Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18 de Novembro de 2010 (proc. 6769/10)

Imprimir

Sumário:

1. O preço base fixado no caderno de encargos significa que a entidade adjudicante determinou o limite máximo "que se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações" objecto do contrato - cfr. artº 47º nº 1 a) CCP.
2. O documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto "quando esse preço resulte, directa ou indirectamente das peças do procedimento" tem a natureza de documento constitutivo obrigatórios da proposta -cfr. artº 57º nº 1 d) CCP.
3. Configura caso de exclusão a proposta que apresente um preço total anormalmente baixo e "cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados" pelo concorrente - cfr. artº 146º nº 2 d) e o) CCP.
4. O art° 132° n° 3 CPTA torna extensivo às providências em matéria de contratação pública o regime geral da tutela cautelar assente nas disposições comuns (art°s. 112° a 127°) com as adaptações devidas por ressalva expressa dos n°s. 4 a 7 do citado normativo.
5. No domínio cautelar da formação de contratos o art° 132° n° 6 CPTA institui um regime específico, mas não a ponto de desconsiderar os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora e elevar o critério da ponderação dos interesses em presença como pressuposto único de decisão.
6. Os critérios de existência do periculum in mora aferidos pela situação de facto consumado e de produção de prejuízos de difícil reparação nos termos do artº 120º nº 1 b) c) CPTA, não constituem tema probatório do processo cautelar em matéria de procedimentos de formação de contratos.

 

Texto Integral:

A..., SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença, notificada à ora Recorrente em 22 de Julho de 2010, que rejeitou a concessão da providência cautelar de (i) suspensão de eficácia da decisão do Conselho Directivo da Entidade ora Recorrida, tomada no âmbito do Concurso Público nº 20092100693, relativo à Aquisição, Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e 'Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, I.P., através da qual foi foram excluídas, com fundamento na apresentação de preço anormalmente baixo, as propostas da Recorrente e de outras três concorrentes do Concurso e, do mesmo passo, adjudicados os serviços à Contra-interessada PT Prime, de (ii) intimação da Entidade recorrida à abstenção da celebração do contrato em causa, ou (iii), para o caso de, entretanto, ser celebrado o contrato, de decretamento da suspensão da execução do contrato entretanto celebrado entre a Entidade recorrida e a Contra-interessada;

B) Sustentando a Recorrente que a invalidade da decisão e do contrato entretanto celebrado era, nos termos melhor expostos em 2. supra, de tal forma evidente que, nos termos da alínea a) do n.° l do artigo 120.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (ex vi primeira parte do n.º6 do artigo 132.° do CPTA), justificaria o decretamento imediato da providência requerida, assim não o entendeu o Tribunal a quo;

C) Pretende a Recorrente, nesta sede de recurso jurisdicional, colocar em causa, não o entendimento referido em B), mas a parte da decisão em que o Tribunal procedeu à ponderação dos interesses em presença e concluiu prevalecerem os interesses público e da Contra-interessada sobre os invocados pela Recorrente;

D) É manifesto o erro de julgamento na forma como foi considerado o interesse público prosseguido pela Entidade recorrida através da celebração do contrato em questão, ali qualificado como um facto notório;

E) Face ao estabelecido no artigo 514.°, n.° l e 2, não se vislumbra - nem, aliás, o Tribunal concretiza a sua afirmação - em que medida o interesse público na celebração e execução deste contrato consubstancia um facto notório e não dependente de alegação ou prova;

F) Sendo embora certo que a Entidade recorrida argumenta, a dado passo da sua oposição, com a importância da celebração deste contrato para a prossecução das suas atribuições e para o combate ao desemprego, não é explicitada a forma como a execução de um contrato de aquisição de serviços relativos à gestão do atendimento de utentes e televisão corporativa se relaciona com a mineração da crise que assola o país ou com a inversão da actual tendência de subida da taxa de desemprego;

G) Além de não concretizado, aquele interesse não consubstancia um facto notório, no sentido evidente ou do conhecimento geral - antes sendo defensável a posição contrária -, pelo que não deveria ter sido considerado na decisão ou, pelo menos, não deveria ter sido considerado nos termos em que o foi - como valor absoluto, imposto a todos os restantes;

H) Ainda em matéria de erro de julgamento quanto ao interesse prosseguido pela Entidade recorrida, a sentença é absolutamente omissa quanto ao benefício notório que a manutenção da possibilidade de retomar um processo concursal (que se mostrará de todo impossível caso a decisão no processo principal surja apenas após a completa execução das prestações objecto do contrato), no qual a valia técnica das propostas constituía um factor de avaliação com um peso considerável, com um maior número de concorrentes e, assim, com um maior número de soluções técnicas (mais baratas) ao dispor,

I) Como é omissa quanto ao facto, também alegado, de o atraso na concretização do objecto do contrato celebrado ser minimizado pelo facto de a acção principal, proposta ao abrigo do disposto no artigo 100.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ser tramitada como processo urgente;

J) É igualmente manifesto o desacerto na ponderação - transcrita no ponto 6. supra - do interesse invocado pela Recorrente no pedido de adopção da providência cautelar, laborando a douta decisão recorrida, nesta matéria, num conjunto de pressupostos errados. Desde logo, quanto à natureza dos prejuízos invocados pela Recorrente;

K) A execução do acto de adjudicação, primeiro, e a execução do contrato entretanto celebrado, depois, inviabilizam a possibilidade de, em execução de eventual sentença que reconheça razão à
Recorrente na acção principal, ser retomado o concurso para a adjudicação dos serviços em questão - porquanto certamente será invocada e acolhida a existência de causa legítima de inexecução - e determinam, assim, a definitiva perda da oportunidade de a Recorrente permanecer no concurso, de ver a sua proposta avaliada e, eventualmente, de ter a sua proposta adjudicada e celebrar com a Entidade recorrida um contrato em cuja proposta investiu muito e que poderia ter um enorme significado, não apenas no respectivo volume de negócios, mas também na sua visibilidade e curriculum no mercado competitivo em que concorre;

L) Em momento algum refere a Recorrente que, caso não tivesse sido praticado o acto que reputa de
inválido, a sua proposta seria adjudicada mas, tão-só, que aquele acto determinará, na medida em que a execução da sentença da acção principal se torne impossível (isto, caso essa circunstância não seja acautelada no presente processo), a perda da oportunidade de permanecer no concurso, facto que consubstancia um bem em si mesmo e objectivamente atendível (cfr., nesta matéria, a jurisprudência indicada no ponto 7. supra);

M) Esse dano de perda de oportunidade - quantificável por meio de juÍ2os de probabilidade ou de equidade, uma vez ponderados factores como o número de concorrentes, o montante do contrato, o volume de negócios, os efeitos da celebração de um contrato deste tipo no mercado em que actua, etc. - não pode ser imediatamente concretizado e não se confunde, ao contrário do que resulta da douta sentença recorrida, com prejuízos financeiros, perda de lucros ou interesses económicos facilmente ressarcíveis por via de indemnização.

