Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27 de Outubro de 2011 (proc. 472/11)

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Sumário:

I. A fundamentação de uma decisão administrativa, tal a deliberação de adjudicar o objecto de concurso, é uma obrigação do órgão decisor, e deve, em princípio, ser expressa através de sucinta, clara, congruente e suficiente exposição da sua motivação, tudo com o escopo de obrigar a administração a ponderar os motivos da sua decisão, e de permitir ao administrado compreender, e assim aderir ou reagir à mesma;
II. Mas fundamentar não significa necessariamente demonstrar o mérito da decisão administrativa, mas antes indicar os fundamentos, de facto e de direito, em que se baseia, deixando ao administrado a possibilidade de ajuizar sobre o mérito;
III. Está suficientemente fundamentada a resposta do júri de concurso público que apenas indica, sem demonstrar, os elementos que justificaram a admissão de determinada proposta, permitindo à interessada refazer essa demonstração;
IV. Procedendo essa demonstração, e baseando-se na sua improcedência o alegado falseamento da concorrência, resulta que este deve improceder.*
* Sumário elaborado pelo Relator

Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório


O Município de Felgueiras [MF] interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Braga - em 02.06.2011 - que anulou a deliberação de 05.01.2011 da sua Câmara Municipal [CMF] que adjudicou o concurso público para "Fornecimento de refeições em regime de: confecção, confecção e serviços; confecção e transporte; confecção, transporte e serviço aos estabelecimentos de educação e ensino e entidades" à concorrente S... - Restaurantes e Alimentação Lda. - a sentença recorrida foi proferida no âmbito de processo principal urgente, do contencioso pré-contratual, em que a I..., S.A., demanda o MF e as contra-interessadas U..., SA, E... SA, I...- Indústria e Comércio Alimentar SA, e S... - Restaurantes e Alimentação Lda., pedindo ao TAF que anule a deliberação de 05.01.2011 da CMF, que decidiu adjudicar o objecto do concurso em causa à S..., e a anule o contrato se entretanto foi celebrado, e condene, ainda, a entidade demandada a adjudicar-lhe o fornecimento de refeições.
Conclui assim as suas alegações:
1- A deliberação da Câmara Municipal de Felgueiras [CMF] que foi, erradamente, anulada pela douta sentença do TAF de Braga está devidamente fundamentada, uma vez que no segmento do relatório final do concurso que se refere à pretensão formulada pela I..., em sede de audiência prévia, diz-se clara e expressamente que a proposta da S... não pode ser excluída, porque o preço apresentado nessa proposta corresponde ao fornecimento de refeições durante os 2 anos lectivos a que alude o nº5.2 do Programa do Concurso;
2- Inexiste o vício de violação de forma, por falta de fundamentação, que a douta sentença de que agora se recorre imputa à deliberação da CMF, de 05.01.2011, porque o Júri explicou claramente à I... porque razão não podia excluir do concurso a proposta da S...;
3- O preço indicado na proposta da S... abrange os dois anos lectivos a que se refere o nº5.2 do Programa do Concurso, como resulta do quadro constante das páginas
1 e 2 dessa proposta [folhas 350 e 350 verso do PA], onde são indicadas as quantidades de refeições a fornecer que esse nº5.2 indica para esses dois anos lectivos;
4- Os quadros que constam das páginas 9 a 16 da proposta da S... [folhas 356 a 359, frente e verso, do PA], ao indicarem os preços unitários das refeições, também revelam bem que o preço apresentado na proposta da S... se refere aos dois anos lectivos a que alude o nº5.2 do Programa do Concurso;
5- O quadro DADOS DA PROPOSTA que constitui o preâmbulo da proposta da S..., onde se indica como prazo da execução do contrato 270 dias, está, nesta parte, em conformidade com o nº1 da cláusula 4ª do Caderno de Encargos, mesmo não fazendo ainda parte do conteúdo material dessa proposta;
6- Na página 3 da proposta da S... [folhas 352 do PA] indica-se o prazo de execução do contrato da seguinte forma: «São 270 dias [de Novembro a Julho de 2010], podendo ser renovável por mais um ano lectivo [Setembro 2011 a Julho 2012]»;
7- A deliberação da CMF que foi impugnada pela I... não sofre dos vícios de violação de lei que a douta sentença do TAF de Braga considerou que se verificam;
8- A adjudicação à S... do fornecimento de refeições não violou as regras da concorrência porque o preço apresentado na proposta desta empresa abrange os dois anos lectivos a que se refere o nº5.2 do Programa do Concurso e é o mais baixo preço de todos os que foram propostos pelos outros concorrentes;
10- Sendo válida a deliberação da CMF, é válido o contrato administrativo que o Município de Felgueiras celebrou com a S....
