Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de Janeiro de 2011 (proc. 6904/10)

Imprimir

Sumário:

I - Nos termos do nº 1 do artigo 59º do CCP, são variantes as propostas que, relativamente a um ou mais aspectos de execução do contrato a celebrar, contenham atributos que digam respeito a condições contratuais alternativas nos termos expressamente admitidos no Caderno de Encargos.
II - De acordo com o nº 2 do artigo 56º do CCP, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos, ou seja, corresponde à proposta que cada concorrente dá aos elementos submetidos à concorrência.
III - Ponderando que o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato foi o único aspecto submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos , carecem de sentido as alegações nos termos das quais a referida proposta constitui proposta variante ou possui atributos que digam respeito a condições contratuais alternativas.
IV - O Programa de Concurso exigia, na Cláusula 7ª nº 2 , a indicação, de forma autónoma para cada lote, de todos os elementos aí previstos ( preço total, preço unitário por refeição, condições de pagamento e nota justificativa do preço), na Cláusula 7ª nº 3, a indicação do preço total proposto por lote e, na Cláusula 8ª nº 1 al. i) a apresentação da nota justificativa por lote.
O júri não tinha assim que avaliar o quadro de pessoal concretamente proposto para cada lote, antes que analisar como analisou, as notas justificativas dos preços, através da comparação da estrutura de custos apresentada nas mesmas.
VI - Não se vislumbra assim, no que concerne à admissão da proposta da concorrente UNISELF, quanto a determinados lotes, qualquer ilegalidade manifesta, e se dá por não verificado o requisito contido na al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
VII - A suspensão da eficácia de um contrato já em execução e que tem por objecto o fornecimento de refeições a estabelecimentos escolares prejudicaria o interesse publico, por implicar a impossibilidade de continuação de fornecimento dessas refeições.
VIII - Os danos para o interesse publico que resultariam da concessão da suspensão de eficácia devem prevalecer sobre os danos de carácter meramente patrimonial que a recorrente sofrerá em consequência da impossibilidade de vir a beneficiar do lucro que obteria com a execução do contrato.

 

Texto Integral:

Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

G............. - Companhia ............................. S.A., com sinais nos autos, inconformada com a sentença do TAF de Leiria, de 24 de Setembro de 2010, que indeferiu as providências cautelares por si requeridas, a saber: a suspensão de eficácia do acto de adjudicação à U............ dos lotes 4, 5 e 7 da prestação de serviço para confecção e fornecimento de refeições a quente a estabelecimentos de ensino objecto do concurso nº 9/2010 aberto pela Câmara Municipal de Leiria; e ainda a intimação do mesmo Município para se abster de celebrar o acordo em causa ou, na eventualidade de esta já se ter verificado, a suspensão da eficácia desse contrato, com a adjudicação provisória à ora recorrente dos referidos lotes 4, 5 e 7, dela recorreu, e em sede de alegações formulou as seguintes conclusões (sintetizadas):

" 1. O Programa do Concurso prevê adjudicações por lotes de escolas, correspondendo cada um dos lotes a um contrato separado (cf. Cláusulas 1ª, 7ª e 8ª do Programa do Concurso e Cláusula Jurídica 1ª e Anexo A do Caderno de Encargos).

2. Os concorrentes têm que apresentar proposta de molde a que as condições oferecidas para cada lote possam ser avaliadas de forma autónoma, independentemente do proposto para os demais lotes.

3. A U......... propõe um quadro de pessoal comum para os lotes 2, 4, 6 e 7.

4. O que, naturalmente, impede o Júri de avaliar o quadro de pessoal concretamente proposto para cada Lote.

5. Ao apresentar proposta que apenas permite a adjudicação conjunta dos Lotes 2, 4, 6 e 7 quando o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos expressamente estabelecem a adjudicação lote a lote, apresentou a U.......... proposta variante, o que não era permitido nos termos da Cláusula 9ª do Programa do Concurso.

