Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 1 de Julho de 2010 (proc. 5985/10)

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Sumário:

I - O Júri detém, na sua operação de valoração das propostas a um concurso de empreitada (como noutro tipo de concursos), de uma margem de discricionariedade técnica, de livre apreciação, por se tratar de aspectos não vinculados do acto administrativo.
II - Não ocorre a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, quando o Júri entendeu que a Memória Descritiva da organização dos trabalhos prevista pelo recorrente não estava totalmente de acordo com o Programa do Concurso.
Na verdade, não existe nesta decisão do Júri qualquer fundamento novo, acrescentado à ultima da hora, mas a simples constatação de que a descrição do modo de execução da obra apresentada pela recorrente não estava totalmente de acordo com o exigido no Programa do Concurso, conforme foi justificado.
III - No caso do procedimento concursal, considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa previamente elaborada pelo Júri as valorações atribuídas a cada item, e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação atribuída, sem necessidade de se justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação.

 

Texto Integral:

Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

N.......... & M..... , Lda. com sinais nos autos, inconformada com a sentença do TAF de Castelo Branco, de 22 de Dezembro de 2009, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual por si intentada contra o Município de Gavião, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões (sintetizadas):

" A - Quando o Júri de um concurso público descreve do mesmo modo, do ponto de vista técnico, várias propostas, total ou parcialmente, no Relatório Preliminar de Apreciação das Propostas (RPAP), mas lhes atribui diversa notação, não pode posteriormente, no Relatório Final, ou em qualquer outro momento, alterar a descrição técnica daquelas propostas como fundamento das diferentes notações atribuídas.

B - A invocação dessa suposta desconformidade da proposta com o Programa do Procedimento , no Relatório Final, após reclamação da Autora quanto à notação obtida na Memória Descritiva, mais não é do que uma tentativa vã de formalmente justificar a posteriori uma notação que a priori nunca devia ter sido diversa da dos concorrentes n.º 7 e n.º 9.
Por outro lado,

C - Constitui erro grosseiro do Júri, dizer que a Memória Descritiva da Autora se encontra "desconforme" ao exigido no Programa do Procedimento, se para tanto se invoca apenas e só a expressão genérica constante da alínea 6.º da matéria assente, quando, do mesmo passo, se ignora o demais conteúdo, aliás concreto, minucioso e rigoroso, do mesmíssimo documento onde aquela frase foi introduzida.

D - A frase constante da proposta da Autora e vertida para a alínea 6.ª da matéria assente, não representa, em si, qualquer desconformidade com o Programa do Procedimento porquanto é absolutamente natural - sendo até uma obrigação legal, v.g. artigos 357.º e 361.º n.º 3 do Código dos Contratos Públicos - que após a consignação da obra sejam revistos os planos anteriormente apresentados e sejam entregues os definitivos.
Por outro lado, ainda,

E - As expressões "novos fundamentos" e "nova argumentação" usadas pela Autora na PI têm de ser lidas em sentido lato, isto é, como invocação de novas (face ao RPAP) realidades por parte do Júri e não como se a Autora, pelo simples facto de lhes fazer referência, tivesse aceite ou configurado tais realidades como parte integrante da fundamentação do acto administrativo no sentido substantivo do termo.

F - No caso concreto, para que se demonstrasse cumprido o requisito de fundamentação a que se refere o citado 125.º n.º 1 do CPA necessário teria sido, salvo melhor opinião, que o Júri tivesse indicado expressamente quais os concretos pontos de facto, quais os exactos aspectos supostamente exigidos no Programa do Procedimento que a Autora supostamente não cumpriu e que os concorrentes que tiveram 100 valores neste factor supostamente cumpriram.

G - Sendo certo que, além de boa parte da matéria alegada na contestação sobre a Memória Descritiva da Recorrente, não se encontrar provada, a Entidade Adjudicante não pode fundamentar em juízo as opções técnicas que o Júri tomou ou deixou de tomar durante o procedimento.

H - Tudo vale por dizer que mesmo que fosse admissível ter em conta a expressão de "desconformidade" da proposta da Autora face ao Programa do Procedimento, introduzido pelo Júri no Relatório Final, que não é, ou que se considerasse ter tal expressão alguma correspondência com a realidade, que o não tem, o certo é que, essa justificação encontra-se totalmente desprovida de fundamentação, no sentido legal do termo, não podendo por isso prevalecer na Ordem Jurídica antes dela deve ser erradicada.

I - O Meritíssimo juiz a quo cometeu erro de julgamento proferindo sentença que viola os princípios da igualdade e da imparcialidade ínsitos nos artigos 5.º e 6.º do CPA e 13.º da CRP e bem assim o disposto no artigo 125.º do CPA, em matéria de fundamentação de actos administrativos, razão pela qual a sentença tem de ser revogada e substituída por outra que anulando o acto de adjudicação condene o Réu a adjudicar a obra à Autora, conforme pedido em sede inicial."

