Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de Abril de 2011 (proc. 7359/11)

Imprimir

Sumário:

I - Estando explicitados os motivos de discordância da sentença recorrida, considera-se que a recorrente a impugna mesmo quando mantém, nas alegações do recurso jurisdicional, a posição vertida na petição inicial, pois não é exigível que ele "invente" argumentos novos para defender a tese jurídica que sustentara na 1ª instância.

II - Os parâmetros base que vinculam as propostas podem dizer respeito a quaisquer aspectos da execução do contrato e devem ser definidos através de limites mínimos ou máximos que constituem a base a partir da qual funciona a concorrência.

III - Se o Caderno de Encargos de um concurso público para fornecimento de alimentação não fixou um valor mínimo de encargos com pessoal, não poderia a proposta da adjudicatária ser excluída ao abrigo da al. b) do nº 2 do art. 70º do C. Contratos Públicos.

IV - E, não tendo sido demonstrado que a proposta da adjudicatária não apresentava os encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal para o período do serviço a prestar, também não poderia ela ser excluída com fundamento na al. f) do referido art. 70º, nº 2.

 

Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. A "G........ Companhia ..............., SA", com sede na Rua da Garagem, nº 10, freguesia de ............, concelho de Oeiras, inconformada com a sentença do T.A.F. de Sintra, que julgou improcedente a acção de contencioso précontratual que intentara contra o Município de Oeiras, dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
"1ª.) Não tem aplicação ao caso em apreço o regime do preço anormalmente baixo previsto no art. 71º. do C.C.P.;
2ª.) Porém, existem outras causas que determinam a exclusão da proposta da "Uniself", ainda que esta não apresente um preço anormalmente baixo nos termos do disposto no art. 71º. do C.C.P.;
3ª.) O Caderno de Encargos exige que as refeições sejam fornecidas quer no período lectivo (180 dias), quer nos períodos de interrupção lectiva (50 dias) (cláusula 2ª. nos 2 e 3 do Caderno de Encargos e Esclarecimentos prestados pelo Júri);
4ª.) O quadro de pessoal estabelecido na cláusula 40º. do Caderno de Encargos tem que estar ao serviço durante 230 dias e, consequentemente, ser remunerado;
5ª.) Os Encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal têm que ser determinados e suportados durante 230 dias;
6ª.) Se o preço proposto não é suficiente para suportar os encargos legais mínimos obrigatórios com o pessoal exigido pelo Caderno de Encargos durante 230 dias, das duas uma
Ou o concorrente não vai cumprir o quadro de pessoal exigido pela cláusula 40ª. do Caderno de Encargos, violando este aspecto da execução do Contrato não submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos, o que constitui causa de exclusão da proposta prevista no art. 70º. nº 2 al. b) do CCP;
Ou o concorrente não suporta os encargos legais obrigatórios mínimos com o quadro de pessoal que irá afectar à prestação dos serviços, incumprindo a legislação laboral, o que constitui a causa de exclusão da proposta prevista no art. 70º. nº 2 al. f) do CCP;
7ª.) Assim, qualquer proposta que não apresenta encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal para o período do serviço a prestar (180+50 dias) x 3 anos), terá, obrigatoriamente e para cumprimento da disposição do art. 70º. nº 2 als. b) e f) do CCP, que ser excluída;
8ª.) A proposta da "U........." não apresenta um valor de encargos com pessoal que lhe permita suportar os encargos legais obrigatórios mínimos correspondentes a 230 dias;
9ª.) As médias diárias de refeições a servir durante o ano lectivo (180 dias) estão indicadas nos anexos A, B e C do Caderno de Encargos;
10ª.) Para os períodos de interrupções lectivas (50 dias), o Caderno de Encargos não indica o número de refeições a servir, estabelecendo que a Câmara Municipal de Oeiras indicará esse número ao adjudicatário com uma antecedência mínima de 10 dias úteis (cfr. cláusula 2ª. do Caderno de Encargos e Esclarecimento);
11ª.) A média diária de refeições a servir para o grupo de escolas A (Escolas com serviço de confecção local) é de 2962, o que dá uma média anual de refeições de 533.160 (multiplicando 2962 por 180 dias);
12ª.) A média diária de refeições a servir para o grupo de escolas B (Escolas com serviço de refeições transportadas) é de 1032, o que dá uma média anual de refeições de 185.760 (multiplicando 1032 por 180 dias);
