Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de Janeiro de 2011 (proc. 7039/10)

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Sumário:

1. O preço base fixado no caderno de encargos significa que a entidade adjudicante determinou o limite máximo "que se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações" objecto do contrato - cfr. artº 47º nº 1 a) CCP.
2. O documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto "quando esse preço resulte, directa ou indirectamente das peças do procedimento" tem a natureza de documento constitutivo obrigatórios da proposta -cfr. artº 57º nº 1 d) CCP.
3. Configura caso de exclusão a proposta que apresente um preço total anormalmente baixo e "cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados" pelo concorrente - cfr. artº 146º nº 2 d) e o) CCP.

 

Texto Integral:

P..-P... - Soluções Empresariais .................., SA e Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP, IP), ambos com os sinais nos autos, inconformados com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, dela vêm recorrer, concluindo como segue:

A - Recurso da P...-P....- Soluções Empresariais de ....................., SA:

A. A ora Recorrente não se conforma a sentença recorrenda na medida em que considera que a anulação do acto de exclusão - por violação do artigo 71°, n° 3 CCP e dos princípios da proporcionalidade, igualdade, boa-fé e transparência (constante da pag. 13 da sentença, último parágrafo) - decorre de um flagrante erro de Direito sobre o alcance das disposições legais e concursais aplicáveis à situação material controvertida.
B. Concretamente. a ora Recorrente contesta o pressuposto de Direito de que a fixação do preço base nas peças contratuais, associada aos critérios de pontuação e adjudicação estabelecidos no programa de concurso, não corresponde directa ou indirectamente à indicação do preço que é considerado anormalmente baixo.
C. De facto, o preço anormalmente baixo relativamente a este Concurso resulta inequivocamente da conjugação da norma do PC que fixa o preço base com o critério legal supletivo previsto no art. 71° nº l do CCP, sendo essa uma forma perfeitamente aceite pela lei e pela doutrina de apuramento do valor do preço anormalmente baixo.
D. Por mera aplicação do critério supletivo do artigo 71° n° l CCP à situação sub judice, verifica-se que o júri do Concurso estava vinculado a considerar como anormalmente baixo o preço apresentado pela ora Recorrida, por este representar 50% do valor desse preço base fixado no PC, não gozando de qualquer margem de livre apreciação sobre essa questão.
E. Consequentemente, a sentença recorrenda errou no seu juízo de Direito sobre esta questão, merecendo ser revista.
F. A ora Recorrente contesta, igualmente, o pressuposto de Direito de que o modelo de avaliação de propostas que integra o programa de concurso afastou o critério supletivo do artigo 71°, n° l do CCP.
G. Na verdade, o modelo de avaliação de propostas que integra o PC nunca poderia corresponder a uma forma válida de afastar tacitamente a aplicação do critério supletivo do art. 71° n °l CCP.
H. Já que, de acordo com o estabelecido no art. 71° n° l CCP, o afastamento do critério supletivo de "preço anormalmente baixo" só verifica nas situações do disposto no n° 3 do artigo 115°, n.° 2 do artigo 132° e n° 3 do artigo 189° do CCP.
I. Caso o PC autovinculasse o Júri a não excluir a Proposta da Autora com fundamento em preço anormalmente baixo, não só estaria a violar a lei - o disposto no artigo 71° n° l CPP - como os princípios gerais da contratação pública.
J. O argumento da sentença recorrenda, de que a valoração com 100 pontos das propostas de valor igual ou inferior a 700 000,00 traduzia um compromisso de não excluir as propostas de valor enquadrável, à partida, como "anormalmente baixo"', é completamente desprovido de razoabilidade.
K. De facto, o modelo de avaliação das Propostas tinha de enquadrar formas de pontuação desse tipo de propostas para o caso de os seus proponentes justificarem tais preços nos termos do disposto no art. 57° n° l d) CCP e de o Júri aceitar tais justificações.
L. É com base nessa previsão legal que, caso a ora Recorrida tivesse apresentado justificações procedentes do seu preço, a sua Proposta teria sido aceite e necessariamente valorada com 100 pontos.
M. Note-se que os princípios conformadores da actividade administrativa actuam como limites imanentes da margem de livre decisão administrativa, não sendo operativos em casos de actividade vinculada por lei, como é o caso da actividade de avaliação de propostas do Júri de um Concurso Público.
N. Consequentemente, é, igualmente, errado o pressuposto de Direito em que se baseia a sentença recorrenda de que "(..) o modelo de avaliação de propostas que integra o programa de concurso afastou o critério supletivo do artigo 71º, nº 1 do CCP, sob pena de se ferir os princípios de boa fé e transparência" (cfr. quinto parágrafo da pag. 13 da sentença recorrenda).
O. A ora Recorrente contesta, igualmente, o pressuposto de Direito de que no caso em apreço não era exigível à Autora apresentar esclarecimentos justificativos do preço logo com a proposta (cfr. terceiro parágrafo pag. 10 da sentença recorrenda).
P. Este entendimento contraria directamente o disposto no art. 57° n° l, al. d) do CCP e não encontra o mínimo de suporte legal, traduzindo uma liberdade de criação jurídica que apenas ao legislador compete.
Q. A ora Recorrente contesta, igualmente, o pressuposto de Direito de que antes de excluir a proposta da A. teria o júri, nos termos do art. 71° n° 3 do CCP, de solicitar à A. que prestasse esclarecimentos justificativos do preço apresentado (cfr. quarto parágrafo da pág. l0 da sentença recorrenda).
R. Esta afirmação contraria de modo inconciliável o pressuposto, que a própria sentença anteriormente proclama no terceiro parágrafo da pag. 14., de que o Réu afastou o critério do preço anormalmente baixo do artigo 71°, n° l, do CC.
S. Para além de ininteligível, este raciocínio parte de um erro de Direito sobre o sentido e alcance da norma decorrente do art. 71° n° 3 CCP, ou seja, de que esta norma se aplica nos casos em que foi fixado preço base e, por conseguinte, é possível determinar-se o valor do preço anormalmente baixo por aplicação do art. 71° n° 3 CCP.
T. De facto, caso o artigo 71° n° 3 do CCP fosse aplicado de modo a permitir obter elementos que a al. d) do art. 57° n° l do CCP obriga a que os Concorrentes entreguem logo com a Proposta, esta última norma jurídica seria absolutamente inútil, pois o incumprimento da exigência de esclarecimento voluntário do preço não teria qualquer consequência negativa para o incumpridor.
U. Tal resultado prático não pode corresponder à racionalidade própria do legislador, devendo, por isso, a interpretação da Ré ser mantida por ser aquela que melhor concretiza a aplicação do art. 9° do Código Civil, segundo o qual "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
V. É unânimemente defendido pela doutrina portuguesa que a obrigação de pedir esclarecimentos, prevista no art. 71º nº 3 CCP, terá apenas aplicação nos casos em que não tenha sido fixado preço base.
W. Consequentemente, a não apresentação de esclarecimentos com a Proposta permite A imediata exclusão da proposta ex vi do art. 70° n° 2 e) CCP.
X. Para além de contestar os supra referidos pressupostos de Direito, a Recorrente invoca a nulidade da parte da sentença que considera a audiência prévia e a pronúncia em sede de recurso hierárquico da Autora (relativamente ao acto de exclusão da sua proposta) como concretizadoras de finalidades distintas da prestação de esclarecimentos prévios à exclusão que decorre do artigo 71° n° 3 CCP (cfr. primeiro parágrafo da pag. 12 da sentença recorrenda).
Y. A sentença em causa não especifica os fundamentos de facto e de Direito que justificam essa decisão, tornando-se assim impossível apreender as razões pelas quais o juiz desconsiderou totalmente os argumentos aduzidos pela ora Recorrente nos artigos 44° e seguintes da sua Contestação, razão pela qual é parcialmente nula à luís do disposto no artigo 668° n° l b) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo l.° CPTA.
Z. Por fim, a Recorrente invoca o carácter contraditório da parte da sentença que condena o Réu a solicitar esclarecimentos à Autora sobre o preço constante da sua proposta e, simultaneamente, considera que na sequência da apreciação dos esclarecimentos prestados, o Réu não poderá vir a excluir a proposta da Autora com fundamento em preço anormalmente baixo (cfr, segundo a quinto parágrafo da pag. 14 da sentença recorrenda).