N) A perda de oportunidade resulta objectivamente demonstrada dos factos em questão e não carece de maior prova: um acto reputado de ilegal afastou a Recorrente do Concurso e a decisão relativa à validade do acto em momento em que o contrato entretanto celebrado esteja totalmente executado dificilmente poderá ser objecto de execução por reconstituição da situação que existiria caso não tivesse sido praticado o acto;

O) É face a esse dano/interesse invocado, a perda de oportunidade, que deve ser visto o nexo de causalidade a que se refere a douta decisão recorrida. Se a perda do lucro decorrente da celebração do contrato não resulta da decisão que seja tomada neste processo cautelar, a oportunidade de permanecer em concurso será manifestamente condicionada pela forma como, através da adopção de medidas cautelares adequadas, possa ser evitada a concretização desse dano;

P) Assim, caso seja suspensa a execução do contrato, da anulação do acto de exclusão das propostas
e de adjudicação e da também peticionada anulação do contrato poderá resultar o "apagar" de todos os seus efeitos, permitindo-se que a Recorrente volte a colocar-se em concurso e garantindo-se o efeito útil do pedido efectuado na acção principal;

Q) Outro erro evidente nos pressupostos da douta sentença ora em crise prende-se com a forma como entende que a possibilidade de ressarcimento pecuniário do dano invocado pela Recorrente faz irrelevar o interesse por esta defendido;

R) Ao contrário do que sucede quanto aos pressupostos previstos na alínea b) do n° l do artigo 120° do CPTA, o n° 6 do artigo 132° daquele diploma não exige, em momento algum, que o interesse alegado pelo requerente de providência cautelar relativa a procedimento de formação de contratos se consubstancie num prejuízo de difícil reparação mas, tão somente, num prejuízo;

S) Sendo evidente que, porque naquele último preceito legal se refere que devem ser considerados os prejuízos que possam resultar da não adopção da providência, não poderá esta ser adoptada quando do não decretamento não resultem quaisquer prejuízos para o requerente, a verdade é que, diferentemente do que sucede com as providências cautelares comuns, o legislador estabeleceu, para estas providências específicas, critérios menos rigorosos, não qualificando a gravidade do prejuízo que pode ser atendido nesta sede, limitando-se a afirmar que, para que a providência seja concedida, este deve existir e prevalecer sobre os restantes interesses;

T) Na medida em que, por um lado, não entendeu devidamente a natureza do dano invocado pela Recorrente e, por outro, desconsiderou a importância daquele interesse com fundamento do entendimento de que, sendo os danos facilmente ressarcíveis por meio de indemnização, não seriam suficientemente sérios para integrar o conceito de periculum in mora, prescindindo de uma efectiva ponderação entre o interesse da Recorrente e um interesse público que, nos termos referidos, é ficticiamente convertido em valor absoluto, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento e viola o estabelecido na 2ª parte do n° 6 do artigo 132° do CPTA, devendo, nessa medida, ser anulada;

U) Na medida em que se verificam os pressupostos, constantes daquele preceito legal, de decretamento da providência cautelar requerida - neste momento, por força da celebração do contrato, limitada à suspensão da execução do contrato -, deverá, em substituição da sentença anulada, ser proferida decisão de concessão da providência adequada.

A Contra-Interessada ora Recorrida contra-alegou, concluindo como segue:

A) O objecto deste recurso cinge-se à parte da sentença recorrenda que inclui o juízo de ponderação dos interesses (públicos e privados) susceptíveis de serem lesados com a adopção/recusa das providências cautelares requeridas, ou seja, com o modo como o tribunal a quo aplicou o disposto na segunda parte do n.° 6 do artigo 136.° CPTA.
B) Os interesses que o tribunal a quo tinha de ponderar in casu são exclusivamente aqueles que podiam ser afectados com o decretamento/recusa da providência cautelar que se mantinha actual e útil para efeitos de tutela jurisdicional efectiva da Recorrente no momento da emissão da referida sentença.
C) A providência cautelar supra referida era a de suspensão de eficácia do Contrato celebrado subsequentemente ao acto de adjudicação e de intimação das partes à abstenção dos respectivos actos de execução, conforme reconhece a Recorrente no último parágrafo do ponto 9 das suas alegações de recurso.
D) Bem andou o Tribunal a quo ao considerar notório que a aquisição dos serviços e equipamentos contratados visa a satisfação directa de determinados interesses públicos, como aliás impõe o pincípio da prossecução do interesse público, consagrado no art. 4.° do Código de Procedimento Administrativo.
E) Desde logo porque o interesse da contratação em causa resulta do próprio objecto do Contrato, definido como "Contrato para aquisição de bem e serviços necessários à instalação e integração de sistemas de gestão de fluxos de utentes e televisão corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, IP".
F) Não obstante, a existência de interesses públicos em presença foi devidamente alegada pela Entidade Requerida, no artigo 36.° da sua Oposição, e pela Contra-interessada, nos artigos 88.° e 89.° da sua Oposição.
G) Ambas as partes indicaram necessidades de eficiência, qualidade e celeridade no atendimento público dos utentes dos Centros de Emprego e Formação Profissional de Norte a Sul do país, e que a necessidade premente de execução do Contrato é reforçada pelo cenário de crise laborai, que dita um acréscimo de afluência aos Centros de Emprego e que exige particulares medidas de gestão do fluxo de utentes.
H) A sentença recorrenda não pode ser considerada omissa quanto à existência de benefícios decorrentes da retoma do procedimento concursal com um número maior de concorrentes e de soluções técnicas ao dispor, como alega a Recorrente no ponto 5 das alegações de recurso.
I) Primeiro, porque o decretamento cautelar da retoma do procedimento concursal não foi requerido nos presentes autos, mas sim a mera suspensão de eficácia dos actos praticados nesse procedimento pelo tempo que durar a acção principal.
J) Segundo, porque mesmo que o tribunal ponderasse decretar oficiosamente a retoma do procedimento, no momento em que a sentença recorrenda foi proferida tal procedimento já se encontrava finalizado em virtude da celebração do respectivo Contrato, conforme considerou provado a sentença recorrenda no ponto 21.
K) Consequentemente, as alegações de benefícios decorrentes do decretamento da providência de retoma do procedimento são irrelevantes para o conhecimento dos interesses em presença susceptíveis de serem lesados pela providência a decretar/recusar pelo tribunal a quo.
L) A sentença recorrenda não faz um juízo liminar de prevalência do interesse público sobre o privado, mas considerar os contornos específicos da situação concreta em presença, contrariamente ao alegado nos dois parágrafos antecedentes do ponto 6 das alegações de recurso.
M) De facto, a sentença é suficientemente clara ao identificar como indemnizáveis os interesses privados alegados pela ora Recorrente, contrariamente aos interesses públicos lesados com a paralisação dos serviços de gestão de fluxos de utentes dos Centros de Emprego (eficácia e qualidade no atendimento ao público nesses serviços espalhados por todo o país), que são impossíveis de mitigar futuramente por via de compensação indemnizatória.
N) Este facto justifica, por si, só uma valoração menor do peso desses interesses em relação ao interesse público que seria lesado com a paralisação da execução do Contrato, pelo que bem andou o tribunal a quo ao considerar prevalentes os interesses públicos sobre os interesses privados em presença.
O) Concretamente, é indemnizável o alegado dano da perda de oportunidade de permanecer no Concurso.
P) Por isso, bem andou o tribunal a quo ao considerar que os danos invocados pela Recorrente "configuram interesses meramente materiais ou económicos, facilmente ressarcíveis mediante indemnização" (cfr. segundo parágrafo da penúltima página da sentença).
Q) Não obstante, o dano pela perda de oportunidade não é "um dano em si mesmo" que possa ser invocável em abstracto, contrariamente ao alegado pela Recorrente no 5.° parágrafo do ponto 7 das suas alegações.
R) Pelo contrário, o reconhecimento deste dano depende da alegação e prova da possibilidade de êxito da Recorrente no Concurso, em função nomeadamente do número de concorrentes e da inerente probabilidade de obtenção dos lucros que resultariam do negócio não realizado, conforme afirma o referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado pela Recorrente.
S) Ora, nunca foi alegado e provado pela Recorrente que, se não ocorressem vícios que alega no procedimento sub judice, seria com muita probabilidade o adjudicatário do Contrato.
T) Bem pelo contrário. Existem indícios mais do suficientes para considerar muito pouco provável que a prestação de esclarecimento sobre o preço levasse a Recorrida a alterar a sua decisão de exclusão da proposta da Recorrente com base na verificação de "preço anormalmente baixo" da sua Proposta.
U) Desde logo, porque os argumentos da Recorrente foram devidamente ponderados pela Recorrida, quer na decisão final de exclusão da sua Proposta impugnada neste processo (cfr. doe. 8 anexo à PI), quer na decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão final de exclusão por um outro Concorrente (doe. 11 e 12 anexos à PI).
V) Por outro lado, a Recorrente não alega quaisquer factos que permitam supor que, caso a sua Proposta fosse readmitida a Concurso, haveria uma probabilidade mínima de ela própria poder ser a adjudicatária do Contrato suspendendo.
W) Conforme dado por provado no ponto 9 da sentença recorrenda e não questionado pela Recorrente, existem outros Concorrentes que apresentaram exactamente o mesmo "preço anormalmente baixo" que o da Recorrente, que foram igualmente excluídos pelas mesmas razões que a Recorrente e que seriam igualmente resgatados caso fosse anulada a adjudicação e o Contrato sub judice.
X) Pelo que a hipótese de a Recorrente vir a ser a adjudicatária do Concurso sub judice é completamente desprovida de qualquer suporte real ou material neste processo.
Y) Diga-se, por fim, que, no momento em que a sentença recorrenda foi proferida, a perda de oportunidade de permanecer no Concurso já não podia ser evitada pelo tribunal a título cautelar porque, quando esta e a acção principal foram propostas, já o Concurso em causa tinha terminado com a celebração do Contrato respectivo.
Z) O que reforça o argumento de que, caso a acção principal vier a ser procedente, a posição jurídica da Recorrente (só) poderá ser tutelada pela via indemnizatória.
AA) Razão pela qual julgou bem o tribunal a quo ao considerar que não há in casu factos concretos suficientes e passíveis de configurar os prejuízos alegados pela Recorrente como "prejuízos suficientemente sérios, que devam ser urgentemente (e provisoriamente) reparados, sob pena de se comprometer a utilidade da sentença final" (1° parágrafo da penúltima página da sentença).
BB) Neste sentido, não se verifica qualquer erro de julgamento na decisão recorrenda sobre a ponderação dos interesses em presença passível de determinar a revogação da mesma.
CC) Perante o exposto, deve ser mantida a decisão recorrida por se encontrar legalmente vedada a possibilidade de adopção das providências requeridas ex vi do artigo 132.° n.° 6 do CPTA.

Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência - artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. A A. é uma sociedade anónima constituída em Junho de 2006, que tem por objecto as actividades de desenvolvimento e implementação de soluções de tecnologias e sistemas de informação e comunicação, serviços de consultoria, assistência técnica e formação (cf. doe. de lis. 31 a 35 dos autos).
2. 2. Por anúncio de 14.08.2009 na sequência da exclusão de todos os concorrentes e consequente deserção do procedimento no âmbito do Concurso Público n° 20082100024 anunciado em 12.12.2008.com idêntico objecto, foi aberto o Concurso Público n° 20092100693 relativo à Aquisição Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP IP tendo como entidade adjudicante o IEFP (acordo; cf. doe. de fls. 36 a 38 dos autos).
3. Para o referido concurso foi estabelecido um preço base de €1.400.000,00 (acordo: cf. does. de fls. 36 a 61 dos autos).
4. A adjudicação seria efectuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com os critérios "Qualidade técnica da proposta" e "Preço" (acordo; cf. doe. de fis. 36 a 61 dos autos).
5. Para avaliação do factor "Preço", com um peso de 40% na avaliação total da proposta, o modelo de avaliação que a Entidade requerida patenteou a concurso estabelecida o seguinte: «Preço Global 40%: Inclui todos os custos associados à implementação dos sistemas, assim como os necessários à sua plena utilização pelo cliente. A pontuação será feita de acordo com uma expressão matemática que as pontua de l a 100. A proposta de valor 400.000,00€ será pontuada com 0: a proposta de valor 700.000,00€, ou inferior, será pontuada com 100.Entre estes dois valores a pontuação varia de forma linear, de acordo com a fórmula matemática PP - 1400000 -VP/7000, onde PP é a pontuação da proposta e VP é o respectivo valor.» (acordo; cf. doe. de fls. 62 a 65 dos autos).
6. A apresentação do preço da proposta obedeceria ao disposto no Modelo da Proposta, que estava ao Programa do Concurso, na sua "Componente 5ª (acordo; cf. doe. de fls. 62 a 65 dos autos).
7. A A. apresentou a proposta constante de fls. 66 a 71 dos autos principais, a que este processo está apenso, na qual propôs um preço de € 700.000,00. (acordo: cf. doe. de fls. 66 a 71 dos autos).
8. Em 05.03.010, o Júri designado para o concurso em questão elaborou relatório preliminar de fls. 72 a 75 dos autos principais, a que este processo está apenso, que comunicou aos concorrentes para efeitos de audiência prévia (acordo; cf. doe. de fls. 72 a 75 dos autos).
9. Indica-se no referido relatório o seguinte: apresentaram proposta no concurso em questão oito concorrentes, todos admitidos após apreciação formal das propostas: Os oito concorrentes apresentaram as seguintes propostas de preço: PROLÓGICA € 906.949.59, FUGITSU SERVICES € 711.883.80, NEWVISION €700.000.00, SINFIC €709.937.00, CPCIS € 700.000,00, PTPRIME € 700.001,10, A (a ora Requerente) € 700.000.00 e PDM & KC € 700.000.00: Face ao preço base estabelecido no Caderno de Encargos, as propostas apresentadas pelos concorrentes deveriam ser integradas por justificações do respectivo preço sempre que este fosse 50% inferior àquele valor, sob pena de serem excluídas; Não tendo as concorrentes NEWVISION, CPCIS, A e PDM & FC apresentado a referida justificação com a sua proposta, deveriam ser excluídas de imediato, sendo valoradas apenas as restantes: e da aplicação do critério de adjudicação, deve ser proposta a adjudicação dos serviços em causa à concorrente PTPRIME «nos termos definidos na sua proposta e salvaguardando o integral cumprimento dos requisitos definidos no Caderno de Encargos a que respondeu, pelo preço global de € 700.001.100, ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor» (acordo; cf. doe. de fls. 72 a 75 dos autos).
10. À proposta de exclusão constante do relatório preliminar respondeu a A em 16.03.2010 (acordo: cf. doe. de fls. 76 a 80 dos autos).
11. Em 19.03.2010 o Júri do Concurso elaborou o Relatório Final (acordo; cf. doe. de fls. 81 a 86 dos autos).
12. Nesse relatório foi apreciada a argumentação aduzida pelos concorrentes excluídos em sede de audiência prévia e mantidas as propostas de exclusão das concorrentes que apresentaram um "preço anormalmente baixo" e de adjudicação dos serviços à concorrente PT PRIME (acordo; cf. doe. de fls. 81 a 86 dos autos).
13. Em 23.03.2010 o CD do R. deliberou adjudicar à PT Prime a Aquisição, Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP IP conforme doe. de fls. 64 e 65.
14. O referido Relatório Final foi colocado na plataforma electrónica utilizada - e dado a conhecer aos concorrentes - no dia 12.04.2010 (acordo).
15. Em 16,04.2010 a A. solicitou, através da mencionada plataforma electrónica, esclarecimento sobre se teria sido, ou não, proferida deliberação de adjudicação, conforme doe. de fls. 87 a 88 dos autos (acordo).
16. Foi informado pelo R. à A. que a decisão de adjudicação foi colocada na plataforma electrónica no dia 12.04.2010 (acordo).
17. Em 19.04.2010 a concorrente NewVision apresentou perante o Presidente do Conselho Directivo do IF.FP reclamação e recurso administrativo da aprovação do Relatório Final do Júri e da Deliberação de Adjudicação pedindo a revogação da aprovação do Relatório Final do Júri e de todos os actos subsequentes àquele relatório, designadamente a deliberação de adjudicação, conforme doe. de fls. 89 a 100 dos autos (acordo).
18. Pronunciou-se a ora Requerente sobre o teor da reclamação c recurso administrativo, acompanhando a respectiva argumentação, conforme doe. de fls. 102 a 109 dos autos (acordo).
19. Por Deliberação do Conselho Directivo da R. de 04.05.2010. comunicada à A. em 06.05.2010 foi decidido «indeferir o recurso hierárquico interposto pelo concorrente "NewVision - Sistemas inteligentes para Soluções de Atendimento, SA", face aos motivos expostos na presente informação», conforme doe. de fls. 110a 113 dos autos (acordo).
20. Refere-se aquela deliberação à Informação nº 650/FC-AD/2010 de 04.05.2010. na qual se refere novamente a argumentação utilizada pelo Júri do Concurso e se propõe que não seja dado provimento ao recurso interposto e seja mantida a decisão de adjudicação, «nos lermos em que foi formulada a 13/03/2010» (acordo; cfr. doe. de fls. 110 a 113 dos autos).
21. Em 10.05.20 foi celebrado o contrato de fls. 279 a 282, entre o R. e a PT Prime, para fornecimento dos serviços necessários à Instalação c Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes c Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, IP.

Nos termos do artº 712º nº 1 a) CPC ex vi artº 140º CPTA altera-se a decisão sobre a matéria de facto levada ao probatório no item 9., por indevida, sendo substituída pela transcrição do teor declaratório do documento que lhe serve de base, junto aos autos a fls. 72 a 75.