O Município do ..... contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.

Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Castelo Branco que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela ora Recorrente tendente à anulação do acto de adjudicação da empreitada de Construção do Parque .............., 2ª fase, Bancadas e Balneários e a condenação do Município R. na adjudicação a seu favor, bem assim como a anulação do contrato caso já tenha sido celebrado.

Nas conclusões A ) a I) da sua alegação , a Recorrente, reiterando a argumentação expendida na sua petição inicial , conclui que a sentença em crise incorre em erro de julgamento, violando os princípios da igualdade e da imparcialidade ínsitos nos artigos 5º e 6º do CPA e 13º da CRP.
No essencial, sustenta que o Júri de um concurso publico ao descrever do mesmo modo, do ponto de vista técnico, várias propostas, total ou parcialmente, no Relatório Preliminar de Apreciação das Propostas, atribuindo-lhe contudo diversa notação, não pode posteriormente, no Relatório Final, ou em qualquer momento, alterar a decisão técnica daquelas propostas como fundamento das diferentes notações atribuídas.
No caso concreto, no Relatório Preliminar, referindo-se à proposta da ora recorrente, o Júri salienta que "A Memória Descritiva do modo de execução da obra é de modo geral boa apresentando a organização prevista para a execução dos trabalhos, descrição de modos construtivos a aplicar e aspectos técnicos considerados relevantes à execução da empreitada" . Contudo, no Relatório Final afirma que essa mesma Memória Descritiva " (...) não se encontra totalmente de acordo com o exigido no Programa e Procedimento (...)".
Assim, a invocação dessa suposta desconformidade no Relatório Final, após reclamação da Autora, aqui Recorrente, quanto à notação obtida na Memória Descritiva , mais não é do que uma tentativa vã de formalmente justificar a posteriori uma notação que a priori nunca devia ter sido diversa da dos concorrentes nº 7 e nº 9.
Vejamos se assim é de entender.
A sentença recorrida entendeu que o Júri do Concurso não aditou fundamentos novos à sua decisão, tendo-se limitado a explicitar as suas razões quando para esse efeito foi inquirido pela própria recorrente.
Com efeito, e como observa o Mmo Juiz a quo, no Relatório Preliminar, o Júri, quanto à "Memória Descritiva do Modo de Execução da Obra" da A., ora recorrente, concluiu que a mesma era de um modo geral boa, apresentando a organização prevista para a execução dos trabalhos, descrição de métodos construtivos a aplicar e aspectos técnicos considerados relevantes à execução da empreitada, classificando-a de "Bom" , a que correspondia a pontuação de 75 valores.
Ora, tal critério não se mostra alterado, ou com novo fundamento, quando o mesmo Juri, no Relatório Final, apreciando a pronúncia da aqui Recorrente formulada em sede de audiência prévia, esclarece que aquela pontuação de 75 valores foi atribuída em função do modo de execução da obra, como elemento diferenciador e principal deste critério, por não se encontrar totalmente de acordo com o exigido no Programa e Procedimento, invocando a propósito o artigo 28º do Programa do Concurso, cujo nº 1 al. j) descreveu.

Aliás, face ao fundamento do Relatório Preliminar na apreciação das propostas, nomeadamente da comparação entre a da ora Recorrente e a da outra contra - interessada classificada em 1º lugar, é forçoso concluir que o exigido no Programa do Procedimento , com alusão ao artigo 28º nº 1 al. j) se referia aos "outros [ aspectos ] considerados essenciais à execução da empreitada".
Na verdade, tendo em consideração a formulação exarada naquela alínea, nomeadamente no que se refere aos "outros [ aspectos ] considerados essenciais", comparando os projectos da A., designadamente, com a da contra - interessada a quem é proposta a adjudicação, é notório que aquela efectuou uma descrição geral da execução da obra, relegando para momento posterior ao da consignação da obra, o "total levantamento da obra de modo a precisar o material necessário, os trabalhos a realizar e novas tarefas", não cumprindo assim totalmente o pretendido com a planificação dos trabalhos e modo de execução da obra, além de ser completamente omissa, ao contrário da referida contra - interessada, no que tange a alguns aspectos considerados essenciais, como por exemplo, a nível de medidas minimizadoras de impacte ambiental, de caracterização do local e de minimização do quotidiano dos moradores e tráfego, etc.
Daí que para o Júri do Concurso tivesse necessariamente de diferenciar a proposta do ora Recorrente, atribuindo-lhe uma classificação inferior - "Bom" , correspondente a 75 valores -, relativamente à de outras contra - interessados a que foi atribuída a classificação de "Muito Bom" , correspondente a 100 valores.
Concluímos do exposto, que a explicitação fornecida no Relatório Final não consubstancia qualquer nova fundamentação, pelo que improcedem as conclusões A) a I) atinentes ao invocado vicio de violação dos artigos 5º e 6º do CPA e artigo 13º da CRP.