B - Recurso do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP, IP):

1. A douta sentença recorrida labora numa errada interpretação e aplicação das disposições legais e dos princípios jurídicos aplicáveis, bem como no equívoco subjacente ao fundamento do acto de exclusão da proposta da A.
2. Na verdade, ao contrário do que pressupõe a douta sentença recorrida, de modo equívoco, o acto de exclusão da proposta da A. não se fundamenta na consideração de que o seu preço é anormalmente baixo, mas sim de que viola o disposto no art° 57°, n° l, al. d) do CCP, proposta que não se apresenta instruída com os esclarecimentos justificativos do preço.
3. Salvo o devido respeito, não se pode aceitar o entendimento de que a aplicação de um dos factores de adjudicação derroga os comandos injuntivos de duas disposições do CCP, a saber, o art° 57°, n° l, al. d) e o art° 71 °, n° l, al. b).
4. Ou seja, na falta de indicação no programa do concurso do valor a partir do qual o preço da proposta é considerado anormalmente baixo, o critério objectivo ínsito no referido art° 71°, n° l, al. b) é vinculativo e tem de ser observado, não sendo susceptível de ser afastado pelo modelo de avaliação de propostas previsto nas peças concursais.
5. Não é, pois, legítimo afirmar que o modelo de avaliação constante do Programa do Concurso afastou o critério objectivo estabelecido imperativamente na lei para as situações em que há preço base fixado, como é o caso dos autos.
6. De resto, a pontuação prevista para as propostas que, segundo o critério objectivo do art° 71°, n° l, al. b) do CCP, teriam de ser consideradas, à partida, como tendo um preço anormalmente baixo, tem de ser entendida, naturalmente, como aplicável apenas àquelas que passassem o crivo da apreciação das justificações apresentadas pelos concorrentes nos termos exigidos no art° 57°, n° l, al. d) do CCP.
7. Não existe, pois, justificação plausível para a douta sentença considerar que a A. não se encontrava vinculada à observação do disposto no art° 57°, n° l, al. d) do CCP, sob pena de exclusão da sua proposta, nos termos previstos no art° 70°, n° 2, ai. e) do mesmo diploma.
8. Ao contrário do defendido na douta sentença recorrida, da correcta interpretação conjugada do disposto nos art°s. 57°, n° l, al. d), 70°, n° 2, al. e) e 71°, n° l, al. b) do CCP, resulta que a falta de apresentação dos "esclarecimentos justificativos" do preço como documento da proposta - quando aquele deva ser considerado anormalmente baixo por força do disposto no art°71°n° l, al. b) - determina, inapelavelmente, à sua exclusão, sem que a lei preveja ainda, a solicitação, mais uma vez, desses esclarecimentos ao respectivo concorrente.
9. Nas situações em que se verifique a previsão do art° 71°, n° l, al. b) do CCP, como é o caso dos autos, e não obstante a falta da apresentação dos elementos justificativos do preço como documento da proposta, defender que esta ainda não pode ser excluída sem uma prévia solicitação desses esclarecimentos, representa atribuir ao respectivo concorrente uma vantagem comparativa em relação aos demais que apresentaram logo as suas propostas com tais elementos, pois estes são já do conhecimento daquele.
10. Ora, caso se admitisse a faculdade de um concorrente que não respeitou o disposto no art°57°, n° l, al. d) do CCP, de, após solicitação, prestar os esclarecimentos justificativos do preço depois de já conhecer tais elementos das outras propostas que os apresentaram como documentos destas, tal consubstanciaria uma evidente violação dos princípios da igualdade e da concorrência.
11. Também é erróneo e não pode colher o argumento da douta sentença recorrida de que "... não é proporcional excluir a proposta da A. por apresentar um valor inferior a outros concorrentes, nomeadamente ao concorrente que viu a sua proposta adjudicada, de l,1€, valor que também diverge em 0,1€ relativamente aos indicados 50% do preço base ...", já que parte da errada interpretação do disposto no art° 71°, n° l, al. b) do CCP.
12. Com efeito, tal entendimento do Tribunal a quo introduz no preenchimento da respectiva previsão daquela disposição legal (50% ou mais inferior ao preço base) um elemento subjectivo e discricionário que o legislador não consagrou, traduzido na liberdade do intérprete, apesar do preço de proposta ser 50% inferior ao preço base, entender se o valor divergente é de pouca monta ou não e, assim, poder não acatar a estatuição legal, não considerando o preço apresentado como anormalmente baixo.
13. A douta sentença recorrida, de igual modo, labora em erro manifesto de interpretação do art° 70° n° 2, al. e) do CCP, quando pretende que a exclusão da proposta por falta de apresentação dos esclarecimentos justificativos, exigida na al. d) do n° l do art° 57°, fica ainda condicionada e pressupõe a prévia solicitação dos mesmos.
14. Com efeito, o citado art° 70° em lado algum pressupõe a invocada prévia solicitação de esclarecimentos justificativos nos casos em que a proposta deva ser acompanhada dos mesmos nos termos dos art°s 71°, n° l, al. b) e 57°, n° l, al. d) do CCP.