9. O Relatório Preliminar de Análise elaborado pelo Júri do Concurso Público Internacional nº 20092100693 é do teor que se transcreve:
"(..) Para efeitos de audiência prévia, o júri elaborou o presente relatório preliminar onde registou os resultados da análise e avaliação das propostas apresentadas.
I - CONCORRENTES ADMITIDOS E RESPECTIVAS PROPOSTAS
1. Na sequência do Anúncio de Abertura de Procedimento por Concurso Público Internacional Nº 200921 00693, publicitado no Diário da Republica II Série,n°l57, em 14 de Agosto de 2009, apresentaram propostas, por ordem de entrada, os seguintes concorrentes:
1° PROLOG1CA, SISTEMAS INFORMÁTICOS, S.A
2° FUJITSU SERVICES - TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO, LDA.
3° NEWVISON - SISTEMAS INTELIGENTES PARA SOLUÇÕES DE ATENDIMENTO, SA
4º S1NFIC-SISTEMAS DE INFORMAÇÃO INDUSTRIAIS E CONSULTORIA, SA
5º CPCI-COMPANHIA PORTUGUESA DE COMPUTADORES INFORMÁTICA E SISTEMAS, SA
6º PT PRIME - SOLUÇÕES EMPRESARIAIS DE TELECOMUNICAÇÕES E SISTEMAS SA
7° A, S.A.
8° PDM & FC - PROJECTO DESENVOLVIMENTO MANUTENÇÃO FORMAÇÃO E CONSULTADORIA LDA
2. Após análise formal, quer aos documentos que acompanham a proposta, quer aos documentos que a instruem, o Júri deliberou admitir todos os Concorrentes, cujos preços das propostas se encontram no quadro abaixo:
Ordem Concorrente Preçoda
Proposta
1º PROLOGICA-SISTEMAS INFORMATICOS LDA 906949,590
2° FUJITSU SERVICES - TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃOLDA 711883,800
3° NEWVISION- SISTEMAS INTELIGENTES PARA SOLUÇÕES DE
ATENDIMENTO SA 700000,000
4º SINFC-SISTEMAS DE INFORMAÇÃO INDUSTRIAIS E CONSULTORIA, SA 709937,000
5º CPCIS-COMPANHIA PORTUGUESA DE COMPUTADORES,
INFORMÁTICA E SISTEMAS SA 700000,000
6° PT PRIME - SOLUÇÕES EMPRESARIAIS DE TEELCOMUCICAÇÕES E
SISTEMAS SA 700001,100
7º A SA 700000,000
8º PDM & FC - PROJECTO DESENVOLVIMENTO MANUTENÇÃO E
FORMAÇÃO E CONSULTADORIA LDA 700000,000

II - APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
3. Por se tratar de uma aquisição de bens e serviços, face ao preço base fixado pela entidade adjudicante no caderno de encargos em 1.400.000,00€, as propostas apresentadas peles concorrentes deveriam ser integradas por justificações do respectivo preço sempre que esse fosse 50% inferior àquele valor, sob pena de serem excluídas.
4. Assim, da aplicação dos critérios de avaliação relativos ao preço [factor B.l] definidos para a análise das propostas submetidas no âmbito deste Concurso Público e considerando os valores representados no quadro acima, resultou a exclusão imediata dos candidatos NEWVISION, CPCIS, A e PDM & FC por as respectivas propostas não integrarem qualquer justificação que fundamentasse o preço anormalmente baixo apresentado [< 700.000,00 €], resultando para as restantes propostas candidatas a valorarão apresentada no quadro seguinte.

CONCORRENTE Situação do
preço da
proposta face
ao preço base
Preço
anormalmente
baixo justificado
na proposta ?
Situação
da
proposta
Pontuação
atribuída
%
PROLOGICA SISTEMAS INFORMÁTICOS SA Valor
Admitido
  Admitida 70.436
FUJITSU SERVICES TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO LDA Valor
Admitido
  Admitida 98.302
newvision sistemas INTELIGENTES para
SOLUÇÕES DE ATENDIMENTO SA
Valor a
Justificar
Não Excluída  
SINFIC - SISTEMAS DE INFORMAÇÃO
INDUSTRIAIS E CONSULTADORIA SA
Valor
admitido
  Admitida 98,580
CPCIS-COMPANHIA PORTUGUESA DE
COMPUTADORES. INFORMÁTICA E SISTEMAS,
S. A
Valor a
Justificar
Não Excluída
PT PRIME SOLUÇÕES EMPRESARIAIS DE
TELECOMUNICAÇÕES E SISTEMAS, SA
Valor
admitido
  Admitida 100,000
A, S.A Valor a
Justificar
Não Excluída  
PDM & FC-PROJECTO DESENVOLVIMENTO
MANUTENÇÃO FORMAÇÃO E CQNSULTADORIA LDA
Valor a
Justificar
Não Excluída  


5. Procedeu seguidamente o Júri à avaliação da qualidade técnica das propostas [factor 4] dos candidatos PROLOGICA, FUJITSU, SINFIC e PTPRIME, transitadas da anterior fase avaliação do preço, aplicando-lhes os critérios definidos no Modelo de Avaliação, tendo desse processo resultado a valoração apresentada no quadro seguinte

Cumprimento dos requisitos fixados no
Caderno de Encargos
PROLOGICA FUJITSU SINFIC PT PRIME
  63,0 63,0 63,0 63,0
A.1.1.Características Funcionais [Sistema Gestão
de fluxos)
16. 0 16,0 16.0 16,0
A.1.2Características técnicas (Sistemas Gestão de fluxos] 9,0 9,0 9,0 9.0
A.2.1 Características funcionais (Sistema Corporate TV) 9,0 9,0 9,0 9,0
A.2.2.Características Técnicas (Sistema Corporate
TV)
7,0 7,0 7. 0 7.0
A.3.Plano de Formação 10,0 10.0 10.0 10,0
A 4 Garantia e Assistência Técnica 12.0 12.0 12.0 12.0
Superação dos requisitos nos termos abaixo definidos 37,0 29,0 37.0 37,0
A.1.1.Funcionalidade de geo-referenciação 3.D 3.0 3,0 3,0
Agenda virtual 3.0 3.0 3,0 3,0
Sistema de semáforos 3.0 3,0 3,0 3,0
A.1.2.Ecrã LCD com touch screen 2,0 2.0 2,0 2,0
PDA enquanto dispositivo autónomo de
chamada
2,0 2,0 2.0 2,0
Activação automática de terminais após 1ª
ligação à rede [Sistema de Gestão de Fluxos
e Atendimento de Utentes)
2,0 2,0 2,0 2,0
A.2.1. Conteúdos informativos dirigidos ao publico-alvo 3,0 3,0 3.0 3.0
A.2.2.Estatísticas sobre 3 passagem de conteúdos 3.0 3,0 3,0 3.0
Activação automática ae terminais após lª
ligação à rede (Sistema de Corporate TV]
3.0 3.0 3,0 3,0
A.3 Canal privilegiado para esclarecimento de
dúvidas/reciclagem
5,0 5,0 5,0 5,3
   
