexidade que está associada à celebração de contratos de empreitada de obras públicas e que não é comparável, sequer, com o procedimento inerente à celebração de contratos de aquisição de serviços ou de aquisição de bens móveis.
Efectivamente, num procedimento conducente à formação de contratos de empreitada de obras públicas, as propostas dos concorrentes são constituídas pelos documentos mencionados no nº1, do artigo 57º do CCP e ainda pelos elementos referidos no nº2, deste normativo, ou seja: i) uma lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalhos previstas no projecto de execução; ii) um plano de trabalhos, tal como definido no artigo 361º do mesmo Código, quando o caderno de encargos seja integrado por um projecto de execução; iii) um estudo prévio, nos casos previstos no nº3, do artigo 43º do CCP, competindo a elaboração do projecto de execução ao adjudicatário.

3. Prosseguindo na análise da legislação atinente ao concurso público urgente, deve referir-se que, de acordo com o estabelecido no artigo 156º, nº1, do CCP, o procedimento de concurso público urgente rege-se, com as necessárias adaptações, pelas disposições que regulam o concurso público, em tudo o que não esteja especialmente previsto nos artigos seguintes, ou que, com estes, seja incompatível.
Uma das formalidades essenciais a observar, no concurso público urgente, é, como se dispõe no artigo 157º, nº1, do CCP, a publicitação do mesmo no Diário da República, através de anúncio conforme modelo aprovado por portaria dos ministros responsáveis pela edição do Diário da República e pelas áreas das finanças e das obras públicas.
Por outro lado, devem constar do anúncio, o programa do concurso e o caderno de encargos, de harmonia com o definido no nº2, do mesmo artigo 157º, do CCP.
Acontece que a portaria, atrás referida, é a Portaria nº 701-A/2008 de 29 de Julho, a qual, de acordo com o seu artigo 1º, nº1, al. b), contém no seu Anexo II, o modelo de anúncio de concurso público urgente.
Tal modelo especifica que o anúncio deste concurso deve incluir informação, designadamente, sobre o "objecto do contrato" (vide o nº2 do Anexo II), e, dentro deste, a "designação do contrato" (7), com a descrição sucinta do seu objecto, bem como o "tipo de contrato" (8) (locação de bens imóveis/aquisição de bens móveis/aquisição de serviços),(9) para além do Programa de Concurso (nº 12 do Anexo II) e do Caderno de Encargos (nº13 do mesmo Anexo II), os quais são de preenchimento obrigatório.
No caso em apreço, o anúncio do concurso foi publicado no Diário da República, mas não obedeceu totalmente ao modelo previsto na dita Portaria nº 701-A/2008, uma vez que não incluiu informação relativa ao Programa de Concurso, nem ao Caderno de Encargos.
O acórdão recorrido, porém, não extraiu deste facto quaisquer conclusões, pelo que, no âmbito do presente recurso, tal matéria não carece de ser abordada no que concerne às suas consequências.

4. Um outro relevante pressuposto para a adopção, no caso vertente, do concurso público urgente, era o de se estar perante uma situação de urgência.
O termo urgente veicula um conceito indeterminado.
Conceitos indeterminados ou conceitos standard, são, como referem J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO (10), aqueles que, por concreta opção do legislador, envolvem uma definição normativa imprecisa a que, na fase de aplicação, se deverá dar uma significação específica, em face de factos concretos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis.
Por isso, constituindo a urgência um conceito com esta natureza, torna-se necessário proceder a operações tendentes à sua concretização específica, o que passa pelo recurso a valores e após ponderação das circunstâncias de cada caso.
A urgência, como fundamento de um desvio à tramitação normal dos procedimentos administrativos constitui, como salienta ANDRADE DA SILVA (11), uma excepção à regra da concorrência nos termos gerais.
Uma vez que a caracterização e o preenchimento do conceito de urgência, carece de apreciação casuística, pode afirmar-se que, para que uma situação possa ser considerada de urgência, terá que se estar perante um caso em que a utilização de um procedimento normal resultaria ineficaz ou revelar-se-ia inidóneo para dar, em tempo oportuno, a resposta necessária.
Há que assinalar, aliás, que a urgência se distingue da celeridade, dever que impende sobre a Administração, nos termos do disposto no artigo 57º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Na verdade, a celeridade procura atingir outros valores, designadamente a prontidão e a eficácia da acção administrativa.
Ao invés, uma situação de urgência tem a ver com casos em que a Administração se vê confrontada com uma circunstância de risco ou perigo iminente e actual que ameace seriamente a satisfação de certo interesse público ou a satisfação prioritária de certos interesses públicos (12).
O Acórdão recorrido, embora tivesse considerado que a urgência não estava factual e documentalmente demonstrada, admitiu que tal requisito se verificava no caso em apreço.
Assim, e porque tal questão não foi colocada no presente recurso, dispensamo-nos de analisar a questão da ocorrência (ou não) de uma situação de urgência, justificativa da adopção, no caso em apreço, do procedimento de concurso público urgente.