15. A doutrina citada na douta sentença recorrida propugna precisamente em sentido contrário às considerações e ao decidido pela Meritíssima Juíza a quo, designadamente quando refere que "... por força da alínea d) do n° l do artº 57°, essa nota justificativa tem que integrar a própria proposta. Portanto, a disposição daquele n° 3 terá apenas aplicação nos casos em que não tenha sido fixado preço base, já que, se assim tiver sucedido, o proponente tem logo a possibilidade de concluir se a sua proposta é de preço anormalmente baixo: ou isso resulta do programa do procedimento ou do convite ou da aplicação do critério supletivo do n° 2 e, nesse caso, junta a respectiva nota justificativa" [sublinhado nosso].
16. Assim, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, o n° 3 do art° 71° do CCP tem apenas aplicação nos casos em que não tenha sido fixado preço base, ao invés do que sucedeu no Concurso dos autos, sendo, por isso, exigível à A. saber que a sua proposta apresentava um preço anormalmente baixo e que ainda tinha de instruí-la com a respectiva documentação relativa aos esclarecimentos justificativos desse preço.
17. A correcta interpretação sistemática do disposto no art° 71° do CCP também não se coaduna com a conclusão, vertida na douta sentença recorrida, de que o acto de exclusão da proposta da A. violou o n° 3 daquele preceito, já que este comando legal apenas se reporta às situações previstas no n° 2, e não, como vimos, ao n° l, o qual deve ser conjugado com o disposto na ai. d) do n° l do art° 57° do mesmo Código.
18. Ora, não só o n° 2 do art° 71°, ao prever uma situação diversa das contempladas no seu n° l, refere que a regra que estatui é para efeitos do disposto no número seguinte (n° 3), como também o seu n° 4 é muito claro em distinguir as duas situações passíveis de prestação de "esclarecimento justificativos" - nos termos do disposto na al. d) do n° l do art° 57° ou na situação do n° 3 e, portanto, com âmbito de aplicação distintos.
19. Constata-se, assim, a invalidade da conclusão da douta sentença recorrida no sentido de que o acto de exclusão da proposta da A. violou o disposto no art° 71°, n° 3 do CCP (aliás, a única disposição indicada na douta sentença como violada por aquele acto), pelo que não pode a decretada anulação do mesmo subsistir.
20. Sobre a violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da transparência e da boa fé, também imputada na douta sentença recorrida ao acto de exclusão da proposta da A., deve realçar-se, como supra já se referiu, que o fundamento da exclusão não consistiu em considerar o preço anormalmente baixo, mas sim, efectivamente, com base no disposto nos art°s 57°, n° l, al. e) e 70°, n° 2, al. e) ambos do CCP, na falta da junção dos "esclarecimentos justificativos" do preço anormalmente baixo apresentado, assim qualificado de acordo com o critério objectivo do art° 71°, n°l, al. b) daquele Código.
21. Acresce que o modelo de avaliação das propostas fixado no Programa do Concurso apenas é aplicado às propostas que não tenham preço anormalmente baixo, assim consideradas após análise dos justificativos apresentados com as mesmas (art° 57°, n° l, al. d) ex vi art° 71°, n° l, al. b), pelo que nenhuma circunstância permitia aos concorrentes presumirem qualquer derrogação do disposto no art° 71°, n° l, al. b) do CCP., sem prejuízo de sempre puderem solicitar os esclarecimentos pertinentes caso se suscitassem dúvidas, o que, de facto, não se verificou, quer pela A., quer por outro concorrente.
22. De modo que, não só se deve ter por inaceitável a tese sobre o pretenso afastamento do critério objectivo definido no art° 71°, n° l, al. b), como também deverá afirmar-se que nada permite ao intérprete e aplicador da lei desconsiderar tal critério, para efeitos de aplicação do disposto nos art°s 57°, n° l, al. d) e 70°, n° 2, al. e), todos do CCP.
23. Assim, face ao critério objectivo daquela disposição legal, a exclusão de uma proposta, cujo preço seja 50% inferior ao preço base fixado no Concurso e não contenha os respectivos esclarecimentos justificativos, nos termos do disposto nos art°s 57°, n° l, al. d), 70°, n° 2, al. e) e 71°, n° l, al. b) do CCP, não acarreta qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da transparência e da boa fé, ainda que exista apenas uma diferença de 1,1€ em relação ao preço da proposta adjudicada.
24. Daí que, sempre salvaguardando o devido respeito, ao contrário do que considera a douta sentença recorrida, também não ocorre a referida violação dos princípios concursais da proporcionalidade, da igualdade, da transparência e da boa fé por parte do acto de exclusão da proposta da A.
25. Em suma, ao decidir no sentido em que decidiu, com base numa errónea interpretação e aplicação das disposições legais e princípios concursais aplicáveis, a douta sentença recorrida viola o disposto nos art°s 57°, n° l, al. d), art° 70°, n° 2, al. e) e 71°, n°s l, al. b), 2, 3 e 4, todos do CCP, bem como os princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.