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, bem como a consequente improcedência total da acção.
Apenas a I... contra-alegou, concluindo assim:
1- A DOUTA DECISÃO RECORRIDA FOI DOUTA E BRILHANTEMENTE FUNDAMENTADA, NÃO MERECENDO QUALQUER REPARO OU CENSURA;
2- AO CONTRÁRIO DO QUE ADVOGA O RECORRENTE, O ACTO DE ADJUDICAÇÃO IMPUGNADO PADECE DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, PELO QUE, TAL COMO FOI DECIDIDO PELO JULGADOR A QUO, NÃO SE ENCONTRA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO À LUZ DO PRECEITUADO NO ARTIGO 125º DO CPA;
3- O ACTO DE ADJUDICAÇÃO FOI BEM ANULADO PELA DOUTA DECISÃO RECORRIDA, A QUAL NÃO INCORREU EM QUALQUER ERRO DE JULGAMENTO QUANTO AO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI QUE LHE FOI ASSACADO PELO AUTOR;
4- RELATIVAMENTE AO PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO CONSTANTE DA PROPOSTA DA CONCORRENTE S... - E QUE FICOU DEMONSTRADO SER DE APENAS 270 DIAS - O RECORRENTE NÃO IMPUGNOU A DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, SENDO QUE, TANTO NA SUA CONTESTAÇÃO COMO ORA NO PRESENTE RECURSO, O MESMO RECORRENTE NÃO NEGA QUE AQUELA CONCORRENTE FEZ CONSTAR TAL PRAZO DA SUA PROPOSTA. ANTES PELO CONTRÁRIO;
5- É INJUSTIFICADA, INÍQUA E ERRADA A INVOCAÇÃO PELO RECORRENTE DE QUE O JULGADOR A QUO NÃO LEU O PROCESSO ADMINISTRATIVO;
6- OS PRÓPRIOS DOCUMENTOS CONSTANTES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO, ORA JUNTOS COM AS ALEGAÇÕES DO RECORRENTE, DEMONSTRAM QUE A PROPOSTA DA S... DEVERIA TER SIDO EXCLUÍDA PELAS RAZÕES INVOCADAS NA DOUTA DECISÃO RECORRIDA E NÃO ADJUDICADA, PELO QUE AINDA MAIS REFORÇAM A DECISÃO RECORRIDA;
7- COMO RESULTA DO RELATÓRIO FINAL, O PRÓPRIO JÚRI CONSIDEROU QUE A S... PROPÔS UM PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO DE APENAS 270 DIAS, QUE SE CONSIDERA SER MANIFESTAMENTE INSUFICIENTE FACE AO PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO PREVISTO NO PONTO 1.2. DO PROGRAMA DO CONCURSO E NA CLÁUSULA 4ª DO CADERNO DE ENCARGOS;
8- AO CONTRÁRIO DO QUE ADVOGA O RECORRENTE, O DOCUMENTO CONTENDO OS DADOS DA PROPOSTA DA S... FAZ PARTE INTEGRANTE DESSA MESMA PROPOSTA DE HARMONIA COM O PRECEITUADO NOS ARTIGOS 57º, Nº1, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS [CCP], PONTO 10 DO PROGRAMA DO CONCURSO, ARTIGO 13º, NÚMEROS 1 E 2, DO DL Nº143-A/2008, DE 25 DE JULHO, E ARTIGO 18º, Nº6, DA PORTARIA Nº701-G/2008, DE 29 DE JULHO;
9- OS DADOS DA PROPOSTA DA CONCORRENTE S... SÃO DA SUA AUTORIA NO PREENCHIMENTO DO FORMULÁRIO DISPONIBILIZADO NA PLATAFORMA ELECTRÓNICA, NOS TERMOS LEGAIS;