5. Importa enfrentar, de seguida, a questão que, mais relevantemente, constituiu fundamento para a decisão que ora vem impugnada.
Efectivamente, no caso em apreço, e no âmbito do concurso público urgente que foi utilizado, foi estabelecido, no respectivo anúncio de abertura, que a apresentação de propostas deveria ser efectuada no prazo de 48 horas, a contar da data e hora do envio do anúncio para publicação no Diário da República.
A decisão recorrida considerou que, para a formação de um contrato de empreitada, é impossível estarem asseguradas condições de igualdade e de leal concorrência entre os potenciais interessados em apresentar propostas, quando se estabeleceu um prazo de 48 horas para a apresentação das ditas propostas.

Relativamente a esta questão, sustenta a recorrente, essencialmente, o seguinte:

- Teve consciência de que se tratava de um prazo "extremamente reduzido", que iria obrigar a um esforço acrescido dos potenciais concorrentes na elaboração das propostas, mas que o interesse da obtenção do financiamento comunitário acabou por condicionar a decisão;
- O leque de concorrentes admitidos traduz uma amplitude técnica e geográfica que confirma que se encontra salvaguardado o princípio da concorrência;
- Podendo argumentar-se que, se o prazo de apresentação de propostas fosse mais longo, maior seria o número de concorrentes, o certo é que se as propostas fossem em número muito elevado, o tempo necessário à sua apreciação poderia impedir uma decisão de adjudicação em tempo útil;
- A admitir-se a fixação de um prazo diferente, nunca seria superior a 15 dias, dada a necessidade do financiamento comunitário;
- Se o legislador se permitiu estabelecer apenas um prazo mínimo para a apresentação de propostas, é porque preferiu confiar na discricionariedade da administração a impor-lhe um prazo rígido que poderia redundar em grave disfunção do próprio interesse público;
- Não houve reclamação de qualquer das empresas concorrentes, acerca da exiguidade do prazo;
- A decisão de recusa do visto é desproporcional, uma vez que visa proteger virtuais concorrentes excluídos pela fixação de um prazo reduzido, em detrimento de nove reais concorrentes que demonstraram estar à altura das actuais exigências da sociedade de informação.

Ora, quanto a isto, há que ter em conta o seguinte:

Embora, como se disse, o artigo 158º do CCP estabeleça que o prazo mínimo, para a apresentação de propostas, num concurso público urgente, é de vinte e quatro horas, deve recordar-se que este tipo de procedimento está previsto, no CCP, para os contratos de locação, ou de aquisição de bens móveis ou de serviços, e não para a contratação de empreitadas de obras públicas.
Deste modo, cabe aqui indagar da admissibilidade e da conformidade legal do prazo que foi fixado, no caso - como o presente - de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada.
Por outro lado, cabe perguntar também se, para a apresentação de propostas para um concurso de empreitada de obras públicas, é suficiente o prazo de 48 horas, tal como foi estabelecido no caso em apreço.
É que não pode deixar de ser questionável se o referido prazo de 48 horas permite a elaboração completa, fundamentada e consistente de propostas para a realização da obra posta a concurso.
Além disso, ainda se pode questionar se aquele prazo de 48 horas permite o acesso ao concurso, do mais vasto leque possível de concorrentes, e, com isso, a observância dos princípios da igualdade e da concorrência estabelecidos no artigo 1º, nº4, do CCP.

Ora, para estas questões, a resposta não pode deixar de ser negativa.