A Contra-Interessada ......................., SA ora Recorrida, contra-alegou, concluindo como segue:

A. Nada há a apontar à douta decisão ora sob censura, não procedendo os argumentos aduzidos pelos Recorrentes;
B. Quanto aos invocados erros de Direito da douta sentença recorrida: sendo o critério de aferição da "anormalidade" do preço constante do n° l do artigo 71° meramente supletivo em relação à possibilidade de a entidade adjudicante estabelecer um critério diferente no programa do concurso, verifica-se, no caso vertente, que no modelo de avaliação das propostas a entidade adjudicante classificava com o valor mais elevado as propostas de valor igual ou inferior a €700.000,00, assim afastando o critério supletivo;
C. Seria um absurdo que a uma proposta cujo preço, segundo o entendimento cios Recorrentes, se apresentasse como "normal", nunca pudesse ser atribuída a pontuação mais elevada no respectivo factor de avaliação, reservando-se tal pontuação a propostas que, apresentando um preço considerado como "anormalmente baixo", fossem, ainda assim, admitidas pelo júri;
D. A Entidade adjudicante, quando elaborou os documentos cio Concurso, esclareceu, à partida, que não seria considerado como anormalmente baixo aquele valor, facto que determinou na Recorrida a fundada convicção de que foi pretendido afastar o critério supletivo constante do nº 1 do artigo 71º do Código dos Contratos Públicos, admitindo-o logo como normal;
E. Nesta medida, e porquanto deverá ser entendido como afastado pela entidade adjudicante o critério supletivo de aferição do "preço anormalmente baixo", foi ilegal a exclusão da proposta da Recorrida, não sendo aplicável às propostas do valor em causa a obrigação de apresentação de justificação;
F. Sendo certo que não se estabelece no Programa do Concurso um valor exacto abaixo do qual já se considera o preço como "anormalmente baixo", a verdade é que, ao atribuir uma pontuação a uma proposta de preço de € 700.000,00, o Programa de Concurso fixou um valor que a Entidade adjudicante assumiu como não constituindo preço anormalmente baixo;
G. Quando no n° 2 do artigo 132° do Código dos Contratos Públicos se estabelece que o programa do concurso pode indicar, ainda que por referência ao preço base fixado no caderno de encargos, um valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado como anormalmente baixo, admite o legislador, por maioria de razão, e ao contrário do que resulta da argumentação dos Recorrentes, não apenas o estabelecimento de um preço específico aquela peça concursal, mas também outras soluções, como o seja a indicação de uma percentagem sobre valor base (hipótese expressamente contemplada no referido preceito) ou, como sucede no presente caso, na inclusão de uma disposição da qual resulte que considerará como "normal" determinada proposta de preço que, à luz do critério supletivo, seria tida como "anormal";
H. Ainda que assim não fosse, sempre se dirá o seguinte: se vale o entendimento, que não se subscreve, de que a menção efectuada na metodologia de avaliação das propostas não constituía forma de afastar o critério supletivo, então a questão colocar-se-á, não ao nível da validade da actuação da Recorrida - que, à luz do ali estabelecido, foi levada a entender que uma proposta de €700.000,00 não constituiria uma proposta de valor anormalmente baixo - , mas no domínio da validade da própria peça do concurso - que, assim, violaria o estabelecido no artigo 132°, n° 2, do Código, quanto à forma de definição do preço abaixo do qual se consideraria a proposta como anormalmente baixa (e cuja invalidade colocaria em causa o próprio concurso);
I. Daí não decorreria, contudo, que essa definição, embora "inválida", pudesse ser desconsiderada pelos concorrentes no momento da elaboração das propostas e que àqueles fosse legítimo substituírem-na por um critério supletivo (o definido no n° l do artigo 71°) que a Entidade adjudicante, valida ou invalidamente, inequivocamente afastou;
J. Face à tese da Recorrente, segundo a qual a douta decisão recorrida errou ao considerar que, caso não se considerasse que o modelo de avaliação de propostas afastou o critério supletivo no n.° l do artigo 71.° do Código dos Contratos Públicos, seriam feridos os princípios da boa fé e da transparência, cumpre lembrar que a violação dos princípios referida na douta sentença sob censura diz respeito ao entendimento, reflectido no acto de exclusão da proposta, segundo o qual a metodologia de avaliação das propostas não teria afastado o critério supletivo;
K. Sendo a decisão de afastar o critério supletivo, tomada no momento da elaboração das peças concursais, eminentemente discricionária, qualquer interpretação da actuação/intenção da entidade adjudicante no momento em que elaborou o Programa do Concurso, seja esta feita no âmbito de uma actuação vinculada ou no âmbito de actuação discricionária, poderá sempre ser analisada à luz dos mencionados princípios da actuação administrativa;
L. Conclui-se que a Entidade adjudicante afastou o critério supletivo estabelecido no n.° l do artigo 71.° do Código dos Contratos Públicos ou, no mínimo, ter a referência efectuada no modelo de avaliação das propostas induzido os concorrentes em erro quanto àquele que era o valor a partir do qual as propostas seriam consideradas de "preço anormalmente baixo", aparecendo a decisão de exclusão como contrária aos princípios da boa fé c da transparência;
M. No pressuposto de que o preço proposto pela Recorrida não consubstanciava, à luz do que havia sido estabelecido no Programa do Concurso, preço anormalmente baixo, nada haveria que esclarecer ou apresentar com a proposta;
N. E, ainda que seja outro o entendimento, sempre deveria aqui atender-se a e fazer aplicar o princípio da admissibilidade da irrelevância das vícios procedimentais dos particulares proponentes;
O. Pressupondo aquele princípio que nem todas as formalidades exigidas aos concorrentes são essenciais à validade da sua actuação e que, assim, nem todas as formalidades poderão determinar, em caso de preterição, a exclusão dos concorrentes quando essa exclusão apareça como uma consequência desproporcionada em relação à importância da formalidade preterida, nomeadamente, quando esta preterição decorra, como parece suceder, de uma menor clareza das normas procedimentais aplicáveis ou das pecas procedimentais que foram fornecidas pela entidade adjudicante, conclui-se, no presente caso, constituir a (pretensa) obrigação de, com a proposta, ser apresentada justificação de "preço anormalmente baixo", uma formalidade não essencial e não imediatamente excludente do concorrente;