6. Do que se conclui que devia ter sido excluída a proposta apresentada pela U......... para os Lotes 2, 4, 6 e 7, nos termos do disposto no Art.º 70.º n.º 2 b) e c) e 146º n.º 2 al. f) do CCP.

7. A evidencia da procedência do processo principal é facilmente constatada pela simples leitura do requerimento inicial e resulta, de forma inequívoca e, portanto, sem qualquer esforço exegético, da simples constatação de que o programa do concurso prevê adjudicação lote a lote e que a U......, em vez de apresentar para cada lote o quadro de pessoal proposto, apresenta um quadro de pessoal comum para os lotes 2, 4, 6 e 7.

8. Ao decidir em contrário, violou a douta sentença recorrida o disposto no Art.º 120.º n.º 1al. a) do CCP.

9. A Recorrente alegou e demonstrou que, não fora a actuação ilegal, seria ela a adjudicatária.

10. A Recorrente alegou e demonstrou que, se as providências cautelares não fossem decretadas, seria impossível no futuro adjudicar-lhe o serviço porque, com toda a probabilidade, e atendendo o tempo que demora a acção principal a ser decidida em definitivo, o contrato já estará totalmente executado.

11. A Recorrente alegou e demonstrou que, se as providências cautelares não forem decretadas, a G...... sofrerá prejuízos concretos, a saber, lucros cessantes resultantes do facto de a adjudicação a que legalmente tem direito não lhe ser feita.

12. Invocou, pois, a Recorrente, um interesse relevante para efeitos da concessão da tutela cautelar (cfr. Acórdão do STA de 08-05-2002, processo 0551/02, www.dgsi.pt e Ana Gouveia Martins, "A tutela cautelar no contencioso administrativo (em especial, nos procedimentos de formação dos contratos)", pags. 526 e segs.)

13. O decretamento das providências cautelares requeridas não causa prejuízos ao interesse publico na medida em que a adjudicação provisória à Requerente assegura a continuidade do fornecimento de refeições às crianças.

14. Ao decidir em contrário, violou a douta sentença recorrida o disposto no Art.º 132º n.º 6 do CPTA."


O Município de Leiria contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.


O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.


Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.


A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.


Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Leiria, que indeferiu as providências cautelares requeridas pela ora Recorrente G......... , a saber: a suspensão de eficácia do acto de adjudicação à U.......... dos lotes 5 e 7 da prestação de serviço para confecção e fornecimento de refeições a quente a estabelecimentos de ensino objecto do concurso nº 9/2010 aberto pela Câmara Municipal de Leiria; e ainda a intimação do mesmo Município para se abster de celebrar o acordo em causa ou na eventualidade de esta já se ter verificado, a suspensão da eficácia desse contrato, com a adjudicação provisória à ora recorrente dos referidos lotes 4, 5 e 7.

No essencial, entendeu o Mmo Juiz a quo que " não se mostra evidente, a procedência da pretensão a formular no processo principal, designadamente por não estar em causa, em nosso entendimento, um acto manifestamente ilegal"; por outro lado, " é inevitável que, no presente caso, os valores integradores de um interesse publico atendível tenham de pesar mais do que aqueles apontados pela Requerente, perspectivando-se que, a adoptar a providência cautelar requerida, os danos daí resultantes para os interesses que a entidade requerida representa seriam superiores aos prejuízos para a Requerente, da sua não adopção."