13ª.) Para o grupo de escolas A, a "U............" apresenta encargos com pessoal no valor de 60.327,38 €/mês e uma incidência no preço por refeição de 1,02 € (cfr. proposta da "U.........");
14ª.) Para o grupo de escolas B, a "U........." apresenta encargos com pessoal no valor de 18.834,10 €/mês e uma incidência no preço por refeição de 0,91 € (cfr. proposta da "U..........");
15ª.) Que a "U.........." não apresenta um valor de encargos com pessoal que lhe permita suportar os encargos obrigatórios correspondentes a 230 dias úteis, é demonstrado através do seguinte exercício:
I. Multiplicando o valor da incidência dos encargos com pessoal indicado pela U.......... na sua proposta pela média anual de refeições a servir, obtemos o valor anual dos encargos com o pessoal:
Grupo A
1,02 € x 533.120 = 543.823,20 €
Grupo B
0,91 x 185.760 = 169.041,60 €
II. Dividindo o valor anual dos encargos com pessoal pelo valor mensal dos encargos indicados pela "U......." na sua proposta, obter-se-á apenas 9 meses de custo com o pessoal:
Grupo A
543.823,20 € : 60.327,38 € = 9,01 meses
Grupo B
169.041,60 € : 18.834,10 € = 8,97 meses
16ª.) O que torna evidente a ausência de previsão de custos com pessoal para todo o período de fornecimento;
17ª.) Com efeito, e resultando da cláusula 2ª. do Caderno de Encargos e do Esclarecimento que o fornecimento abrange quer o período lectivo quer os períodos de interrupções lectivas, com excepção do mês de Agosto, há que considerar 10,7 meses de fornecimento (230 dias úteis: 21,5 dias úteis (mês = 10,7 meses) durante os quais o quadro de pessoal estabelecido na cláusula 40ª. do Caderno de Encargos tem que estar ao serviço e, consequentemente, ser remunerado;
18ª.) A "U..........", para calcular o preço global que se obrigou a cobrar pela totalidade do serviço considerou apenas e tão só 180 dias de funcionamento por ano lectivo e os inerentes encargos com o pessoal, ou seja, não considerou os 50 dias de interrupção lectiva e os encargos com o pessoal relativos a estes 50 dias;
19ª.) Pelo que, contrariamente ao entendido na sentença recorrida, a "G.........." efectivamente demonstrou que o preço total proposto pela "U............" é insuficiente para fazer face aos encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal relativos a todos o período em que serão fornecidas refeições;
20ª.) Violando a proposta da "U........." as cláusulas 1ª. do Programa do Concurso, 2ª e 40ª. do Caderno de Encargos e o Esclarecimento do Júri, a mesma devia ter sido excluída nos termos das als. b) e f) do nº 2 do art. 70º. do CCP;
21ª.) Deverá ser anulada a deliberação de 14/7/2010 da Câmara Municipal de Oeiras que adjudicou à "U........." o fornecimento de alimentação objecto do Concurso público nº 88/10/DCP (art. 135º. do CPA);
22ª.) E a reposição da legalidade exige a exclusão da proposta da "U..........." e a ordenação em 1º. lugar da proposta da "G.......", com a consequente adjudicação à "G......" dos serviços objecto do concurso em apreço;
23ª.) Sendo o critério de adjudicação o do mais baixo preço, e tendo a proposta da "G.........." ficado ordenada em 2º. lugar com o segundo preço mais baixo, da exclusão da proposta da "U........." resulta "ipso facto" a ordenação proposta da "G.........." em 1º. lugar, por ter o preço mais baixo;
24ª.) Devendo, pois, a entidade demandada ser condenada a praticar o acto de exclusão da proposta da "U..........." e o acto de adjudicação à "G........." dos serviços objecto do presente concurso;
25ª.) Assim, a douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou as cláusulas 1ª. do Programa do Concurso, 2ª. e 40ª. do Caderno de Encargos, o Esclarecimento do Júri, e a disposição do art. 70º., nº 2, als. b) e f) do CCP;
26ª.) Em conclusão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a decisão recorrida ser substituída por outra que considere a acção procedente e, em consequência, anule o acto de adjudicação e o contrato celebrado, condene o R. a excluír a proposta da "U.........." e a adjudicar à "G.........." o serviço objecto do identificado concurso, com o que se fará Justiça!".

Nas respectivas contraalegações, tanto o Município de Oeiras como a "U.......... Sociedade ...................., S.A." concluíram pela improcedência do recurso.

O digno Magistrado do M.P., notificado nos termos do art. 146º. do CPTA, não emitiu parecer.
Sem vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2.1. A matéria de facto pertinente é a que foi considerada provada na sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos do nº 6 do art. 713º. do C.P. Civil.