P. Se a própria proximidade do valor médio das propostas apresentadas era, por si só, motivo justificativo cio preço das concorrentes excluídas - deste modo obtendo-se a finalidade pretendida pela obrigação de justificação do preço - , também o facto de a lei estabelecer, em momento procedimental posterior (n° 3 do artigo 71°), a possibilidade de o júri solicitar aos concorrentes que se encontrem naquelas circunstâncias a apresentação de justificação do preço, dessa forma se atingindo o mesmo objectivo pretendido quando, na alínea d) do nº l do artigo 57° do Código dos Contratos Públicos, é mencionada a justificação como elemento que constitui a proposta, permite ii conclusão de que a preterição daquela formalidade não se mostra impeditiva da efectiva consideração, pelo Júri, dos motivos que presidiram ii apresentação de determinada proposta de preço e que a exclusão do concorrente com aquele fundamento sempre se mostraria desproporcionada em relação à importância de uma formalidade que poderia ser repetida;
Q. Face à origem da preocupação com o "preço anormalmente baixo" no ordenamento jurídico português, é evidente que o entendimento do incumprimento da obrigação de apresentação de justificação do preço com a proposta como factor excludente do concorrente conduziria a uma distorção de resultados contrária ao espírito com que foi consagrado o conceito de "preço anormalmente baixo", implicando a grave desproporcionalidade daquela solução;
R. Assim, ainda que se conceba existir obrigação cia Recorrida de, neste caso, apresentar justificação com a sua proposta - obrigação que, corno se viu, inexiste -, eleve entender-se que (i) essa obrigação não faz precludir o dever constante cio nº 3 do artigo 71º do Código dos Contratos Públicos, encontrando-se o Júri sempre autorizado (e mesmo obrigado) a solicitai: a justificação aos concorrentes e que (ii) aquela formalidade deve considerar-se como irrelevante para a validade da posição do concorrente no concurso;
S. Por esta razão (e também porque cio Programa do Concurso decorria que o montante de €700.000,00 não era considerado um preço anormalmente baixo), não poderia o Júri do Concurso, desde logo, excluir a Recorrida sem que antes, e nos termos do nº 3 do artigo 71°do Código, a convidasse a prestar os esclarecimentos justificativos do preço proposto;
T. É inaceitável, face ao estabelecido no nº 3 do artigo 71°, perante a degradação da formalidade prevista na alínea d) do n° l do artigo 57° daquele Código em não essencial - e, evidentemente, nos casos, como o vertente, em que o preço apresentado não é, face ao estabelecido no Programa do Concurso, anormalmente baixo -, a interpretação segundo a qual a obrigação de ouvir o concorrente antes de o excluir com fundamento na apresentação de preço anormalmente baixo se esgota na possibilidade de apresentação de justificação logo com a proposta;
U. No caso vertente, em violação do nº 3 do artigo 71º, deliberou o Júri do Concurso propor, primeiro, e o Recorrente IEFP acolher, depois, a exclusão das propostas da Recorrida e de outras três concorrentes sem antes cumprir aquela formalidade, fundamentando a sua decisão, tão-só, no facto de a proposta apresentar um preço inferior, em 50%, ao preço base, e na circunstância de a sua proposta não integrar qualquer justificação;
V. A proposta não podia ser considerada, face ao Programa do Concurso, como de preço anormalmente baixo; e porque, mesmo que o Recorrido o considerasse, sempre deveria ser conferida à Recorrida a faculdade de ser ouvida em momento posterior ao da apresentação da proposta;
W. Sendo embora certo que, em determinadas circunstâncias, é desde logo possível aos concorrentes saber se a sua proposta apresenta um preço anormalmente baixo à luz do critério estabelecido no n° l do artigo 71º e imediatamente apresentar justificação para aquele facto, o n° 3 do mesmo artigo 71° não distingue, para efeitos de cumprimento da formalidade dele constante, entre os casos em caie os concorrentes apresentaram ou puderam apresentar com a sua proposta aquela justificação e os restantes, em que não podiam fazê-lo;
X. Nada na letra do referido preceito legal permite concluir que aquela formalidade pode ser preterida ou limitada quando for entendido pelo Júri que a justificação poderia ter sido apresentada, por iniciativa do concorrente, em momento anterior;
Y. Impõe-se, isso sim, não apenas a necessidade de ser ouvido o concorrente, mas que este seja ouvido (i) a solicitação do Júri/entidade adjudicante; (ii) por escrito; e (iii) em prazo adequado fixado para o efeito: a audição do concorrente para efeitos de pronúncia sobre o preço (anormalmente baixo) apresentado tem formalidades específicas, as quais deve o Júri respeitar;
Z. Este entendimento é reforçado face ao acima invocado princípio da admissibilidade da irrelevância dos vícios procedimentais [e à degradação do estabelecido na alínea d) do n° l do artigo 57º do Código dos Contratos Públicos em formalidade não essencial];
AA. Esta solução, aliás, é a mais compatível com o tipo de justificação que pode ser atendida pelo Júri nos termos cio nº 4 do mesmo artigo 71° e com os objectivos que norteiam os procedimentos de contratação, nos quais se procura o acesso do maior número de interessados e a adjudicação da melhor proposta;
BB. Improcede também a invocada nulidade da decisão;
CC. Sendo claros os motivos de acordo com os quais a chamada da Recorrida a pronunciar-se, em primeiro lugar, sobre um projecto de decisão nos termos do qual a sua proposta seria excluída por dela constar um preço anormalmente baixo não justificado e, depois, sobre um recurso hierárquico apresentado por outro concorrente, é diferente da chamada da Recorrida a esclarecer os motivos para a apresentação de determinado preço, e sendo distintas diferentes as normas jurídicas invocadas pela Administração quando interpela o interessado, é também muito clara a fundamentação da douta sentença recorrida quando afasta esta linha de argumentação por parte da Recorrente:
DD. A Recorrente confunde a falta de fundamentação com decisão contrária àquela que sustentava ou com a ausência de uma espécie de "impugnação especificada" de todos os argumentos que utilizou na sua contestação;
EE. Tal na jurisprudência citada no ponto 16., supra, «A falta de fundamentação (...) apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, e não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o Tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes» - sendo evidente, neste caso, a suficiência da fundamentação;
FF. Não colhe a argumentação segundo a qual se equiparam função e finalidades da audiência prévia e da pronúncia ao abrigo do n° 3 do artigo 71° do Código dos Contratos Públicos: com efeito, os esclarecimentos prestados neste último caso têm uma função saneadora efectiva que a pronúncia em audiência prévia não assume: sem estes, uma proposta com um determinado preço (abaixo do limite do preço anormalmente baixo) será necessariamente excluída; não é Apenas uma pronúncia sobre um qualquer projecto de decisão, mas uma efectiva explicação que acresce à proposta, passa a integrá-la e sem a qual aquela não se mantém;
GG. Finalmente, não se vislumbra o carácter contraditório da douta decisão recorrida, que apenas condena o Recorrente IEFP à admissão da Recorrida, não sendo aquele condenando a solicitar quaisquer esclarecimentos;


Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência - artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.


Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. A A. é uma sociedade anónima constituída em Junho de 2006, que tem por objecto as actividades de desenvolvimento e implementação de soluções de tecnologias e sistemas de informação e comunicação, serviços de consultoria, assistência técnica e formação (cf, doe. de fls. 31 a 35 dos autos apensos).
2. Por anúncio de 14.08.2009, na sequência da exclusão de todos os concorrentes e consequente deserção do procedimento no âmbito do Concurso Público nº ................ anunciado em 12.12.2008, com idêntico objecto, foi aberto o Concurso Público n° ................, relativo à Aquisição, Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, IP, tendo como entidade adjudicante o IEFP (acordo; cf. doe. de fls. 36 a 38 dos autos apensos).
3. Para o referido concurso foi estabelecido um preço base de €1.400.000,00 (acordo; cf. does. de fls. 36 a 61 dos autos apensos).
4. A adjudicação seria efectuada de segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com os critérios "Qualidade técnica da proposta" e "Preço" (acordo; cf. doe. de fls. 36 a 61 dos autos apensos).
5. Para avaliação do factor "Preço", com um peso de 40% na avaliação total da proposta, o modelo de avaliação que a Entidade requerida patenteou a concurso estabelecida o seguinte:
«Preço Global 40%; Inclui todos os custos associados à implementação dos sistemas, assim como os necessários à sua plena utilização pelo cliente.
A pontuação será feita de acordo com uma expressão matemática que as pontua de l a 100.
A proposta de valor 1.400.000,00€ será pontuada com 0: a proposta de valor 700. 000,00€, ou inferior, será pontuada com 100.
Entre esses dois valores a pontuação varia de forma linear, de acordo com a
fórmula matemática PP=1400000-VP/7000, onde PP é a pontuação da proposta e VP é o respectivo valor.» (acordo; cf. doe. de fls. 62 a 65 dos autos apensos).
6. A apresentação do preço da proposta obedeceria ao disposto no Modelo da Proposta, que estava ao Programa do Concurso, na sua "Componente 5" (acordo; cf. doe. de fls. 62 a 65 dos autos apensos).
7. A A apresentou a proposta constante de fls. 66 a 71 dos autos apensos, na qual propôs um preço de €700.000.00 e não anexou a essa proposta documentos justificativos do preço apresentado (acordo; cf. doe. de fls. 66 a 71 dos autos apensos).
8. A PT Prime apresentou uma proposta indicando um preço de €700.001,100 (acordo; cf. doe. de fls. 72 a 76 dos autos apensos).
9. Em 05.03.010, o Júri designado para o concurso em questão elaborou relatório preliminar de fls. 72 a 75 dos autos apensos, que comunicou aos concorrentes para efeitos de audiência prévia (acordo; cf. doe. de fls. 72 a 75 dos autos apensos).
10. Indica-se no referido relatório o seguinte: apresentaram proposta no concurso em questão oito concorrentes, todos admitidos após apreciação formal das propostas: Os oito concorrentes apresentaram as seguintes propostas de preço:
P............ €906.949,59; F........................€711.883.80; N............. €700.000,00; S...............€709.937.00; C............. €700.000,00; P. P.......... €700.001.10; S................ (a ora Requerente) €700.000.00 e P......... & F........ €700.000.00:
Face ao preço base estabelecido no Caderno de Encargos, as propostas apresentadas pelos concorrentes deveriam ser integradas por justificações do respectivo preço sempre que este fosse 50% inferior àquele valor, sob pena de serem excluídas;
Não tendo as concorrentes N..............., C........., S............ e P....... & K....... apresentado a referida justificação com a sua proposta, deveriam ser excluídas de imediato, sendo valoradas apenas as restantes;
E da aplicação do critério de adjudicação, deve ser proposta a adjudicação dos serviços em causa à concorrente P.P......... «nos termos definidos na sua proposta e salvaguardando o integral cumprimento dos requisitos definidos no Caderno de Encargos a que respondeu, pelo preço global de € 700.001, 100, ao qual acresce IV A à taxa legal em vigor» (acordo; cf. doe. de fls, 72 a 75 dos autos apensos).
11. À proposta de exclusão constante do relatório preliminar respondeu a A em 16.03.2010 (acordo: cf. doe. de fls. 76 a 80 dos autos apensos).
12. Em 19.03.2010 o Júri do Concurso elaborou o Relatório Final (acordo: cf. doe. de lis. 81 a 86 dos autos apensos).
13. Nesse relatório foi apreciada a argumentação aduzida pelos concorrentes excluídos em sede de audiência prévia e mantidas as propostas de exclusão das concorrentes que apresentaram um "preço anormalmente baixo" e de adjudicação dos serviços à concorrente P..... P......... (acordo; cf. doe. de fls. 81 a 86 dos autos apensos).
14. Em 23.03.2010 o CD do R. deliberou adjudicar à P..... P........ a Aquisição, Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, I.P, conforme doe. de fis. 64 e 65 dos autos apensos.
15. O referido Relatório Final foi colocado na plataforma electrónica utilizada - e dado a conhecer aos concorrentes - no dia 12.04.2010 (acordo).
16. Em 16.04.2010 a A. solicitou, através da mencionada plataforma electrónica, esclarecimento sobre se teria sido, ou não, proferida deliberação de adjudicação, conforme doe. de lis. 87 a 88 dos autos apensos (acordo).