A.4 Período adicional de assistência 6 meses
12 meses
18 meses
4,0

4,0


4,0
Período adicional de garantia 1 ano
2 anos
3 anos


4,0
 

4,0


4,0
 
Pontuação total 100,0 92,0 100,0 100,0


6. Da conjugação dos factores em análise, Preço e Qualidade Técnica das propostas, nos termos definidos pelo modelo de avaliarão, resultou a seriação das propostas candidatas representada no quadro seguinte:

PROLOGICA FUJITSU SINFIC PT PRIME
A. Qualidade Técnica da proposta 60,000 55,200 60,000 60,000
B. Preço 28,174 39,331 39,432 40,000
Pontuação Final [A + B] 88,174 94,521 99,432 100,000


III - CONCLUSÕES
7. Face ao exposto, propõe-se a adjudicação do serviço ao Concorrente n° 6 - PT PRIME, nos termos da sua proposta e salvaguardando o integral cumprimento dos requisitos definidos no Caderno de Encargos a que respondeu, pelo preço global de € 700 001,100, ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor.
Lisboa, 5 de Março de 2010, O Júri do Concurso (assinaturas (..)" - doc. a fls. 72 a 75 dos autos.


DO DIREITO

1. concessão cautelar em procedimentos de formação de contratos - art°s 132° n° l CPTA e 2° n° l a) da Directiva 89/665/CEE;

No domínio dos procedimentos de formação de contratos, a consideração conjunta dos requisitos do fumus boni iuris, periculum in mora e ponderação dos interesses em presença ou apenas deste último, fazendo cair os dois primeiros como critérios próprios de concessão cautelar, configura matéria controversa.
Cumpre tomar posição em ordem a decidir o presente recurso.

Salvo o devido respeito por entendimento distinto, da conjugação do disposto nos n°s. l, 3 e 6 do art° 132° CPTA não parece que o regime processual das providências cautelares em sede de procedimento de formação de contratos imponha modo inelutável a desconsideração do juízo de apreciação autónoma do fumus boni iuris, nas duas vertentes da aparência do direito ou interesse invocado pelo requerente como merecedor de tutela e da probabilidade da ilegalidade da actuação lesiva que sobre tal interesse se projecta, e do periculum in mora de infrutuosidade ou de retardamento pelo decurso do tempo na prática dos actos jurídicos na instância principal, ou seja, do perigo de produção de danos específicos com origem no tempo de pendência da acção principal de que o meio cautelar é instrumental.
Os art°s 132° n° l CPTA e 2° n° l a) da Directiva 89/665/CEE ao explicitarem o escopo deste meio adjectivo dispõem que se trata de "providências destinadas a corrigir a ilegalidade ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença", texto do primeiro, e de "medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa", texto da segunda.
Na medida em que se trata de tutela cautelar instrumental de acção de contencioso urgente pré-contratual, a referência à correcção das ilegalidades e impedimento de outros danos nos interesses em causa significa que o fim deste meio adjectivo converge para a prevenção da posição substantiva de fundo do requerente enquanto o procedimento de formação de contrato ainda esteja em curso, isto é, "numa fase em que as violações podem ainda ser corrigidas" como se diz nos considerandos da Directiva 89/665/CEE, em ordem a ser possível, ainda, a efectiva permanência do requerente como sujeito do procedimento e prevenir o risco de lesão do seu interesse na adjudicação e, mais que tudo, evitar a celebração e execução do contrato, assumindo, uma tutela cautelar de direitos do tipo pretensivo que, no âmbito dos procedimentos de formação de contratos, actue ainda antes de a lesão se produzir. (1)
A referência expressa à correcção de ilegalidades e interesses em presença demonstra, a nosso ver, que os requisitos do fumus boni iuris (aparência dum direito e da ilegalidade da actuação administrativa) e periculum in mora (perigo de insatisfação desse direito aparente) se configuram, nos termos gerais de direito da acção cautelar, como pressupostos necessários à sua decretação, dado que "(..) a função das providências cautelares consiste justamente em eliminar o periculum in mora, em defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta e demorada da decisão definitiva (..) submetendo a relação jurídica litigiosa a um exame sumário, e por isso rápido, tendente a verificar se a pretensão do requerente tem probabilidades de êxito e se, além disso, da demora do julgamento final pode resultar, para o interessado, dano (..)". (2)
Pelo que vem de ser dito e com fundamento no disposto no art° 132° n° 3 CPTA, o regime geral da tutela cautelar assente nas disposições comuns (art°s. 112° a 127°) é extensivo às providências em matéria de contratação pública, com as adaptações devidas por ressalva expressa nos seus n°s. 4 a 7.
O que significa, salvo o devido respeito pelo entendimento contrário sustentado na doutrina, que o regime do art° 132° n° 6 CPTA é no sentido de dotar a tríade dos pressupostos cautelares de especificidades próprias, mas não a ponto de desconsiderar os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora e elevar o critério da ponderação dos interesses em presença a pressuposto único de decisão. (3)

2. periculum in mora - art°s 132° n° l CPTA e 2° n° l a) da Directiva 89/665/CEE;

Nas providências cautelares o pressuposto processual do interesse em agir corporiza-se no periculum in mora na medida em que, como já posto em evidência supra, a tutela cautelar no domínio do contencioso dos procedimentos de formação de contratos tem por finalidade eliminar o dano marginal da formação lenta e demorada da decisão definitiva de modo a permitir que o requerente, até ao trânsito em julgado da acção principal e supondo ganho de causa, se mantenha como sujeito participante no procedimento e evite a celebração ou o início de execução do contrato.
Propósito manifesto, repete-se, nos art°s 132° n° l CPTA e 2° n° l a) da Directiva 89/665/CEE.
O que significa que neste tipo de providências, precisamente porque o periculum in mora se configura nos limites do interesse do requerente em permanecer no procedimento em ordem à adjudicação e evitar a celebração ou o início de execução do contrato, ademais de (i) a lei, cfr. art° 120° n° l a) ex vi 132° n° 6, prescindir da sua invocação em caso de ostensiva ilegalidade da actuação administrativa, (ii) também dispensa o requerente do ónus de alegação de matéria de facto em ordem à graduação do fundado receio nas vertentes da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação - na formulação unitária do regime geral do art° 120° n° l b) e c) CPTA - na medida em que nem uma nem outra dessas vertentes são exigíveis, exactamente porque, reitera-se, a lei se basta com a probabilidade de prejuízo do interesse na adjudicação, prejuízo materializado, como é evidente, no facto de cessar a efectiva permanência do requerente como sujeito do procedimento concursal. (4)
Deste modo, não sendo exigíveis, a conclusão a tirar é que os critérios de existência do periculum in mora aferidos pela situação de facto consumado e de produção de prejuízos de difícil reparação nos termos do artº 120º nº 1 b) c) CPTA, não constituem tema probatório do processo cautelar em matéria de procedimentos de formação de contratos.