Efectivamente, importa recordar que, como se assinalou atrás, o artigo 135º, nº1, do CCP estabelece que o prazo mínimo para a apresentação de propostas, no caso de se tratar de um procedimento tendente à celebração de um contrato de empreitada de obras públicas, é de 20 dias, a contar do envio, para publicação, do respectivo anúncio de abertura.
Só em caso de manifesta simplicidade dos trabalhos é que a lei consente que tal prazo mínimo pode ser diminuído, e, ainda assim, não pode ser inferior a 9 dias.
Ora, tratando-se, no caso em apreço, de uma obra relativa à construção do Centro Educativo da Vila der Prado, no concelho de Vila Verde, e tendo presente o valor do contrato em causa (1.605.766,00 €), bem como o prazo de execução da obra (300 dias), não poderá dizer-se que se está perante trabalhos com manifesta simplicidade.
Mas, ainda que assim fosse, o certo é que o prazo para a apresentação das propostas, que foi fixado, é inferior, até, ao prazo mínimo de 9 dias, definido legalmente para a apresentação de propostas relativas a uma obra que tenha essa natureza!
Por outra banda, reconhecendo-se, à entidade adjudicante, alguma margem de liberdade na fixação do prazo de apresentação de propostas, pelos operadores económicos que desenvolvem a sua actividade no mercado, o certo é que tal liberdade está limitada pela observância dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devendo ser utilizada de modo a assegurar e respeitar estes princípios.
Aliás, e a este respeito, não pode deixar de se referir que o artigo 63º, do CCP, que tem por epígrafe "Fixação do prazo para a apresentação das propostas", estabelece no seu nº2 que "na fixação do prazo para a apresentação das propostas, deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar ... bem como a necessidade de prévia inspecção ou visita a locais ou a equipamentos por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência".
Por outro lado, como acentuou o Acórdão de 25 de Março de 2010, do Tribunal Central Administrativo Norte (13), na concretização dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, devem ainda ser observados os deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da protecção subjectiva dos potenciais concorrentes, por forma a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos, por parte dos interessados em contratar.
O prazo fixado para a apresentação das propostas, no caso em apreço, não é, pois, consentâneo com o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da concorrência, e, igualmente, violador do disposto no artigo 63º, nº2, do CCP.
E não se diga - como justificou a recorrente - que o leque de concorrentes admitidos traduz uma amplitude técnica e geográfica que confirma que se encontra salvaguardado o princípio da concorrência.
É que, como apontou o Digníssimo Magistrado do Ministério Público, não é pela circunstância de, no caso presente, se terem apresentado onze concorrentes, que podemos concluir pela observância do princípio da concorrência.
Na verdade, e por um lado, não se conhecem as circunstâncias que permitiram a estes concorrentes conhecer o objecto do concurso e apresentar as suas propostas no curtíssimo prazo concedido para esse efeito.
O argumento de que os concorrentes que apresentaram proposta "demonstraram estar à altura das actuais exigências da sociedade de informação, em que tudo se desenvolve em tempo real", não tem grande sentido.
É que não se sabe como terá funcionado, no caso, a dita "sociedade de informação", por forma a permitir, ou tornar possível, a apresentação de propostas, para uma obra como a presente, no curtíssimo prazo de 48 horas ...
Por outro lado, com toda a probabilidade, no caso de o prazo de apresentação de propostas ter sido maior, maior seria também o número de propostas que seriam apresentadas, dada a existência de mais tempo para divulgação do procedimento e para a elaboração e apresentação de propostas.
Aliás, parece que a recorrente estava ciente desta última possibilidade, só que temeu que a apresentação de um maior número de propostas inviabilizasse uma decisão de adjudicação em tempo útil.
De qualquer modo, uma vez que a recorrente reconhece que a admitir-se a fixação de um prazo diferente, este não seria superior a 15 dias, dada a necessidade do financiamento comunitário, cabe perguntar: Então por que razão não fixou um prazo de 15 dias, se tal prazo não inviabilizava a obtenção daquele financiamento?
Ademais, deve dizer-se que a invocação de uma maior dificuldade em analisar um conjunto maior de propostas não é, obviamente, uma razão que possa ser aduzida.
Para a entidade adjudicante seria do maior interesse a existência do mais vasto leque possível de concorrentes, uma vez que isso lhe poderia proporcionar um mais vasto campo de selecção e, consequentemente, uma melhor escolha entre as propostas, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista financeiro, sobretudo quando a recorrente alega que se trata de um "investimento numa área tão sensível como a da Educação".
Assim, do argumento utilizado, logo se pode concluir que a entidade adjudicante, para além de não ter os seus serviços estruturados por forma a responder atempadamente às necessidades da Autarquia, também reconhece não ter observado no caso presente - como devia - o princípio da concorrência.
A este respeito, importa, ainda, reter que o prazo para apresentação de propostas é uma matéria a que a Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, dá especial relevo.
Na verdade, o artigo 38º, nº1, desta Directiva, determina que as entidades adjudicantes, ao fixarem os prazos de recepção das propostas e dos pedidos de participação, deverão ter em conta, especialmente, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas. A este propósito deve, também lembrar-se que o nº4, do mesmo artigo 38º, estabelece que no caso de as entidades adjudicantes terem publicado um anúncio de pré-informação, o prazo mínimo para a recepção das propostas pode ser reduzido, mas nunca para menos de 22 dias.
Aliás, quanto às opções do legislador em matéria de prazos, há que salientar que o recentemente publicado decreto-lei de execução orçamental para 2011 - o DL nº 29-A/2011 de 1 de Março - continuando, embora, a permitir a adopção do procedimento de concurso público urgente, na celebração de contratos de empreitada, verificados que sejam os pressupostos que já eram exigidos pelo nº2, do artigo 52º do DL nº 72-A/2010 de 18 de Junho, estabelece, no seu artigo 35º, nº6, que a tal procedimento é aplicável o prazo mínimo de 15 dias, para apresentação de propostas.
A celeridade processual é um elemento essencial de um Estado de Direito.
Porém, como resulta da lição de MARTIN BULLINGER (14), a necessidade de celeridade, pode, também, ser olhada como um perigo para este mesmo Estado de Direito, já que pode conduzir a uma consideração da factualidade e da situação jurídica, sem a profundidade exigida para uma correcta aplicação da lei, e - dizemos nós - ao atropelo de princípios fundamentais que a lei entendeu salvaguardar sem tibiezas.