Refere, contudo, a ora Recorrente que a sentença em crise violou o disposto no artigo 120º nº 1 al. a) do CPTA - por ser evidente a procedência do processo principal -, na medida em que a proposta apresentada pela U.......... para os lotes 2, 4, 6 e 7 deveria ter sido excluída, nos termos do disposto no artigo 70º nº 2 al. b) e c) e 146º nº 2 al. f) do Código dos Contratos Públicos (CCP) .
Isto porque ao apresentar proposta que apenas permite a adjudicação de um quadro de pessoal comum para os referidos lotes quando o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos expressamente estabelecem a adjudicação lote a lote, apresentou a U.............. proposta variante, o que, naturalmente, impede o júri de avaliar o quadro de pessoal concretamente proposto para cada lote, contrariando assim os termos da Cláusula 9ª do Programa do Concurso.
Por outro lado, a ora Recorrente alegou e demonstrou que, se as providências cautelares não fossem decretadas, seria impossível no futuro adjudicar-lhe o serviço porque, com toda a probabilidade, e atendendo o tempo que demora a acção principal a ser decidido em definitivo, o contrato já estará totalmente executado.
Além disso, se as providências cautelares não forem decretadas, a G............. sofrerá prejuízos concretos, a saber, lucros cessantes resultantes do facto de a adjudicação a que legalmente tem direito não lhe ser feita.
Por último, alega que decretamento das providências cautelares requeridas não causa prejuízos ao interesse público na medida em que a adjudicação provisória à ora Recorrente assegura a continuidade do fornecimento de refeições às crianças.

Vejamos se assim é de entender , analisando as várias questões em separado.

1 - Desde logo, no que respeita à invocada ilegalidade da admissão da proposta da U......... quanto aos lotes 2, 4, 6 e 7 cabe dizer que tal proposta não se enquadra no conceito de proposta variante.
Na verdade, nos termos do nº 1 do artigo 59º do CCP, são variantes as propostas que, relativamente a um ou mais aspectos de execução do contrato a celebrar, contenham atributos que digam respeito a condições contratuais alternativas nos termos expressamente admitidos no Caderno de Encargos.
De acordo com o nº 2 do artigo 56º do CCP, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos, ou seja, corresponde à proposta que cada concorrente dá aos elementos submetidos à concorrência.
Tendo em consideração que no caso em apreço o critério de adjudicação adoptado foi o do mais baixo preço, o Caderno de Encargos definiu, em conformidade com as exigências legais, todos os demais aspectos da execução do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto daquele - cfr. o nº 2 do artigo 74º do CCP.
Ponderando que o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato foi o único aspecto submetido à concorrência pelo Caderno de Encargos, carecem de sentido as alegações nos termos das quais a referida proposta constitui proposta variante ou possui atributos que digam respeito a condições contratuais alternativas.

Outrossim, menos se vislumbra que coloque condições para uma adjudicação conjunta, tanto mais que a U.......... apresentou uma proposta base para cada lote a que concorreu, onde se obrigou, sob compromisso de honra, a aceitar sem reservas todas as Clausulas do Caderno de Encargos, não se afigurando sequer possível uma eventual alteração dos preços apresentados.
Acresce que no Caderno de Encargos a menção ao pessoal aparece apenas na Cláusula 10ª das Especificações Técnicas constantes do mesmo, não sendo aí exigida qualquer tipo de descriminação, afectação ou quantificação, mas tão somente o cumprimento de regras de higiene individual e de identificação.
Para a adjudicação por lotes, as regras especificas de adjudicação são fixadas no Programa de Concurso - cfr. artigo 132º nº 3 do CCP.
Como a própria Recorrente alega , o Programa de Concurso exige, na Cláusula 7ª nº 2 , a indicação, de forma autónoma para cada lote, de todos os elementos aí previstos ( preço total, preço unitário por refeição, condições de pagamento e nota justificativa do preço), na Cláusula 7ª nº 3, a indicação do preço total proposto por lote e, na Cláusula 8ª nº 1 al. i) a apresentação da nota justificativa por lote, sendo certo que a proposta apresentada pela U........ contém todos os elementos exigidos.
Não foi exigida a indicação do quadro de pessoal, de forma autónoma por cada lote, pelo que carece de sentido a alegação segundo a qual o quadro de pessoal não pode ser comum a dois ou mais lotes.
O júri não tinha assim que avaliar o quadro de pessoal concretamente proposto para cada lote, antes que analisar como analisou, as notas justificativas dos preços, através da comparação da estrutura de custos apresentada nas mesmas, sendo certo que não foram detectadas anomalias, como se alcança da análise constante do Anexo ao Relatório Final.
Não se vislumbra assim, no que concerne à admissão da proposta da U......... quanto aos lotes 2, 4, 6 e 7, qualquer ilegalidade manifesta, pelo que bem andou o Mmo. Juiz a quo , que assim entendeu, ao julgar não verificado o requisito contido na al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.