3. fumus boni iuris incontroverso, patente e irrefragável - artº 120° n° l a) CPTA;

Um dos traços distintivos fundamentais da tutela cautelar reside na instrumentalidade do processo cautelar ao processo principal, servindo-lhe de escora em ordem a garantir a utilidade da acção em que se discute o fundo da causa e preservar o direito ou interesse ameaçado pelo periculum in mora.
O que evidencia a razão pela qual "(..) no contencioso administrativo a apreciação do fumus boni iuris requer não apenas a emissão de um juízo sobre a aparência da existência de um direito ou interesse do particular a merecer tutela, como também da probabilidade da ilegalidade da actuação lesiva do mesmo (..)", ilegalidade essa cuja verificação há-de configurar o objecto da causa principal relativa ao procedimento de formação do contrato, sendo que a aparência do bom direito, "(..) Constitui, assim, um imperativo lógico, por consubstanciar uma regra de puro bom senso, admitir a relevância do fumus boni iuris, reconhecendo-lhe o valor de pressuposto incontornável da concessão de providências cautelares nos procedimentos de formação de contratos.
A sua consagração deve ter-se por ínsita na própria referência aos prejuízos decorrentes para o interessado no decretamento da providência, em virtude de só poder afirmar-se o perigo de produção de um prejuízo adveniente da morosidade do processo se lhe assistir aparentemente razão. (..)". (5)
Todavia, a alínea a) do n° l do artº 120° CPTA tem como campo de aplicação as situações excepcionais que pelas suas características prescindem da verificação dos requisitos gerais estatuídos em sede de regime geral, de modo que "(..) o seu sentido e alcance é, pois, o de estabelecer um regime especial de atribuição das providências, mediante o qual é afastada, para as situações nele contempladas, a aplicação do regime geral, consagrado nas alíneas b) e c) do n° l e n° 2.
As situações excepcionais contempladas no n° l alínea a) são aquelas em que se afigura evidente ao Tribunal que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal irá ser julgada procedente. (..)". (6)
A cognição cautelar assenta num juízo de probabilidades quanto à existência do direito acautelado, isto é, assenta numa aparência do bom direito, ou fumus boni iuris, fundamento jurídico da provisoriedade de direito da decisão cautelar perante a decisão da causa principal, "(..) a provisoriedade resulta como consequência normal do tipo de cognição que o juiz do processo acessório faz sobre o mérito do quid que é objecto do segundo processo: cognição assente na aparência, já que apenas se exige como grau de prova a fundamentação [mera justificação como meio de prova] (..) é sempre provisória de direito perante o juiz da causa principal, já que os seus efeitos de direito são sempre modificáveis e extintos pelo juiz da causa principal (..) no processo em que é emitida, "a cognição cautelar assenta num cálculo de probabilidades quanto à existência do direito acautelado" (..)" (7)
A qualidade de cognição exigida pelo art° 120° nº l a) CPTA para o fumus boni iuris traduzida na expressão "evidente procedência da pretensão formulada" mede-se pelo carácter incontroverso (que não admita dúvida), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável) do presumível conteúdo favorável da sentença de mérito da causa principal, derivado da cognição sumária das circunstâncias de facto e consequente juízo subsuntivo na lei aplicável, efectuados no processo cautelar.

Em sede de sentença entendeu-se que não é evidente a procedência da pretensão da ora Recorrente em sede de processo principal, ou seja, a situação não é subsumível na hipótese normativa do art° 120°n° l a) CPTA, com o que se concorda inteiramente, todavia, na sequência do entendimento sustentado quanto ao requisito cautelar do fumus boni iuris, tal não nos dispensa de indagar da aparência do bom direito invocado pela Recorrente e ilegalidade da actuação administrativa lesiva desse mesmo direito.

4. preço anormalmente baixo; exclusão de proposta;

Na circunstância, a tipologia procedimental reporta ao concurso público para aquisição de bens e serviços, tendo por critério de adjudicação a proposta economicamente mais vantajosa, artº 74º nº 1 a) CCP.
Para análise de não admissão de propostas no concurso público, importa atender à conjugação de regimes dos artºs. 146º nº 2 o), 70º nº 2 e) 1ª parte e 71º nº 1 b) e 47º nº 1 a), todos do CCP, nomeadamente, que uma vez fixado o preço base no caderno de encargos, será considerado preço anormalmente baixo o que apresente um valor em 50%, ou mais, inferior àquele, cfr. artº 71º nº 1 b) CCP.
Neste enquadramento normativo, o preço base fixado no caderno de encargos significa que a entidade adjudicante determinou o limite máximo "que se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações" objecto do contrato, razão pela qual configura caso de exclusão a proposta que apresente um preço total anormalmente baixo e "cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados" pelo concorrente, vd. artº 70º nº 2 e) CCP.
Efectivamente, entre os documentos constitutivos obrigatórios da proposta e de consequente apresentação obrigatória, figura o documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto "quando esse preço resulte, directa ou indirectamente das peças do procedimento" cfr. artº 57º nº 1 d) CCP. (8)
Havendo preço base fixado, a ausência de documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto determina a exclusão da respectiva proposta, cfr. artº 70º nº 2 e CCP; o dever de solicitação de esclarecimentos a cargo do órgão competente para a decisão de contratar, pressuposto integrativo do poder de exclusão das propostas nesta matéria do preço anormalmente baixo estatuído no artº 71º nº 3 CCP, rege na circunstância de não haver preço base fixado no caderno de encargos.
Trata-se de uma razão de exclusão atinente ao conteúdo das propostas e respeitante a aspecto da execução do contrato parcialmente submetido à concorrência, o preço, mediante a aposição de um limite máximo, configurado como parâmetro base a partir do qual e em via descendente de valor face ao preço fixado, se faz a concorrência; só que, atingido o patamar quantitativo do preço anormalmente baixo para o tipo de procedimento em causa - no caso, cfr. artº 71º nº 1 b) CCP qualquer um que não tenha por objecto a contratação da empreitada de obras públicas -, a circunstância de os esclarecimentos justificativos não terem sido apresentados conjuntamente com a proposta determina a exclusão desta. (9)
Neste sentido, o regime do artº 146º nº 2 d) CCP com remissão expressa para o artº 57º nº 1, incluindo, pois, a omissão de documento (constitutivo e obrigatório) justificativo de preço proposto, anormalmente baixo no confronto com o preço base fixado no caderno de encargos pela entidade adjudicante, calculado de acordo com o estabelecido no artº artº 71º nº 1 b) CCP, o que significa a exclusão da proposta como determina a alínea o) do artº 146º nº 2, com remissão expressa para o artº 70º nº 2 que, na al. e) considera o preço anormalmente baixo cujas justificações não tenham sido apresentadas.
Aplicando o regime exposto à matéria de facto levada ao probatório nos itens 3, 4, 7, 9, 11 e 12, não logra sustentação o juízo de verosimilhança sobre o fumus boni iuris em favor da ora Recorrente na medida em que falece a probabilidade da ilegalidade da actuação administrativa lesiva do mesmo.