10- FAZENDO PARTE INTEGRANTE DA SUA PROPOSTA, TAIS DADOS FORNECIDOS PELA CONCORRENTE S... NÃO RESPEITAM O DISPOSTO NO PONTO 1.2. DO PROGRAMA DO CONCURSO E NA CLÁUSULA 4ª DO CADERNO DE ENCARGOS, IMPONDO-SE, ASSIM, A SUA EXCLUSÃO DE HARMONIA COM O DISPOSTO NO ARTIGO 70º, Nº2, ALÍNEA B) E 146º, Nº2, ALÍNEA O), DO CCP POR CONTER CONDIÇÕES QUE VIOLAM ASPECTOS DE EXECUÇÃO DO CONTRATO NÃO SUBMETIDOS À CONCORRÊNCIA PELO CADERNO DE ENCARGOS [IN CASU, O PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO];
11- NÃO COLHEM AS ALEGAÇÕES PRODUZIDAS PELO RECORRENTE QUANTO AO TEOR DOS DOCUMENTOS QUE JUNTA NO SEU RECURSO E QUE REFERE QUE CONSTAM DO PA;
12- COMO O RECORRENTE, CERTAMENTE POR LAPSO, NÃO VERIFICOU, O DOCUMENTO Nº3 JUNTO COM O RECURSO E QUE, COMO AQUELE ALEGA, FAZ PARTE INTEGRANTE DA PROPOSTA DA S..., VIOLA IGUALMENTE O DISPOSTO NO PONTO 1.2. DO PROGRAMA DO CONCURSO E NA CLÁUSULA 4ª DO CADERNO DE ENCARGOS;
13- DESSE DOCUMENTO Nº3 CONSTA QUE O PRAZO PROPOSTO PELA S... É DE APENAS "270 DIAS DE NOVEMBRO A JULHO DE 2011", QUANDO O PRAZO ESTIPULADO PARA O SERVIÇO A PRESTAR É DE 1 DE NOVEMBRO DE 2010 A 31 DE AGOSTO DE 2011 E NÃO APENAS ATÉ JULHO DE 2011 COMO CONSTA DA PROPOSTA DA S...! - VER PONTO 1.2. DO PROGRAMA DO CONCURSO E CLÁUSULA 4ª, Nº1, DO CADERNO DE ENCARGOS;
14- ACRESCE QUE, NO CASO DE RENOVAÇÃO, O PRAZO DA PRORROGAÇÃO SERÁ DE 1 DE SETEMBRO DE 2011 A 31 DE AGOSTO DE 2012 E NÃO APENAS ATÉ JULHO DE 2012 COMO CONSTA DO DOCUMENTO Nº3 JUNTO COM O RECURSO E QUE, COMO REFERE O RECORRENTE, FAZ PARTE INTEGRANTE DA PROPOSTA DA S...;
15- PELO QUE O PRÓPRIO DOCUMENTO INVOCADO PELO RECORRENTE - E QUE ESTE, COM DESPLANTE, AFIRMA QUE O JULGADOR NÃO LEU - VIOLA CLARAMENTE AS REGRAS CONCURSAIS NA MEDIDA EM QUE DO MESMO CONSTA UM PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO INFERIOR AO PRAZO ESTIPULADO NO PONTO 1.2. DO PROGRAMA DO CONCURSO E NA CLÁUSULA 4ª DO CADERNO DE ENCARGOS;
16- O RECORRENTE PARECE PRETENDER ILUDIR O TRIBUNAL QUANDO SE REPORTA A "ANOS LECTIVOS", QUANDO O PRAZO QUE DECORRE DAS REGRAS CONCURSAIS FOI EXPRESSAMENTE FIXADO NAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS COMO SENDO DE 1 DE NOVEMBRO DE 2010 A 31 DE AGOSTO DE 2011 E, NO CASO DE PRORROGAÇÃO, DE 1 DE SETEMBRO DE 2011 A 31 DE AGOSTO DE 2012 [E NÃO QUALQUER PERÍODO CORRESPONDENTE AOS ANOS LECTIVOS, DE ACORDO COM A CALENDARIZAÇÃO DEFINIDA ANUALMENTE PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO];
17- O PRAZO DE 270 DIAS PREVISTO NA PROPOSTA DA S... É CLARAMENTE INSUFICIENTE PARA ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES A CARGO DO ADJUDICATÁRIO PORQUANTO, O OBJECTO DO CONCURSO NÃO COMPREENDE APENAS REFEIÇÕES ESCOLARES MAS TAMBÉM O FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES AO PESSOAL DO REFEITÓRIO MUNICIPAL E DEMAIS ENTIDADES REFERIDAS NOS ANEXOS DO PROGRAMA DO CONCURSO, PELO QUE NÃO SE SUSPENDE NEM ENCERRA NOS PERÍODOS DE FÉRIAS ESCOLARES;
