Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 1 de Julho de 2010 (proc. 382/09)

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Sumário:

1. No procedimento de concurso público para a formação de contrato só o órgão competente para decidir contratar é que tem o poder para excluir propostas, cabendo ao júri do concurso apenas «propor» a exclusão.
2. Como no contencioso pré-contratual urgente podem ser objecto de impugnação quaisquer decisões administrativas relativas à formação do contrato (art. 100º do CPTA), pode-se admitir a impugnabilidade de decisões que, não possuindo eficácia externa, determinem definitivamente o conteúdo de um acto com eficácia externa.
3. A admitir-se a impugnação imediata da "decisão" do júri que exclui a proposta, seria sempre uma impugnação do acto administrativo ineficaz, porque lhe faltava a aprovação do órgão decisor para desencadear os efeitos jurídicos externos
4. Apesar da falta da aprovação do órgão com competência para contratar, a funcionar como requisito de eficácia, essa impugnação seria possível nos termos da alínea b) do nº 1 artigo 54º do CPTA;
5. Para efeitos de início do prazo de impugnação contenciosa, quer se entenda que a aprovação das propostas do júri pelo órgão competente para decidir contratar tem a natureza de homologação quer se entenda que é um acto integrativo da eficácia da deliberação do júri, o inicio do prazo de impugnação dá-se sempre com a notificação do acto praticado pelo órgão competente para decidir contratar.*
* Sumário elaborado pelo Relator
         

Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte:
1 - L..., Lda., com sede em Felgueiras, interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que, com fundamento em intempestividade, rejeitou a acção administrativa de contencioso pré-contratual intentada contra a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro [UTAD].

Nas alegações, concluiu o seguinte:
1 - Os relatórios, preliminar e final, elaborados pelo júri do procedimento contêm as propostas, devidamente fundamentadas, de ordenação ou seriação das propostas apresentadas, de exclusão das propostas e de adjudicação.
2 - O relatório final, em conjunto com os demais documentos que compõem o processo do concurso, é enviado ao órgão competente para a decisão de contratar;
3ª - Cabendo a este órgão competente para a decisão de contratar decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas nesse relatório final, nomeadamente para efeitos de exclusão de propostas, seriação das propostas e adjudicação.
4 - Só o acto de decisão de aprovação das propostas contidas no relatório final - e não o próprio relatório final - é que constitui um acto lesivo, porque só ele afecta de forma definitiva a esfera jurídica da recorrente ao excluir a sua proposta do procedimento concursório;
5 - Por isso, só esse acto de decisão de aprovação das propostas contidas no relatório final - nomeadamente, e no que aqui interessa, a proposta de exclusão da proposta apresentada pela recorrente - é que constitui um verdadeiro e próprio acto administrativo relativo à formação de um contrato de empreitada de obras públicas.
6 - O acto de decisão de aprovação da proposta de exclusão da proposta apresentada pela recorrente contida no relatório final elaborado pelo júri só foi praticado em 02/10/2009 e está consubstanciado no Despacho Reitoral de 02/10/2009.
7 - Este Despacho Reitoral de 02/10/2009 só foi notificado à aqui recorrente em 08/10/2009, a coberto do ofício n.º 241/Reit, sem data, porque só em 08/10/2009 tal ofício foi recepcionado nos seus escritórios.
8 - O prazo de um mês previsto no art. 101º do CPTA só se conta a partir da data da notificação à aqui recorrente do Despacho Reitoral de 02/10/2009.
9 - Como a presente acção foi instaurada em 22/10/2009, tal acção é tempestiva, porque na data da sua instauração ainda não havia decorrido o prazo de um mês sobre a data da notificação à recorrente do Despacho Reitoral de 02/10/2009 e, por isso, não se verifica a caducidade decretada pela douta sentença recorrida;
10ª - Julgando como julgou, a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 100º, n.º 1, e 101º, ambos do CPTA, por errada interpretação e aplicação e violou também o disposto nos arts. 146°, nºs 1 e 2, 148°, nºs 1, 3 e 4 e 69°, n.º 2, todos do CCP.

O recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do art. 146º, nº1 do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

