Acórdão n.º 10/2010, de 27 de Abril de 2010, do Plenário da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (proc. n.º 1473/2009)

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ACÓRDÃO Nº 10 /2010 - 1ª SECÇÃO/PL

RECURSO ORDINÁRIO Nº 25/2009

(PROCESSO Nº 1473/2009 - 1.ª SECÇÃO)

  

I. RELATÓRIO

a) A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, inconformada com o teor do acórdão n.º162/09, que recusou o visto ao contrato de empreitada celebrado, em 01.06.2009, entre aquela entidade e a empresa "Soares & Grego, Lda." com o valor de € 1.168.177,52, acrescido de IVA, e tendo por objecto a remodelação do Centro de Saúde de Braga, veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, concluindo como segue:
(...)
1. A Recorrente considera que a decisão ora impugnada não consubstancia uma opção correcta, justa e adequada, em sede de apreciação e valoração do procedimento concursal e afasta-se do melhor enquadramento jurídico dos pressupostos fácticos em que assenta.
2. O Tribunal deu como provada a seguinte matéria de facto:
a) O contrato de empreitada celebrado com a "Soares & Grego, Ld.ª", para remodelação do Centro de Saúde de Braga, foi precedido de concurso público, devidamente publicado na 2.ª Série do Diário da República, de 28 de Julho de 2008;
b) A empreitada subordina-se ao regime de preço global;
c) O prazo de execução da obra é de 365 dias;
d) A obra foi consignada em 1 de Julho de 2009;
e) O preço base da empreitada foi inicialmente fixado em 1.300.000,00€;
f) Apresentaram-se a concurso 10 concorrentes;
g) O critério de adjudicação das propostas considera a pontuação dos seguintes factores:

§ Preço: 70%

§ Valia técnica da proposta: 30%;

h) No Programa de Concurso, em relação às habilitações dos concorrentes, foi exigida a detenção de alvará de empreiteiro geral ou construtor geral de edifícios de construção tradicional, na 1.ª categoria, na classe correspondente ao valor da proposta;
i) A Recorrente foi objecto de recomendações do Tribunal de Contas em matéria de exigências habilitacionais feitas aos concorrentes em concursos de empreitadas de obras públicas, designadamente através dos Acórdãos n.º 333/06, de 22.11.2006, n.º 335/06, de 22.11.2006, n.º 349/06, de 05.12.2006 e 359/06, de 21.12.2006 e da Decisão n.º 591/2007, em sessão diária de visto, de 05.07.2007.

3. Por outro lado, deu como não provada a verificação efectiva de uma alteração do resultado financeiro do contrato.
4. Decorre do texto da decisão recorrida e da factualidade dada como provada vício de erro notório na apreciação do probatório.
5. A decisão ora em crise, órfã de fundamento legal, é insuficiente para formar convicção de que a Recorrente incorreu em qualquer ilegalidade no presente procedimento concursal, e que motivou a recusa do visto do respectivo contrato de empreitada.
6. Salvo devido respeito por melhor opinião, as condições de participação que a Recorrente impôs não limitam o universo concorrencial, pois que, aliás, está assegurada a exigência básica contida no n.º 1 do art.º 31.º do Dec.- -Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, sem prejuízo de consagrar igualmente a apresentação a concurso dos empreiteiros habilitados nos termos do n.º 2 do mesmo normativo.
7. Dentro dos limites legais que balizam a sua actuação, a Recorrente tão só demandou para admissão ao concurso os requisitos habilitacionais que a lei permita que se exijam.
8. A Recorrente não prejudicou, assim, o nível de exigência que se pretendeu constituir, não estabeleceu restrições à concorrência, não condicionou ou prejudicou o aparecimento de um maior número de propostas,
9. Pelo que se impõe considerar afastada eventual suspeita de repercussão negativa no resultado financeiro do contrato,
10. Por conseguinte, salvo o devido respeito por melhor opinião, consideramos que os factos que conduziram à recusa de visto, assentes no entendimento de a Recorrente violar os dispositivos legais que resultam do art.º 31.º do Dec.-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, foram incorrectamente valorados, uma vez que não há invalidade alguma que prejudique os actos administrativos praticados em sede do presente procedimento.
11. A factualidade que susteve a convicção da decisão a quo não tem correspondência com os circunstancialismos factuais inerentes ao procedimento concursal.
12. Em boa verdade, não podia a decisão do Tribunal "a quo" avocar ao procedimento qualquer consequência jurídica, mas decidir pelo visto do presente contrato.

b) Aberta Vista ao Ministério Público, o ilustre Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido.

c) Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO


Ao longo do acórdão recorrido, também objecto do presente recurso, considerou-se estabelecida, com relevância para a análise em curso, a factualidade inserta no introito desse acórdão e ainda a seguinte:
a) O contrato em apreço foi precedido da realização de concurso público que, por seu turno, foi autorizado pelo Conselho Directivo da recorrente mediante deliberação tomada em 28.01.2008 e devidamente publicitado em D.R. II Série, de 28.07.2008;
b) A empreitada em apreço subordina-se ao regime de preço global;
c) O preço-base da empreitada foi inicialmente fixado em €1.300.000,00;
d) A Consignação da obra ocorreu em 01.07.2009, sendo que o respectivo prazo de execução se estende por um período de 365 dias;
e) O critério de adjudicação, ainda de acordo com o Programa do Concurso [vd. ponto 21], contempla a ponderação do factor "preço" em percentagem de 70% e do factor "valia técnica da proposta" em percentagem de 30%;
f) No domínio do Programa de Concurso [vd. 6.2], e relativamente às habilitações dos concorrentes, foi exigida a detenção de alvará de empreiteiro geral ou construtor geral de edifícios de construção tradicional, 1.ª categoria, em classe correspondente ao valor da proposta;
g) Ainda no ponto 6.2 do Programa de Concurso em apreço exige-se, em alternativa à habilitação referida em f), a 4.ª subcategoria da 1.ª categoria, na classe correspondente ao valor da proposta e 1.ª, 5.ª, 6.ª, 8.ª e 9.ª subcategorias da 1.ª categoria na classe correspondente à parte dos trabalhos a que respeitam, para além das 1.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª subcategorias da 4.ª categoria, na classe correspondente à parte dos trabalhos a que respeitam, caso o empreiteiro não recorra à faculdade prevista no ponto 6.3 do programa de concurso;
h) A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., foi objecto de recomendações deste Tribunal em matéria de exigências habilitacionais apresentadas aos concorrentes e no âmbito de concursos de empreitadas de obras públicas e veiculadas mediante os Acórdãos n.os 333/06, de 22.11, 335/06, de 22.11, 349/06, de 05.12, 359/06, de 21.12, e Decisão n.º 591/2007, de 05.07.2007.

III. O DIREITO


Analisado o acórdão sob recurso, cedo se intui que a recusa do visto ao contrato em apreço se fundou na violação do disposto no art.º 31.º, n.os1 e 2, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01, pois, conforme aí se sustenta ao terem sido exigidas as habilitações reportadas à detenção de alvará de empreiteiro geral ou construtor geral de edifícios de construção tradicional, impediu-se que um empreiteiro detentor de alvará numa única subcategoria correspondente ao tipo de trabalhos mais expressivo [em classe correspondente ao valor global da proposta] pudesse candidatar-se à adjudicação e, mais previamente, opôr-se ao correspondente concurso.
Ou seja, e convocando aqui o entendimento vertido em Parecer deduzido pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, o acórdão recorrido advoga que, ao não ter sido exigida a condição ou pressuposto constante do art.º 31.º, n.º 1, se propiciou, objectivamente, numa clara restrição no plano da concorrência.

1. Ao longo das alegações de recurso [matéria que, saliente-se, não se mostra adequadamente sintetizada em conclusões extraídas a final], a recorrente persiste em entender que as habilitações técnicas exigidas no presente concurso não conduz a alguma limitação do universo concorrencial, "estando assegurada a exigência básica contida no art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01".
Para além disso, e de relevante, a recorrente considera que a tramitação do procedimento concursal em apreço não altera o resultado financeiro do contrato, sendo, assim, seguro que a decisão "a quo" se apoia em factualidade não conforme com a realidade.

Urge conhecer das questões ora elencadas. 

a) Da exigibilidade e verificação de habilitações

O art.º 31.º, n. ºs 1 e 2, do Decreto-Lei Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, sob a epígrafe "Exigibilidade e Verificação de Habilitações", dispõe o seguinte: 

1. Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.

2. A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior.

A melhor interpretação das normas ora transcritas, aliás, na esteira de abundante e uniforme jurisprudência(1) deste Tribunal, impõe, como bom entendimento, o seguinte:

§ Caso o dono da obra exija apenas os requisitos indicados no n.º 1, do mencionado art.º 31.º, não violará alguma normação referente às habilitações exigidas a empreiteiros;

§ Exigindo, tão-só, as habilitações técnicas indicadas no n.º 2, do art.º 31.º, violará o disposto no n.º 1, desta mesma norma (art.º 31.º);

§ Prevendo-se no programa de concurso a possibilidade de os empreiteiros com a habilitação mencionada no n.º 1, do art.º 31.º e bem assim os empreiteiros possuidores da habilitação referida no n.º 2, de igual norma, poderem concorrer, não ocorrerá a violação de algum dispositivo legal regulador das habilitações exigidas aos empreiteiros;

§ E, por último, caso o dono da obra, em procedimento próprio, exigir mais do que uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, ou, de modo cumulativo, exigir ainda os pressupostos previstos nos n.ºs 1 e 2, da citada norma, violará o n.º 1, desta.