18- TAL COMO ERRADAMENTE CONSIDEROU A S... NA FORMULAÇÃO DA SUA PROPOSTA, O OBJECTO DO FORNECIMENTO EM CAUSA NÃO COMPREENDE APENAS REFEIÇÕES ESCOLARES MAS TAMBÉM O FORNECIMENTO A OUTRAS ENTIDADES [ADULTOS E IDOSOS], COMO ESPECIFICADO NAQUELES ANEXOS AO PROGRAMA DO CONCURSO;
19- É TOTALMENTE ERRADA A INVOCAÇÃO PELO RECORRENTE DE QUE A "QUESTÃO A RESOLVER" É SE O PREÇO CONTEMPLA UM OU DOIS ANOS LECTIVOS, ARGUMENTO QUE É CLARAMENTE FALACIOSO, UMA VEZ QUE O PREÇO TERIA DE CONTEMPLAR NÃO OS DITOS "DOIS ANOS LECTIVOS" MAS SIM O PERÍODO CONTRATUAL EXPRESSO NAS PEÇAS CONCURSAIS [1 DE NOVEMBRO DE 2010 A 31 DE AGOSTO DE 2011 E, NO CASO DE RENOVAÇÃO, DE 1 DE SETEMBRO DE 2011 A 31 DE AGOSTO DE 2012];
20- RESULTA CLARO, POIS, QUE O RECORRENTE DETURPA E INTERPRETA ERRADAMENTE O QUE CONSTA DO PONTO 5.2 DO PROGRAMA DO CONCURSO FAZENDO VERDADEIRA TÁBUA RASA DO QUE CONSTA EXPRESSAMENTE DO PONTO 1.2. DO MESMO PROGRAMA;
21- O DOCUMENTO Nº4 JUNTO PELO RECORRENTE COM O RECURSO TAMBÉM NÃO PERMITE, DE MODO ALGUM, INFERIR AS CONCLUSÕES QUE ESTE ADVOGA NAS SUAS ALEGAÇÕES;
22- VISTO ESSE DOCUMENTO, DELE CONSTAM APENAS PREÇOS UNITÁRIOS PARA ANOS ESCOLARES, O QUE DE MODO ALGUM PERMITE AFASTAR A CONCLUSÃO DE QUE A CONCORRENTE S... FEZ CONSTAR DA SUA PROPOSTA UM PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO INFERIOR AO FIXADO NAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS;
23- ALIÁS, ESSE DOCUMENTO Nº4 NÃO REFERE QUAISQUER "QUANTIDADES DE REFEIÇÕES", SENDO QUE O DOCUMENTO Nº2 JUNTO COM O RECURSO E QUE O RECORRENTE INVOCA, NÃO CONSTITUI QUALQUER DOCUMENTO DA PROPOSTA DA S... MAS SIM UM EXTRACTO DO QUADRO INSERIDO NO PRÓPRIO PROGRAMA DO CONCURSO;
24- É INEGÁVEL QUE A CONCORRENTE S... FEZ CONSTAR DA SUA PROPOSTA UM PREÇO PARA UM PRAZO DE DURAÇÃO CONTRATUAL ERRADO, POR SER INFERIOR AO QUE DECORRE DAS REGRAS CONCURSAIS;
25- A PROPOSTA DA S... NÃO PODIA CONTER CONDIÇÕES DIFERENTES DAS PREVISTAS NAS PEÇAS CONCURSAIS EM MATÉRIA DE ASPECTOS NÃO SUBMETIDOS À CONCORRÊNCIA, IN CASU, O PRAZO DE EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS - VER ALÍNEA B) DO Nº2 DO ARTIGO 70º DO CCP;
26- IMPUNHAM, POR ISSO, OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA IGUALDADE E DA CONCORRÊNCIA [VER Nº4 DO ARTIGO 1º DO CCP], A EXCLUSÃO DA PROPOSTA DA CONCORRENTE S...;
27- BEM ANDOU, POIS, O JULGADOR A QUO AO DECIDIR QUE A PROPOSTA DA S... DEVERIA TER SIDO EXCLUÍDA E A PROPOSTA DO I... CLASSIFICADA EM PRIMEIRO LUGAR PARA EFEITOS DE ADJUDICAÇÃO, DETERMINANDO A ANULAÇÃO DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO IMPUGNADO E CONDENANDO A ENTIDADE DEMANDADA NOS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL;
28- O DOCUMENTO SUPERVENIENTE [VISTO DO TRIBUNAL DE CONTAS] JUNTO PELO RECORRENTE EM NADA AFECTA A BONDADE E A EFICÁCIA DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, SENDO TOTALMENTE INÓCUO.