2.2. A ora recorrente, na acção que intentou ao abrigo dos arts. 100º. e segs. do CPTA, pediu a anulação da deliberação, de 14/7/2010, da Câmara Municipal de Oeiras que adjudicara à "U.........." o fornecimento de alimentação objecto do concurso público nº. 88/10/CP e a condenação do Município de Oeiras a abster-se de celebrar o contrato com a "U.........", excluindo a proposta desta e adjudicando-lhe o serviço em causa.
Para o efeito invocou que, por força do disposto nas als. b) e f) do nº 2 do art. 70º. e da al. m) do nº 2 do art. 146º do Código dos Contratos Públicos (CCP), a proposta da "U.........." deveria ter sido excluída do concurso por apresentar atributos que violam os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos, por o contrato a celebrar implicar a violação de vinculações legais e regulamentares aplicáveis e por o concorrente ter prestado culposamente falsas declarações.
A sentença recorrida, entendendo que não foi fixado um parâmetro relativo a um valor mínimo de encargos com o pessoal, considerou que não poderia concluir-se que a proposta da "U.........." apresentava atributos violadores de parâmetros base fixados no Caderno de Encargos que determinassem a sua exclusão nos termos da al. b) do citado art. 70º, nº 2. E porque a recorrente se limitara a tentar demonstrar que o cálculo efectuado pela U........teve por base apenas 180 e não 230 dias, não se poderia concluír que o valor indicado pela "U........." não lhe permitiria cumprir com os encargos obrigatórios com pessoal e que o contrato celebrado violaria vinculações legais ou regulamentares. Finalmente, os factos alegados não permitiriam concluír pela violação dos princípios da igualdade e da concorrência, nem que a "U........." prestara culposamente falsas declarações, quando esclareceu o júri que o valor global da sua proposta teve em consideração a média de refeições definida no Caderno de Encargos e o número de 230 dias.
Como decorre das conclusões da alegação da recorrente que delimitam o âmbito de cognição do presente recurso jurisdicional , esta apenas contesta o entendimento da sentença quando julgou que não se verificavam as causas de exclusão da proposta da "U..........." previstas nas als. b) e f) do nº 2 do art. 70º. do C.C.P.
E se é certo que, no essencial, ela mantém a posição vertida na petição inicial não se pode daí inferir que, como pretende o recorrido Município, não ocorre uma impugnação da sentença que teria como consequência que não se conhecesse do objecto do recurso jurisdicional. É que, estando explicitados os motivos de discordância da sentença, não é exigível que a recorrente "invente" argumentos novos para defender a tese jurídica que sustentara na 1ª. instância, sabido que a função do Tribunal de recurso é a de reapreciar a questão que naquela fora colocada (cfr., neste sentido, o Ac. do STA de 29/9/99 Rec. nº. 34604).

Vejamos então se é de manter o entendimento da sentença.
Nos termos do art. 70º., nº. 2, do C.C.P., "são excluídas as propostas cuja análise revele:
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nos 4 a 6 e 8 a 11 do art. 49º.;
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis"
Os parâmetros base fixados em cláusulas do caderno de encargos que vinculam as propostas podem dizer respeito a quaisquer aspectos da execução do contrato e devem ser definidos através de limites mínimos ou máximos que constituem a base a partir da qual funciona a concorrência cfr. nos 3, 4 e 5 do art. 42º. do C.C.P.
No caso em apreço, se foram estabelecidos parâmetros base quanto ao número e à categoria dos trabalhadores em serviço em cada refeitório das escolas e quanto ao valor atribuído para a componente de matériaprima alimentar, que não poderia ser inferior a 35% do preço global unitário por refeição (cfr. cláusulas 6ª., nº 7, do Programa do Procedimento corrigida nos termos que constam da al. F) dos factos considerados provados pela sentença e 40ª. do Caderno de Encargos), já o mesmo não sucedeu quanto às despesas com o pessoal onde não foi fixado qualquer valor mínimo.
Assim, com fundamento na transcrita al. b) do nº 2 do art. 70º., não poderia ser excluída a proposta da "U........".
Alega ainda a recorrente que teria necessariamente de ser excluída qualquer proposta que não apresentasse encargos legais obrigatórios mínimos com o pessoal para o período do serviço a prestar, estando nessa situação a proposta da "U........" que apresentava um valor de encargos com pessoal que não era susceptível de suportar os encargos legais obrigatórios mínimos para o período de 230 dias (correspondente à soma dos 180 dias do período lectivo com os 50 dias do período de interrupção lectiva).
Como já referimos, a sentença negou a verificação desta ilegalidade, por a recorrente não ter demonstrado que o montante indicado pela "U........" não lhe permitia fazer face aos encargos obrigatórios com o pessoal nem identificado as vinculações legais e regulamentares aplicáveis que seriam violadas, dado que o facto de a proposta daquele ter por base apenas 180 dias é insuficiente para que se possa concluír pela ocorrência de tal ilegalidade.
Ora, neste aspecto, a sentença terá de ser confirmada, pois a recorrente, no presente recurso, nada acrescentou ao que havia alegado na petição inicial, continuando sem demonstrar a mencionada insuficiência e sem identificar as referidas vinculações.
Assim sendo, terá de improceder o presente recurso jurisdicional.

3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 28 de Abril de 2011
as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo (em substituição).