5. 1. Nesta conformidade, resulta de todo o exposto que foi utilizado, no caso em apreço, um procedimento cujos termos - designadamente em matéria de prazo de apresentação de propostas - não garantem o respeito pelos princípios da legalidade, da concorrência e da igualdade previstos no artigo 1º, nº4, do Código dos Contratos Públicos, nem o respeito pelo disposto no artigo 63º, nº2, do CCP.
A violação de lei verificada, sendo susceptível de restringir o universo de potenciais concorrentes, é do mesmo modo susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato, como bem decidiu o Acórdão recorrido.

6. Vejamos, seguidamente, o segundo dos fundamentos invocados pela decisão recorrida para a recusa do visto ao presente contrato.

- Como resulta da matéria de facto dada por assente, no mapa de quantidades posto a concurso foram feitas especificações técnicas com a exigência de marcas comerciais desacompanhadas da expressão "ou equivalente".

O artigo 49º do CCP, sob a epígrafe "Especificações técnicas", dispõe o seguinte, nos seus nºs 12 e 13: 

Artigo 49º
Especificações técnicas
............................................................................
12 - É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens.
13 - É permitida, a título excepcional, na fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção"ou equivalente", aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos do disposto nos nºs 2 a 4, as prestações objecto do contrato a celebrar.
............................................................................ 

Tem este normativo por escopo - à semelhança do que sucedia com o seu antecessor artigo 65º, nºs 5 e 6 do DL nº 59/99, de 2 de Março - proibir que, ainda que por via indirecta, se dificulte ou afaste a candidatura de empresas que não preencham determinados requisitos.
Podendo, embora, resultar, prima facie, do texto do artigo 49º do CCP, que tal proibição diga respeito ao caderno de encargos, o certo é que a lei quis proibir, com a utilização abusiva de especificações técnicas, que se viole a concorrência, ou, dito de outro modo, - e como se estipula no nº1 deste artigo 49º - quis permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência.
Tal desiderato, porém, só se consegue atingir se, como pensamos, tal proibição se estender a qualquer peça processual.
Não houve, neste âmbito, qualquer alteração da disciplina jurídica que resultava do artigo 65º, nºs 5 e 6, do DL nº 59/99 de 2 de Março, e sobre a qual se firmara jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal (15).
No caso vertente, e como emerge da matéria de facto dada por assente na alínea o) do probatório, o mapa de quantidades posto a concurso contém, em diversos itens, a referência a várias marcas comerciais, sem que estas sejam acompanhadas da menção "ou equivalente", no caso de haver impossibilidade de descrever de forma suficientemente precisa os materiais e prestações objecto do contrato.
A inclusão de artigos de determinada marca comercial é uma circunstância que pode afectar, de modo negativo, a concorrência, por ser susceptível de beneficiar ou prejudicar uns concorrentes, relativamente a outros, o que pode projectar-se no resultado financeiro do contrato, alterando este.