Termina pedindo a confirmação da sentença recorrida.
O Ministério Público pronunciou-se pelo provimento do recurso jurisdicional [artigo 146º nº1 do CPTA]. Não houve reacção das partes.
Cumpre apreciar e decidir o recurso.

De Facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1- Pela Câmara Municipal do réu foi lançado [mediante anúncio publicado no DR, nº146, 2ª série, de 29.07.2010] o concurso público com referência PCI/Refeições para o fornecimento de refeições em regime de confecção, confecção e serviços, confecção e transporte; confecção, transporte e serviço aos estabelecimentos de educação e ensino e entidades, pelo prazo inicial de 10 meses e renovável por mais 1 ano lectivo [documentos nº2 e 3, juntos com a petição inicial e dados por reproduzidos];
2- No referido concurso apresentaram proposta, através da plataforma electrónica designada, os seguintes concorrentes:
- I...;
- E... [Portugal] - Sociedade Europeia de Restaurantes, Lda.;
- U..., SA, S.A.;
- I... - Indústria e Comércio Alimentar, S.A.;
- S... - Restaurantes e Alimentação, Lda.;
- K... - Actividades Hoteleiras, Lda.;
3- Foram admitidas as propostas dos anteditos concorrentes, exceptuando a proposta da K... em função da impossibilidade de visualização dos documentos que constituem a proposta, tal como resulta do Relatório Preliminar elaborado pelo Júri do Concurso em 18.11.2010 [ver documento nº4, junto com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido];
4- Desse Relatório Preliminar, constam os esclarecimentos prestados pelos concorrentes às solicitações do Júri do Concurso e que, face ao critério previsto no Programa de Concurso [preço mais baixo], o Júri do Concurso graduou a proposta apresentada pela autora em segundo lugar, tendo ficado graduada em primeiro lugar a proposta da concorrente S...;
5- O Júri do Concurso deliberou ainda, por unanimidade, enviar o Relatório Preliminar aos concorrentes para, no prazo de cinco dias úteis, querendo, se pronunciarem, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia;
6- Nesse prazo, a autora, em 25.11.2010, apresentou pronúncia por escrito invocando, em suma, que:
"[...]
i. A proposta apresentada pela concorrente S... contém graves vícios materiais, pelo que deverá ser excluída, ao abrigo dos artigos 70º, nº2 e 146º do Código dos Contratos Públicos;
ii. O Programa do Concurso não admite a apresentação de propostas variantes, pelo que as propostas não podem conter condições que ponham em causa ou colidam com os aspectos de execução do contrato a celebrar previstos no Caderno de Encargos que não sejam submetidas à concorrência, sob pena de serem excluídas [ver artigo 70º, nº2, alínea b), do Código dos Contratos Públicos];
iii. De harmonia com o disposto no Caderno de Encargos, "o contrato terá uma duração aproximada de um ano escolar" e também que "o contrato considera-se automaticamente renovado por sucessivo período de um ano" [ver cláusula 4ª];
iv. No Programa de Concurso, consta também que o presente procedimento tem como objecto o fornecimento de refeições "para o período compreendido entre 1 de Novembro de 2010 e 31 de Agosto de 2011, renovável por mais um ano escolar", assim se alcançando os 20 meses estimados, mormente para efeitos de fixação do preço base;
v. A proposta da concorrente S... apenas prevê um prazo de execução do contrato de apenas 270 dias, sendo que o objecto do presente concurso incluiu também o fornecimento de refeições ao pessoal do Refeitório Municipal, o qual não encerra nos períodos de férias escolares;
vi. Ademais, é importante referir que, no ponto 5 do Programa do Concurso, consta que o preço base global fixado no âmbito do presente Concurso é de 1.927.845,60€ [de acordo com as correcções que oportunamente foram introduzidas];
vii. Dividindo-se os tais enigmáticos 270 dias pelos vinte meses estimados de duração do contrato, constata-se que a S... apenas se propõe prestar 13,5 dias de serviço em cada mês. [...] - documento nº5, junto com a petição inicial e dado por reproduzido;