17. Foi informado pelo R. à A. que a decisão de adjudicação foi colocada na plataforma electrónica no dia 12.04.2010 (acordo).
18. Em 19.04.2010 a concorrente N............. apresentou perante o Presidente do Conselho Directivo do IEFP reclamação e recurso administrativo da aprovação do Relatório Final do Júri e da Deliberação de Adjudicação pedindo a revogação da aprovação do Relatório Final do Júri e de todos os actos subsequentes àquele relatório, designadamente a deliberação de adjudicação, conforme doe. de fls. 89 a 100 dos autos apensos(acordo).
19. Pronunciou-se a ora Requerente sobre o teor da reclamação e recurso administrativo, acompanhando a respectiva argumentação, conforme doe. de fls. 102 a 109 dos autos apensos (acordo).
20. Por Deliberação do Conselho Directivo da R. de 04.05.2010, comunicada à A. cm 06.05.2010, foi decidido «indeferir o recurso hierárquico interposto pelo concorrente "N.............. - Sistemas inteligentes .........................., SA", face aos motivos expostos na presente informação», conforme doe. de fls. 110a 113 dos autos apensos(acordo).
21. Refere-se aquela deliberação à Informação n.° 650/FC-AD/2010 de 04.05.2010, na qual se refere novamente a argumentação utilizada pelo Júri do Concurso e se propõe que não seja dado provimento ao recurso interposto e seja mantida a decisão de adjudicação, «nos termos em que foi formulada a 13/03/2010» (acordo; cf. doe. de fls. 110a 113 dos autos apensos).
22. Em 10.05.2010 foi celebrado o contrato de fls. 279 a 282 dos autos apensos, entre o R. e a P...... P......., para fornecimento dos serviços necessários à Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, IP.


DO DIREITO

1. preço anormalmente baixo; exclusão de proposta;

Em sede de providência cautelar preliminar da presente acção de contencioso pré-contratual, em que também interveio o presente Colectivo (proc. nº 6769/10 de 18.11.2010) foi dito que na circunstância, a tipologia procedimental em causa reporta ao concurso público para aquisição de bens e serviços, tendo por critério de adjudicação a proposta economicamente mais vantajosa, artº 74º nº 1 a) CCP.
Para análise de não admissão de propostas no concurso público, importa atender à conjugação de regimes dos artºs. 146º nº 2 o), 70º nº 2 e) 1ª parte e 71º nº 1 b) e 47º nº 1 a), todos do CCP, nomeadamente, que uma vez fixado o preço base no caderno de encargos, será considerado preço anormalmente baixo o que apresente um valor em 50%, ou mais, inferior àquele, cfr. artº 71º nº 1 b) CCP.
Neste enquadramento normativo, o preço base fixado no caderno de encargos significa que a entidade adjudicante determinou o limite máximo "que se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações" objecto do contrato, razão pela qual configura caso de exclusão a proposta que apresente um preço total anormalmente baixo e "cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados" pelo concorrente, vd. artº 70º nº 2 e) CCP.
Efectivamente, entre os documentos constitutivos obrigatórios da proposta e de consequente apresentação obrigatória, figura o documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto "quando esse preço resulte, directa ou indirectamente das peças do procedimento" cfr. artº 57º nº 1 d) CCP. (1)
Havendo preço base fixado, a ausência de documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto determina a exclusão da respectiva proposta, cfr. artº 70º nº 2 e CCP.
O dever de solicitação de esclarecimentos a cargo do órgão competente para a decisão de contratar, pressuposto integrativo do poder de exclusão das propostas nesta matéria do preço anormalmente baixo estatuído no artº 71º nº 3 CCP, rege na circunstância de não haver preço base fixado no caderno de encargos.
Trata-se de uma razão de exclusão atinente ao conteúdo das propostas e respeitante a aspecto da execução do contrato parcialmente submetido à concorrência, o preço, mediante a aposição de um limite máximo, configurado como parâmetro base a partir do qual se faz a concorrência, em via descendente de valor face ao preço fixado; só que, atingido o patamar quantitativo do preço anormalmente baixo para o tipo de procedimento em causa - no caso, cfr. artº 71º nº 1 b) CCP qualquer um que não tenha por objecto a contratação da empreitada de obras públicas -, a circunstância de os esclarecimentos justificativos não terem sido apresentados conjuntamente com a proposta determina a exclusão desta. (2)
Neste sentido, o regime do artº 146º nº 2 d) CCP com remissão expressa para o artº 57º nº 1, incluindo, pois, a omissão de documento (constitutivo e obrigatório) justificativo de preço proposto, anormalmente baixo no confronto com o preço base fixado no caderno de encargos pela entidade adjudicante, calculado de acordo com o estabelecido no artº artº 71º nº 1 b) CCP, o que significa a exclusão da proposta como determina a alínea o) do artº 146º nº 2, com remissão expressa para o artº 70º nº 2 que, na al. e) considera o preço anormalmente baixo cujas justificações não tenham sido apresentadas
O que significa que se configura como anormalmente baixo todo o valor que, por reporte ao preço base fixado e numa variação para menos, se afaste em 50% ou mais do preço base; ou seja, no caso em apreço, atento o preço base de 1 400 000,00€ é anormalmente baixo um preço de 700 000,00€ ou inferior.