Verifica-se, assim, a violação dos nºs 12 e 13, do mencionado artigo 49º, do CCP.

- Diz a recorrente que a referência a marcas comerciais se tratou de um lapso e que a aceitação de materiais de marca ou características similares é uma regra há muito interiorizada pelos agentes do mercado.
- As razões invocadas a este propósito, procurando desculpabilizar a ocorrência da ilegalidade verificada, não têm, contudo, a virtualidade de arredar a possibilidade de ter sido afectada, negativamente, a concorrência e, em consequência, a possibilidade de ter sido alterado o resultado financeiro do contrato.
- Bem andou, pois, o Acórdão recorrido ao invocar os fundamentos acima indicados para recusar do visto ao presente contrato.

Improcedem, assim, as alegações da recorrente.


IV - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal de Contas, em Plenário, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
São devidos emolumentos (artigo 16º, nº1, al. b) do Regime Jurídico anexo ao DL nº 66/96 de 31 de Maio).
Lisboa, 3 de Maio de 2011.

Os Juízes Conselheiros

(António M. Santos Soares, relator)
(Manuel R. Mota Botelho)
(Carlos A. Morais Antunes)

Fui presente

O Procurador-Geral Adjunto
(Jorge Leal) 


(1) Vide fl. 5 dos autos. 
(2) Vide ofício nº S/885/2011 de 18 de Janeiro de 2011. 
(3) Pelo ofício nº S/17188/2010, de 30 de Dezembro de 2010. 
(4) Diploma que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2010 e que, entretanto, foi objecto das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 50/2010 de 7 de Dezembro. 
(5) Este valor corresponde a 4.845.000,00 €, a partir de 01-01-2010, por força do Regulamento (CE) nº 1177/2009, da Comissão, de 30-11-2009, publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) nº L314/64 de 01-12-2009. 
(6) Os valores referidos na alínea b) do nº1 e no nº2 do artigo 20º do CCP correspondem, respectivamente, a 193.000,00 € (a partir de 01-01-2010, ex vi do Regulamento (CE) referido na nota anterior) e a 133.000,00 € (vide o artigo único, al. c), da Portaria nº 701-C/2008 de 29 de Julho). 
(7) De preenchimento obrigatório. 
(8) Também de preenchimento obrigatório. 
(9) Obviamente que no tipo de contrato não se inclui o de empreitada de obras públicas pelas razões supra referidas: não se previa a adopção de um concurso público urgente para a formação de um contrato de empreitada e porque o artigo 155º do CCP apenas o previa para a celebração de um contrato de locação, ou de aquisição de bens móveis, ou de aquisição de serviços. 
(10) Vide o "Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado", 3ª edição, Almedina, 1996, pág. 639, em anotação ao artigo 135º. 
(11) Vide o "Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado", 2008, ed. Almedina, pág.484. 
(12) Veja-se, neste sentido, FREITAS DO AMARAL e MARIA DA GLÓRIA GARCIA, in "O Estado de Necessidade e a Urgência em Direito Administrativo", ROA, 59º, II, pág.515 
(13) In Proc. nº 1257/09.7BEPRT, pesquisado em www.dgsi.pt  
(14) In "Procedimiento Administrativo al ritmo de la economia y la sociedad", R.E.D.A. , nº 69, 1991, pág. 8, citado no "Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado" de J. M. SANTOS BOTELHO, A. PIRES ESTEVES e J. CÂNDIDO DE PINHO, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 245.  
(15) Vide, a título de exemplo, os Acórdãos da 1 Secção, do Tribunal de Contas, em Plenário, de 21 de Dezembro de 2006, in Rec. Ord. nº 36/06 e de 12 de Junho de 2007, in Rec. Ord. nº 9/07 e, ainda, os Acórdãos, em Subsecção, nºs 49/08, de 1 de Abril de 2008; 68/08, de 20 de Maio de 2008; 19/09, de 4 de Fevereiro de 2009 e 38/09, de 18 de Fevereiro de 2009.