7- No Relatório Final, datado de 16.12.2010, apreciando as anteditas questões, o Júri do Concurso entendeu que a pretensão deduzida pela autora, em sede de audiência prévia, não merecia ser acolhida [documento nº6, junto com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido];
8- O Júri do Concurso, para além de ter mantido a graduação da proposta da S... em primeiro lugar, procurou rebater os argumentos aduzidos pela autora, em sede de audiência prévia, do seguinte modo: "Relativamente ao argumento apresentado pela concorrente I..., S.A., de que a proposta da concorrente S..., Lda. tem um prazo de execução do contrato de apenas 270 dias, o júri entende que a proposta da concorrente SOLTRUNI, Lda., contempla explicitamente o prazo contratual e o número total de refeições para os dois anos lectivos, conforme previsto no nº1 da cláusula 4ª do caderno e no ponto 5.2 do Programa do Concurso respectivamente. Assim, o Júri entende que é de manter a proposta da concorrente SOLTRUNI, Lda. [...] Pelo exposto, o júri propõe indeferir as reclamações pelos motivos supra mencionados, considerando que as concorrentes foram bem admitidas ao concurso" - ver documento nº 6, junto com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido;
9- No dia 27.01.2011 foram os concorrentes notificados da deliberação de adjudicação e do relatório final - ver documentos nºs 7 e 8, juntos com a petição inicial e que se dão por integralmente reproduzidos;
10- Em sede de esclarecimento a S... apresentou o documento de folha 172 dos autos [dado por reproduzido] e de onde consta, designadamente, que se "[...] compromete a cumprir o Caderno de Encargos [...]".
Nada mais foi dado como provado.

De Direito

I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.

II. A autora desta acção administrativa urgente, do contencioso pré-contratual, enquanto segunda classificada no concurso em causa, pediu ao TAF de Braga que anulasse a adjudicação do fornecimento de refeições à S..., bem como o respectivo contrato, e condenasse o MF a adjudicar-lhe, a ela, o objecto do concurso público.
Para tal, alega que a deliberação adjudicatória carece da devida fundamentação [268º nº3 da CRP, 124º e 125º do CPA], e viola a lei, pois gradua em primeiro lugar uma proposta que deveria, antes, ter sido excluída pelo júri do concurso.
O TAF de Braga deu-lhe inteira razão, e anulou a adjudicação e o contrato com base em falta de fundamentação do relatório final no tocante ao afastamento das razões esgrimidas pela concorrente I..., agora recorrente, visando o afastamento da proposta da concorrente S..., e, ainda, com base na violação da interpretação conjugada do ponto 5.2 do Programa do Concurso com a cláusula 4ª do Caderno de Encargos, que se traduz em violação do princípio da concorrência.
A entidade recorrida, MF, discorda do assim decidido, e imputa erro de julgamento de direito à sentença do TAF de Braga quanto aos dois fundamentos de anulação, o formal e o substancial.
Ao conhecimento desse erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto do presente recurso jurisdicional.

III. Vejamos.
O Programa do Concurso prevê como preço base global do mesmo o de 1.928.205,60€ [5.1], e esclarece, no ponto 5.2, que esse preço base global inclui a eventual prorrogação do contrato, por mais um ano escolar, nos termos do nº2 da cláusula 4ª do Caderno de Encargos, a que corresponde o valor máximo de 765.953,20€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, para o ano escolar de 2010/2011, e o valor de 1.162.252,40€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, para o ano escolar de 2011/2012.
Essa cláusula 4ª do Caderno de Encargos refere, no ponto 1, que o contrato terá duração aproximada de um ano escolar, podendo, eventualmente, ser renovado por período de um ano e no máximo de uma vez, e, no seu ponto 2, que o contrato se considera automaticamente renovado por sucessivo período de um ano se não for denunciado, por qualquer das partes, com uma antecedência mínima de 60 dias úteis, por carta registada com aviso de recepção, no máximo de uma renovação.