2. determinação automática do limiar de anomalia da proposta;

Temos, pois, que o caso concreto é uma hipótese recondutível ao critério supletivo de determinação automática, por imposição legal, do limiar de anomalia das propostas por recurso ao sistema consagrado no artº 71º nº 1 (2ª parte) CCP em que a entidade adjudicante fixa ela própria um preço base no caderno de encargos, sucedendo ainda que a Contra-Interessada S................, SA e ora Recorrida, não cumpriu a obrigação de apresentar documentalmente as razões justificativas do preço anormalmente baixo apresentado, prescrita no artº 57º nº 1 d) CCP.
Em análise de compatibilidade comunitária e tendo por referência o Acórdão de 27.11.2001 do TJCE, processo C-285/99, acórdão Lombardini, diz-nos a doutrina, depois de questionar se "(..) Poderá admitir-se, à luz da jurisprudência Lombardini, que a norma da alínea d) do nº 2 do artº 146º do CCP - na parte em que se refere aos documentos exigidos nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 57º - ao sancionar com a exclusão da proposta a não apresentação das justificações do preço proposto, viola a directiva comunitária ? Por outras palavras: é compatível com o nº 1 do artº 55º da Directiva nº 2004/18 uma legislação nacional que preveja expressamente a exclusão das propostas que não sejam constituídas pelos documentos justificativos do preço proposto ? (..)
(..) Aplicando os ensinamentos da jurisprudência Lombardini ao caso português, não pode pois haver quaisquer dúvidas de que o nº 1 do artº 55 da Directiva nº 2004/18 não obsta à alínea d) do nº 2 do artº 146º do CCP, na parte em que esta norma sanciona com a exclusão a proposta que não se encontre constituída, como impõe a alínea d) do nº 1 do artº 57º, pelos documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo; sendo certo que, como já se referiu, esta obrigação apenas é imposta aos concorrentes que ofereçam um preço igual ou inferior ao limiar da anomalia previamente conhecida.
É o elementar respeito de um princípio geral de colaboração dos concorrentes para a entidade adjudicante, aqui estabelecido em nome da aceleração procedimental, que o impõe.
Por outro lado, a exigência de apresentação antecipada das justificações é uma garantia adicional de seriedade da proposta, "esconjurando o perigo de que essas justificações sejam reconstituídas só ex post, em vez de existirem realmente no momento da elaboração da proposta" [Rosanna de Nictolis, Offerte anormale e i criteri di rilevazioni della congruità dei prezzi, in Trattato sui Contratti Pubblici, vol III, Milano, 2008, págs. 2289].
E repare-se que não se trata, verdadeiramente, de uma exclusão automática, pois esta só ocorre quando o concorrente é confrontado com uma qualificação asséptica da sua proposta como anómala sem lhe ser dada qualquer possibilidade de apresentar uma justificação que demonstre a respectiva seriedade, assim se inibindo também qualquer juízo discricionário da entidade adjudicante que seria baseado nas justificações apresentadas. (..)". (3)
Pelas razões supra não pode subsistir o entendimento sustentado pela sentença sob apreço, na medida em que da conjugação das circunstâncias do procedimento concursal (fixação de preço base) com a documentação instrutória da proposta apresentada pela co-concorrente S..............., SA ora Recorrida (omissão de esclarecimentos justificativos do preço no limiar da anomalia), resulta que se trata de uma hipótese de exclusão de proposta por aplicação do critério legal de determinação automática do limiar de anomalia e não de exigência de esclarecimentos prévios justificativos a solicitar pela entidade adjudicante junto do concorrente que apresenta um preço anormalmente baixo, isto porque a proposta foi desacompanhada do documento justificativo do preço proposto.
Colhem, assim, procedência as questões suscitadas em ambos os recursos interpostos.


Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso
Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento aos recursos e revogar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrida.
Lisboa, 19.JAN.2011

(Cristina dos Santos)
(António Vasconcelos)
(Paulo Gouveia)

(1) Mário Esteves de Oliveira et alii, Código dos Contratos Públicos e legislação complementar - guias de leitura e aplicação, Almedina/2008, págs. 64/641 e 790.

(2) Margarida Olazabal Cabral
, O concurso público no Código dos Contratos Públicos - Estudos de Contratação Pública, I-CEDIPRE, Coimbra Editora/2008, págs. 201/203.

(3)João Amaral e Almeida
, As propostas de preço anormalmente baixo - Estudos de Contratação Pública, III-CEDIPRE, Coimbra Editora/2010, págs. 101/102, 129 e 133/134.