Nas restantes conclusões da sua alegação, a Recorrente invoca o vicio de forma por falta de fundamentação, consubstanciado na violação do artigo 125º do CPA.
Sustenta a Recorrente que a fundamentação do Relatório Preliminar e do Relatório Final não é só obscura e insuficiente, mas inexistente, por a afirmação "não se encontra totalmente de acordo com o exigido no Programa do Procedimento" ser genérica, vaga e conter meros conceitos indeterminados, sendo insusceptível de uma efectiva indagação ou sindicância pela Autora, mas igualmente por qualquer destinatário normal, dos verdadeiros motivos da divergente notação das propostas neste item.
A fundamentação dos actos administrativos traduz a exigência de externação das razões ou motivos determinantes da decisão administrativa, tendo como objectivo essencial o de habilitar o destinatário a reagir eficazmente contra a respectiva lesividade.
Um acto estará, assim, devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da mesma, e optar conscientemente entre a aceitação do acto e o accionamento dos meios legais de impugnação (cfr. Ac. do STA Pleno, de 16 de Março de 2001, in Rec. nº 40618).

Ora, em nosso entender, no que se refere ao procedimento concursal, como se decidiu nos Acs do Pleno de 13 de Março de 2003 in Rec. nº 34396 e de 31 de Março de 1998 in Rec. nº 30500, " as decisões administrativas de classificação ou valoração do mérito devem considerar-se suficientemente fundamentadas desde que nas respectivos actos constem, directamente ou por remissão para outras peças do procedimento, os elementos, factores, parâmetros ou critérios com base nos quais o órgão decisor procedeu à ponderação determinante do resultado concreto a que chegou".

No âmbito de tais procedimentos, como é o caso do procedimento concursal, considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grela classificativa previamente elaborada pelo Júri as valorações atribuídas a cada "item" , e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação atribuída, sem necessidade de se justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação - Acs. do STA de 3 de Abril de 2003 in Rec. nº 1126/02 e de 6 de Outubro de 1999 in Rec. nº 42394.
Ora, a decomposição de vários factores, os limites de pontuação para cada um deles e a mais ou menos ponderação para os mesmos contam dos "Critérios de Apreciação de Propostas para Adjudicação" conforme documento junto a fls. 22, o que significa que perfeitamente cognoscível para um candidato perceber como se chegou ao resultado final.
Ou seja, é perfeitamente apreensível para um destinatário normal o itinerário valorativo utilizado pelo júri, sendo a pontuação final dos concorrentes, entre eles a ora Recorrente, o resultado lógico das operações efectuadas , tendo em consideração, naturalmente, os critérios e sub-critérios utilizados e o coeficiente de ponderação dos mesmos, no âmbito da margem de livre apreciação detida pelo júri do concurso.
Na verdade, o júri na fundamentação sobre a "Memória Descritiva do Modo de Execução da Obra" considerou que a mesma era de um modo geral "boa" por ter apresentado a organização prevista para a execução dos trabalhos, descrição de métodos construtivos a aplicar e aspectos técnicos considerados relevantes à execução da empreitada (e não muito boa), enquanto que relativamente a outras, nomeadamente, a da proposta adjudicatária, considerou a mesma"Muito boa", por estar muito bem organizada, indicar a organização prevista para a execução dos trabalhos , bem como a descrição dos métodos construtivos a aplicar e aspectos técnicos e outros que foram considerados e essenciais à execução da empreitada.
E no Relatório Final, em apreciação da pronúncia da ora Recorrente, em sede de audiência prévia, explicitou-se que "o modo de execução da obra elemento diferenciador e principal deste critério tal como refere o Programa do Procedimento, no artigo 28º (...) não se encontrava totalmente de acordo com o exigido no Programa do Procedimento", ou seja, faltavam-lhe os "outros aspectos considerados essenciais" à execução da empreitada que outras propostas continham, como a da contra - interessada classificada em 1º lugar, o que resulta à evidência da fundamentação conjugada do Relatório Preliminar com o ora referido no Relatório Final.
Por conseguinte, em nosso entender, a mais detalhe fundamentador não estava obrigado o Júri do concurso, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação.

Forçoso é, pois, reconhecer que não se verifica o invocado vício de forma por falta de fundamentação pelo que improcedem as restantes conclusões da alegação da Recorrente.

Em face do que ficou exposto improcedem todas as conclusões da alegação da Recorrente pelo que o presente recurso jurisdicional não merece provimento sendo de confirmar na íntegra a sentença recorrida.

Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, 2º Juízo, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 1 de Julho de 2010
António Vasconcelos
Paulo Carvalho
Cristina dos Santos