Os dois sub-totais acima referidos [765.953,20€ + 1.162.252, 40€], e que, somados, conduzem ao preço base global do concurso [1.928.205,60€], têm por pressuposto um determinado número total estimado de refeições para cada um dos dois anos escolares [2010/2011 e 2011/2012], número esse a que se chega pela multiplicação do número estimado de refeições diárias pelo número de dias úteis em que elas deverão ser servidas.
Por exemplo, no ano escolar de 2010/2011 está prevista, para os alunos do pré-escolar, a confecção diária de 210 refeições, e a confecção e transporte de 511 refeições, números que multiplicados por 185 dias úteis resultam, respectivamente, num total de 38850 refeições confeccionadas [210 x 185] e num total de 94535 refeições confeccionadas e transportadas [511 x 185]. Por sua vez, no ano escolar de 2011/2012 está prevista, para o mesmo tipo de alunos [pré-escolar], a confecção diária de 260 refeições, e a confecção e transporte de 650 refeições, sendo que estes números, multiplicados agora por 222 dias úteis, dão respectivamente 57720 e 144300 refeições estimadas.
Ora, a concorrente I... alegou, perante o júri do concurso, e pronunciando-se sobre o projecto de adjudicação ínsito no relatório preliminar, que a proposta da concorrente S... devia ser excluída com base no artigo 70º nº2 alínea b) do CCP [segundo o qual são excluídas, além do mais, as propostas cuja análise revele que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos...], porque apenas prevê um prazo de execução do contrato de 270 dias, quando a verdade é que da articulação do ponto 5.2 do Programa do Concurso com a cláusula 4ª do Caderno de Encargos resulta que o concurso tem por objecto o fornecimento de refeições para os 2 anos escolares, o de 2010/2011, e o eventualmente prorrogado de 2011/2012, assim se alcançando 20 meses estimados para a fixação do preço base [ver ponto 1.2 do Programa de Concurso].
Em sede de relatório final, o júri do concurso manteve a proposta da S... em 1º lugar, e respondeu à reclamação da I..., que manteve graduada em 2º lugar, da forma que consta do ponto 8 do provado, ou seja, que entendia que a proposta da concorrente S..., Lda., contempla explicitamente o prazo contratual e o número total de refeições para os dois anos lectivos, conforme previsto no nº1 da cláusula 4ª do Caderno de Encargos e no ponto 5.2 do Programa do Concurso respectivamente.
A sentença recorrida, dando razão às queixas da I... enquanto autora da acção, anulou a adjudicação do fornecimento de refeições à S..., bem como o contrato entretanto celebrado, por entender que a resposta dada pelo júri, no relatório final, à reclamação da I..., carece da devida fundamentação, e por entender, além disso, que a proposta da S... viola as exigências decorrentes do ponto 5.2 do Programa do Concurso conjugado com a cláusula 4ª do Caderno de Encargos, na medida em que não prevê o fornecimento de refeições para dois anos escolares [2010/2011 e 2011/2012], porque apenas respeita a 270 dias, sendo certo que, nessa medida, também falseia as regras da concorrência, impondo-se a sua exclusão [70º nº2 alíneas f) e g) do CCP].
Cremos, porém, que esta decisão não se poderá manter.
Sem dúvida que a fundamentação de uma decisão administrativa, tal a deliberação de adjudicar o objecto de concurso público, é uma obrigação do órgão decisor. Essa fundamentação deverá, em princípio, ser expressa, através de sucinta, clara, congruente e suficiente exposição da sua motivação. Tudo isto, com o escopo de obrigar a administração a ponderar os motivos da sua decisão, e de permitir, ao administrado, compreender, e assim aderir ou reagir à mesma [artigos 268º nº3 CRP, 124º e 125º do CPA].
Todavia, fundamentar não significa, necessariamente, demonstrar o mérito da decisão administrativa, mas antes indicar os fundamentos de facto e de direito em que ela se baseia, deixando ao administrado a possibilidade de ajuizar acerca desse mérito. A suficiência exigida à fundamentação há-de traduzir-se, por conseguinte, no fornecimento dos fundamentos bastantes para tal ajuizamento.