5. ponderação de interesses - artº 132º nº 6 CPTA;

No tocante ao critério da ponderação dos interesses em presença, de fundamental configuração
nesta tutela cautelar, as regras são exactamente as mesmas que regem no domínio do periculum in mora, incluindo a respectiva desconsideração sempre que seja caso de evidente procedência do pedido deduzido/a deduzir na acção principal por ilegalidade manifesta da conduta administrativa, vd. art° 132° n° 6, 1a parte, CPTA.
Fora do quadro da evidência do direito invocado em ambas as vertentes (aparência da existência de um direito ou interesse do particular a merecer tutela e probabilidade da ilegalidade da actuação lesiva do mesmo), independentemente de segundo o entendimento doutrinário em que nos inserimos, a prova sumária confluir, em juízo de verosimilhança, para o preenchimento das condições naturais de procedência da específica tutela cautelar requerida, isto é, de se concluir pela (i) existência provável do direito invocado (ii) e da aparente invalidade do acto administrativo praticado, (iii) bem como dos efeitos lesivos do concreto interesse invocado pelo requerente que no caso, como já se disse é de permanecer como sujeito do procedimento concursal, todavia, a concessão da providência depende do juízo de probabilidade quanto aos danos dela provenientes no domínio da esfera jurídica dos demais interessados, presentes no caso concreto trazido a juízo, vd. art° 132° n° 6, 2a parte, CPTA.
Dito de outro modo, muito embora o requerente tenha a seu favor a aparência do bom direito invocado e provável invalidade do acto da Administração de que deriva o risco de infrutuosidade pela demora da tutela jurisdicional principal, não é de decretar a providência requerida
· caso da concreta ponderação de todos os interesses em presença susceptíveis de serem lesados - o interesse público concreto na estabilidade dos actos praticados no domínio do procedimento ou na celebração e execução do contrato, o interesse dos terceiros, maxime, na manutenção das suas posições jurídicas procedimentais e o interesse do requerente da tutela provisória,
· se conclua, em juízo de probabilidade, que os danos resultantes da adopção da providência (para a Administração requerida e terceiros) são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção (para o requerente), sem que "(..) possa haver contra-providências que evitem ou atenuem (suficientemente) a lesão (..)", vd. art° 132° n° 6, parte, CPTA. (10)
Simplesmente não cabe entrar na análise do balanceamento dos interesses da ora Recorrente e dos riscos incorridos pelo interesse público e pelo contra-interessado, contrapostos aos primeiros, porque, na circunstância dos autos é questão que se mostra prejudicada pelas razões expostas supra.
Como já referido, a ora Recorrente ademais de não ter a seu favor o requisito cautelar do fumus boni iuris com as qualidades já referidas de incontroverso (que não admita dúvida), patente (posto que visível sem mais indagações) e irrefragável (irrecusável, incontestável), também não tem a seu favor a aparência do bom direito na componente da alegada ilegalidade do acto administrativo de exclusão, na medida em que não fez acompanhar a proposta apresentada a concurso com a justificação documentada do preço apresentado inferior em 50% do preço base fixado no caderno de encargos pela entidade adjudicante, o que implica, pelas razões de direito expostas supra, a insustentabilidade da providência requerida.
Pelo que vem dito, face à prejudicialidade fundada na improcedência do requisito do fumus boni iuris, não se conhece das questões suscitadas nos itens C a U das conclusões de recurso.


Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso
Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 18.NOV.2010

(Cristina dos Santos)
(António Vasconcelos)
(Paulo Gouveia)


1- Ana Gouveia Martins, A tutela cautelar no contencioso administrativo (em especial nos procedimentos de formação dos contratos), Coimbra Editora/2005,págs. 531/532; Alexandra Leitão, A protecção judicial dos terceiros nos contratos da administração pública, Almedina/2002, págs. 376/380; Pedro Gonçalves, Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, CJA/62, págs.4/5.

2- Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol I, Coimbra/1980, págs. 621 e 625.

3- Vieira de Andrade,
A justiça administrativa, 10aed. Almedina/2009, págs. 376/377; Políbio Henriques, Processos urgentes - algumas reflexões, CJA/47, págs.39/40; Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina/2005, págs.670/671; Ana Gouveia Martins, A tutela cautelar ... págs. 524/525; Pedro Gonçalves, Avaliação do regime jurídico..., CJA/62, págs. 4/5; Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo, Almedina/2010, págs. 491/493;

4- Aroso de Almeida, Manual de processo administrativo, Almedina/2010, pág. 492.

5- Ana Gouveia Martins,
A tutela cautelar... págs. 43 nota (40), 71/72 e 536/537.

6- Mário Aroso de Almeida, Carlos Fernandes Cadilha,
Comentário ao CPTA, Almedina/2005, pág. 602.

7- Isabel Celeste M.Fonseca,
Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo, Almedina/2002, págs. 93/94 e 97/98.

8-
Mário Esteves de Oliveira et alii, Código dos Contratos Públicos e legislação complementar - guias de leitura e aplicação, Almedina/2008, págs. 64/641 e 790.

9- Margarida Olazabal Cabral, O concurso público no Código dos Contratos Públicos - Estudos de Contratação Pública, I - CEDIPRE, Coimbra Editora/2008, págs. 201/203.

10- Vieira de Andrade, A justiça ... págs. 376/377.