Eis, em resumo, o sentido extraído da literalidade da norma (art.º 31.º) acima transcrita e que, adiante, influenciará, necessariamente, a componente dispositiva do presente acórdão.
Ora, atento o teor das exigências referentes a habilitações técnicas, insertas no programa de concurso, e a que se reportam as als. f) e g), do probatório, cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido, revela-se clara a violação da norma contida no art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01.
Na verdade, ao não terem sido exigidas habilitações, traduzidas numa única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, a adjudicante não deu cumprimento à injunção contida na referida norma, ou seja, do citado art.º 31.º. do Decreto-Lei n.º 12/2004.
Inerentemente, é ainda seguro afirmar-se que a ilegalidade ora enunciada condiciona (reduzindo), inequivocamente, o universo de eventuais candidatos ao concurso, facto que assume particular importância em procedimentos com tal natureza.

b) Do Resultado Financeiro do Contrato

Conforme se sustenta no domínio do acórdão recorrido, não resulta dos autos que da violação do disposto no art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01, acima demonstrada, tenha resultado a alteração efectiva do resultado financeiro do contrato.
Porém, mostra-se claro que a referida ilegalidade, ao potenciar a restrição do universo concorrencial dos oponentes ao concurso, é susceptível de alterar o referido resultado.
E, a propósito, convirá lembrar que a expressão "Ilegalidade que...possa alterar o respectivo resultado financeiro", contida no art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, não deverá ser entendida no sentido de o legislador ter exigido a efectiva alteração do resultado financeiro do contrato, mas que aquela se basta com o mero perigo ou a eventual possibilidade de tal alteração vir a ocorrer.

c) Da Apreciação da Prova

Ao longo das alegações, a recorrente, ainda que "conclusivamente", afirma que o acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação do probatório.
Como é sabido, o conceito de "erro notório na apreciação da prova" ocorre quando se dão por provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, seriam de verificação impossível ou sejam infirmados por documentos que façam prova plena.
Por outro lado, o invocado erro notório na apreciação da factualidade fixada no acórdão recorrido, só pode traduzir-se no sentido extraído da factualidade disponível e na identificação da normação aplicável.
Ora, adentro da explicitação conceptual atrás referida, e do confronto desta com o acervo documental junto ao processo, não se vislumbra, por um lado, que a factualidade fixada no acórdão recorrido padeça de insuficiente suporte e, por outro, que, no âmbito deste mesmo aresto, se tenha desvirtuado a normal significação da materialidade apurada e haja indevida convocação das normas aplicadas.

2. Do Visto

Segundo o art.º 44.º, n.º 3, da Lei n.º 98/97, de 26.08, constitui fundamento da recusa do visto a desconformidade dos actos, contratos e demais instrumentos referidos com as leis em vigor que implique:

§ Nulidade;

§ Encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação directa de normas financeiras;

§ Ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro. 

A ilegalidade evidenciada no procedimento e melhor enunciada em III. 1, desta peça processual, não integra alguma nulidade, por não identificação da mesma com os actos administrativos elencados no art.º 133.º, do C.P.A., e que são geradores de tal forma de invalidade.
Daí que a ilegalidade em apreço, traduzida na violação do disposto no art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 19.01, determine, tão-só, a anulabilidade dos actos em que se materializa [vd. art.º 35.º, do C.P.A.].
Não se vislumbram encargos sem cabimento em verba orçamental própria, nem se evidencia a violação directa de alguma norma financeira [vd., ainda, o art.º 44.º , n.º 3, al. b), da Lei n.º 98/97, de 26.08].
Porém, tal como já sublinhámos, a violação do art.º 31.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 09.01, configura uma ilegalidade que é susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato. E esta constitui fundamento de recusa do visto - vd. art.º 44.º, n.º 3, al. c), da Lei n.º 98/97, de 26.08.
Retenha-se, por último, que a recorrente já foi objecto de Recomendações deste Tribunal no domínio de exigências habilitacionais e veiculadas mediante os Acórdãos n.os333/06, de 22.11, 335/06, de 22.11, 349/06, de 05.12, 359/06, de 21.12 e ainda através da Decisão n.º 591/2007, de 05.07.

Neste contexto, de facto e de direito, inexiste motivo para alterar o aresto recorrido.

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso, mantendo-se o acórdão recorrido.
Emolumentos legais.
Registe e notifique.
Lisboa, 27 de Abril de 2010 

Os Juízes Conselheiros, - (Alberto Fernandes Brás - Relator)

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(1) Acd. N.ºs 25/2009, de 29/06, 1.ª Secção/PL, 33/09-14/07 - 1.ª Secção /PL e n.º 2/2010, de 17/02, 1.ª Secção/PL, entre outros).