No presente caso, a fundamentação do júri do concurso não é modelar, pois é demasiado lacónica. Contudo, nela se diz, ripostando à reclamação da concorrente I..., que a proposta da concorrente S... contempla explicitamente o prazo contratual e o número total de refeições para os dois anos lectivos, conforme previsto no nº1 da cláusula 4ª do Caderno de Encargos e no ponto 5.2 do Programa do Concurso respectivamente. Ou seja, o júri do concurso indicou o número total de refeições constante da proposta da S... como o fundamento para considerar que ela cumpre todas as exigências decorrentes do ponto 5.2 do Programa do Concurso conjugado com a cláusula 4ª do Caderno de Encargos. E assim permitiu à concorrente I..., como a qualquer destinatário normal, verificar, comparando o número de refeições exigidas no Programa do Concurso, a título de fornecimento diário de refeições completas de almoço e de fornecimento ocasional de refeições, com o número total de refeições nesses itens considerados na proposta da S..., se tinham sido contemplados, ou não, os dois anos lectivos [2010/2011 e 2011/2012].
A verdade é que salta à vista que a resposta deve ser positiva.
No exemplo dado acima, e retirado do ponto 5.2 do Programa do Concurso, temos que a proposta da S... contempla um total de 96570 refeições completas confeccionadas para os alunos do pré-escolar, e um total de 238835 refeições completas confeccionadas e transportadas para o mesmo tipo de alunos. Ora, estes números resultam, precisamente, da soma do número total dessas refeições exigidas no Programa de Concurso para os dois anos escolares [38850 + 57720 = 96570; 94535 + 144300 = 238835]. E o mesmo acontece, pois foi por nós verificado, no tocante aos outros universos pessoais contemplados no Programa de Concurso como destinatários de refeições diárias completas de almoço [alunos do 1º ciclo do ensino básico; alunos do ensino especial; alunos adolescentes; adultos, idosos], e no tocante às refeições objecto de fornecimento ocasional [pequenos-almoços; almoços ou jantares a jovens, adultos e idosos, ligeiras, salgados e aperitivos, lanches individuais, lanches para pausas de trabalho, e lanches para comemorações simples].
Não resta a mínima dúvida, portanto, de que na proposta da concorrente S..., graduada em 1º lugar pelo júri do concurso, foram contempladas todas as refeições necessárias a todos os dias úteis dos anos escolares de 2010/2011 e de 2011/2012. O primeiro, adjudicado de forma efectiva, e actual, à vencedora do concurso. O segundo, adjudicado de forma potencial, já que depende de renovação automática do contrato de fornecimento de refeições, que só não ocorrerá no caso de denúncia formal por qualquer das partes. Sendo certo que a referência ao prazo de execução de 270 dias, constante da proposta da S..., apenas releva da contagem que fez dos dias úteis do ano lectivo de 2010/2011, prazo da efectiva e actual adjudicação, dado que o prazo do ano lectivo seguinte depende da ocorrência de renovação. Mas este prazo de execução, assim referido, não se mostra susceptível de infirmar o que resulta claro da proposta da S..., ou seja, que ela contempla os dois anos escolares.
Desta constatação, a que nos conduz a resposta dada pelo júri no seu relatório final, resulta que a deliberação de adjudicação não padece de falta da devida fundamentação, porque, não obstante ser parca em palavras, e não exteriorizar qualquer raciocínio, aponta a fonte factual a partir da qual se torna possível aferir da admissão da proposta da S... e da sua graduação.
E resulta, também, que tal proposta não violará o ponto 5.2 do Programa de Concurso conjugado com a 4ª cláusula do Caderno de Encargos, e nem falseia, por via disso, as regras da concorrência.
Impõe-se, assim, conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida, e julgar improcedente a acção urgente, do contencioso pré-contratual, intentada pela ora recorrida I....
Assim se decidirá.

Decisão


Nestes termos, decidem os Juízes deste
Tribunal Central, em conferência, o seguinte:
- Conceder provimento ao recurso jurisdicional, e revogar a sentença recorrida;
- Julgar improcedente a acção administrativa urgente.
Custas pela recorrida I... em ambas as instâncias - artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, 6º e 7º do RCP, e Tabelas II-A e I-B a ele Anexas.
D.N.
Porto, 27.10.2011
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Ass. João Beato Oliveira Sousa