2 - Sendo assim inaplicável ao caso o disposto na al. a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, a concessão (ou não) das providências requeridas terão de resultar da ponderação de interesses, nos termos do disposto no nº 6 do artigo 132º do CPTA.
Assim, nos termos do citado nº 6 do artigo 132º do CPTA. " A concessão da providência depende do juízo de probabilidade do tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências".
Como salienta a propósito J.C.VIEIRA DE ANDRADE in " A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA", 10ª Ed., Almedina, 2009, pag. 376, no que respeita ao critério de decisão vale basicamente o critério da ponderação, devendo o tribunal recusar a providência se, em juízo de probabilidade, ponderados os direitos ou interesses susceptíveis de serem lesados, concluir que os danos são superiores aos prejuízos que resultam da sua não adopção, sem que possa haver contra - providências que evitem ou atenuem ( suficientemente) a lesão.
Mais adianta o mesmo autor, in " A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA", 4ª Ed., Coimbra, 2003, pag. 303, " o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar."
Assim, para os efeitos de ponderação de interesses há que considerar as consequências negativas para o interesse publico, de um lado, e o proveito a obter pelo requerente, do outro.
No caso sub judice, tendo em consideração que o acto de adjudicação dos lotes 4, 5 e 7 à U............ foi praticado em 10 de Agosto de 2010 e que os contratos já foram outorgados em 31 do mesmo mês e ano, não se justifica o decretamento de uma providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Leiria que adjudicou à U........... esses mesmos lotes da prestação de serviço ora em apreço, como de igual modo carece de sentido o decretamento de uma providência cautelar de intimação do Município de Leiria para se abster de celebrar o contrato com a U............

Na verdade, como ficou plasmado no Acórdão deste TCAS de 19 de Novembro de 2009, in Proc. nº 5497/09, que passamos a citar:
" I - A suspensão da eficácia de um contrato já em execução e que tem por objecto o fornecimento de refeições a estabelecimentos escolares prejudicaria o interesse publico, por implicar a impossibilidade de continuação de fornecimento dessas refeições.
II - Essa lesão para o interesse publico deve considerar-se manifesta mesmo que se entenda que o nº 5 do artigo 120º do CPTA é aplicável às providências relativas a procedimentos de formação de contratos.
III - Os danos para o interesse publico que resultariam da concessão da suspensão de eficácia devem prevalecer sobre os danos de carácter meramente patrimonial que a recorrente sofrerá em consequência da impossibilidade de vir a beneficiar do lucro que obteria com a execução do contrato."

Ora, como decorre da Resolução fundamentada (cfr. ponto M. da factualidade dada como assente) o fornecimento de refeições visado nos lotes 4, 5 e 7 visa a satisfação de interesses públicos, estando em causa o fornecimento de refeições diárias a 983 crianças, pelo que, ponderadas as conveniências de cada uma das partes em presença, afigura-se inequívoca a prevalência do interesse publico, na medida em que os interesses da aqui Recorrente ( mormente a perda de oportunidade de permanecer no concurso) são apenas meramente materiais ou económicos, facilmente ressarcíveis mediante indemnização.


3 - Por conseguinte, e como decorre da análise da sentença em crise, não podia ser diferente a conclusão final, obtida na sequencia da apreciação de todas as questões pertinentes submetidas à avaliação do julgador: a ausência dos requisitos legalmente exigidos para adopção das providências requeridas ( artigo 120º nº 1 al. a) e 132º nº 6 do CPTA).

Termos em que, improcedendo todas as conclusões da alegação da Recorrente, é de confirmar na íntegra a sentença recorrida.

Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 19 de Janeiro de 2011
António Vasconcelos
Paulo Gouveia
Cristina dos Santos