2. A sentença recorrido deu como provado os seguintes factos:
1- Pelo anúncio de procedimento n° 1233/2009, publicado no Diário da República, II série, nº 60, de 26 de Março de 2009, Parte L - Contratos Públicos, a Reitoria da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro publicitou a abertura do concurso público para a construção dos Edifícios das Clínicas Veterinárias - Blocos de Laboratórios (Bloco I);
2 - Com vista à celebração posterior entre o dono de obra e o adjudicatário de um contrato de empreitada de obras públicas em cujo objecto estão incluídos: trabalhos de construção civil, instalações eléctricas, instalações de águas e esgotos e instalações de AVAC dos referidos Edifícios.
3 - Os termos do alegado concurso são regulados pelo programa do concurso (doc nº 2 junto com a petição inicial) e pelo caderno de encargos.
4 - No nº 8 do referido anúncio de procedimento (doc. nº 1 junto com a petição) e no n° 7 do referido programa do concurso (doc. nº 2 junto com a petição), exige-se que os concorrentes apresentem os seguintes documentos: (Anúncio de Procedimento)8 - Documentos de habilitação
a) Declaração emitida conforme modelo constante do anexo II ao Código dos Contratos Públicos
b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do art 55º CCP
c) Documentos previstos no n° 1 do art 81º do CCP
d) Alvará de construção emitido pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, IP, contendo:
A 1ª subcategoria da 1ª categoria em classe que cubra o valor global da proposta, a 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª subcategoria da 1ª categoria, a 6ª e 8ª subcategoria da 2ª categoria e a 1ª, 2ª, 7ª, 8ª, 9ª e 10ª subcategoria da 4ª categoria, na classe correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam e necessários à execução da obra a realizar. (Programa do Concurso)7 - Habilitação dos concorrentes
7.1 - Os concorrentes devem apresentar os seguintes documentos de habilitação previstos no n° 1 do artigo 81º do CCP:
a) Declaração emitida conforme modelo constante do anexo II ao Código dos Contratos Públicos
b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e i) do art 55º CCP
7.2 - Para além dos documentos referidos no número anterior, os concorrentes devem apresentar alvará de construção emitido pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, IP, contendo:
A 1ª subcategoria da 1ª categoria em classe que cubra o valor global da proposta, a 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª subcategoria da 1ª categoria, a 6ª e 8ª subcategoria da 2ª categoria e a 1ª, 2ª, 7ª, 8ª, 9ª e 10ª subcategoria da 4ª categoria, na classe correspondente ao valor dos trabalhos especializados que lhes respeitam e necessários à execução da obra a realizar
7.3 - Podem ser admitidos os concorrentes que cumpram o disposto no n° 5 do artigo 81° do CCP
7.4 - Para efeitos da verificação das habilitações referidas, o adjudicatário pode apresentar alvarás ou títulos de registo da titularidade de subcontratados, desde que acompanhados de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes.
7.5 - De acordo com o disposto no n° 8 do artigo 81º do CCP, podem ser solicitados ao adjudicatário, ainda que tal não conste deste programa do procedimento, a apresentação de quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações objecto do contrato a celebrar, fixando-se, para o efeito, um prazo de 10 dias.
5 - A Autora ("L..., Lda") apresentou-se ao concurso em causa com a entrega da sua proposta em 16.06.2009, tendo levantado as peças do concurso (nas quais se incluem o anúncio do procedimento e o programa do concurso, bem como o respectivo regime aí fixado) em 7.04.2009.
6 - E não formulou quaisquer "reservas" nem pediu "esclarecimentos" nomeadamente sobre o conteúdo do nº 7 do programa do concurso.
7 - Em 17 de Junho de 2009 foi realizado o acto público do concurso (conforme resulta da respectiva acta), elaborada e lida a lista dos concorrentes pela ordem de recepção das propostas, lista esta que, devidamente rubricada, ficou constituída conforme relação anexa a fazer parte integrante da referida acta como Anexo I.
8 - O júri procedeu depois à análise das propostas e elaborou o Relatório Preliminar no qual, além do mais, propõe a ordenação dos concorrentes e propõe a exclusão da aqui Autora, tendo o fundamento invocado pelo júri para propor a exclusão da concorrente L..., Lda. sido o seguinte: «(...) por apresentar documento que o habilita para o concurso (Alvará nº 6031) da empresa V..., Lda., impedida por se encontrar em estado de insolvência, declarada por sentença judicial (alínea a) do artigo 55° do CCP».
9 - Notificada para exercer o seu direito de audiência prévia sobre o teor do aludido Relatório Preliminar, a Autora pronunciou-se em requerimento/parecer subscrito pelos Exmos. Advogados Dr. R... e Dra. M..., no sentido de que "o Relatório Preliminar, na parte em que se prevê a exclusão da proposta da concorrente L..., deve ser revisto, "admitindo-se" a respectiva proposta e impondo-se a respectiva avaliação, pois só assim se poderá garantir a legalidade do presente procedimento concursal e, nessa medida, da decisão de adjudicação que no futuro venha a ser proferida".
10 - Em 7/9/2009, após ponderar as observações obtidas em fase de audiência prévia e de ter solicitado um parecer ao Doutor M..., o júri elaborou o Relatório Final (que consta anexo à acta da respectiva aprovação), do qual se destaca o seguinte:
1.6 - As observações da empresa L..., Lda referem-se à exclusão que o júri propõe em Relatório Preliminar ao abrigo do art. 55º do CCP, contestando-a em motivos expostos no Documento anexo 4, nomeadamente:
1.7 - (...) aplicar, como o Exmo. Júri aplicou, o artigo 55º do Código de Contratos Públicos ("CCP") aos subcontratados na fase de análise e avaliação das propostas;
1.8 - (...) a questão dos subcontratados, quaisquer que eles sejam, só é juridicamente relevante, nos termos do CCP - e ao contrário dos que sucedia antes - na fase da habilitação do adjudicatário (art. 81º e ss.)
1.9 - Ora,
1.10 - A concurso, apresentou-se a empresa L..., Lda com uma proposta em que incluiu declaração de compromisso firmada com a empresa V... Lda, subcontratada e única detentora de alvará com autorização exigida para execução da empreitada.
1.11- A empresa L..., Lda, não possuindo alvará contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar (nº 2 do artigo 81º do CCP), apenas foi concorrente por recorrer ao disposto no nº 3 do mesmo artigo - Para efeitos da verificação das habilitações requeridas, o adjudicatário pode apresentar alvarás ou títulos de registo da titularidade de subcontratados, desde que acompanhados de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes;
1.12 - No dia 06-05-2009, no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Caia, 2º Juízo de Vila Nova de Caia, foi proferida sentença de declaração de insolvência do devedor V... Lda e que constitui impedimento para formação de quaisquer contratos públicos;
1.13 - Não obstante o CCP ser claro quanto a este impedimento, a 16 de Junho de 2009, data da entrega das propostas, é firmada a declaração de compromisso entre a empresa L..., Lda e a empresa V... Lda com o objectivo específico de formação de contrato público relativo à empreitada de construção "Edifícios das Ciências Veterinárias - Blocos de Laboratórios (Bloco I)";
1.14 - Por associação ou por qualquer outra ligação meramente fáctica, conforme estabelece o CCP, podem ser concorrentes agrupamentos de pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a actividade por elas exercida, sem que entre as mesmas exista qualquer modalidade jurídica de associação, e (...) atenta a manutenção da individualidade de cada associada, bastará que uma delas satisfaça os requisitos exigidos pelo aviso do concurso para que se considere que o consórcio formado por todas elas também o satisfaça (Acórdão do S.T.A., de 2002.04.17);
1.15 - O que não é o caso, e isto basta para que a proposta do concorrente surja inquinada e impedida, e adequadamente proposta pelo júri para exclusão ao abrigo do artigo 55º do CCP na fase de elaboração do Relatório Preliminar, conforme estabelece ainda o CCP (artigo 70º);
1.16 - Sob este quadro, a exclusão da proposta não vem ainda salvaguardar o legalmente estipulado nas alíneas f) e g) do nº 2 do artigo 70º do CCP que previne ser admitida proposta com atributos ilegais ou irregulamentares que em caso de adjudicação se repercutiriam no contrato implicando uma co-autoria da entidade adjudicante.
1.17 - A segunda parte da exposição de motivos, construída em bases opinativas (ex. ponto 11, pág. 3), algumas vezes em argumentação sofista (ex. ponto 12 e ss. válidos se o concorrente fosse detentor de alvará com as autorizações exigidas para execução da empreitada; ex. ponto 33, pág. 6 em que abusivamente se escreve que o ponto 7 do Programa de Concurso, sob a epígrafe Habilitação dos concorrentes, vem exigir a todos os concorrentes que apresentem desde logo, nas suas propostas (I) os documentos previstos no nº 1 do artigo 81º do CCP quando os documentos exigidos constam do ponto 8 - Documentos da proposta que segue fielmente o preceituado pelo artigo 57º do CCP), e incorrecções (cf. ponto 24, pág. 5, com sentença de declaração de insolvência de 06-05-2009 e publicada em Diário da República, 2ª Série - Nº 113, de 15 de Junho (Anúncio nº 4554/2009), cremos tornada irrelevante pelos pontos já aduzidos.
2. Proposta de ordenação
Ponderadas as observações dos concorrentes, considerando a inexistência de suporte legal para a reclamada inclusão da proposta apresentada pela L..., Lda conforme bem documenta o PARECER recolhido por esta Universidade, revisto o cálculo das pontuações (Quadro Anexo 1) e corrigida a concomitante posição relativa de alguns concorrentes, por unanimidade, o júri deliberou propor a ordenação seguinte:
Empresa Pontuação

S..., S.A. 100,90
L... 98,39
F..., S.A. 98,14
J...., S.A. 97,37
T..., S.A. 97,22
S..., S.A. 97,19
E..., S.A. 96,38
M..., Lda 95,43
E..., S.A. e J..., Lda. 95,36
10º N..., S.A. 95,35
11º H..., S.A. 94,79
12º H...---, S.A. 93,91
13º A..., S.A. 93,72
14º E..., Lda 93,19
15º M..., Lda 93,04
C..., S.A Concorrente excluído
L..., Lda Concorrente excluído

3. Comunicação ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P.
Propõe ainda este Relatório que seja dado conhecimento dos factos ao Instituto da Construção e do Imobiliário, IP, na salvaguarda de qualquer eventual incumprimento do que é legalmente estipulado, conforme recomenda PARECER colhido pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e de acordo com o artigo 68º do CCP - Tendo em conta que a sentença de declaração de insolvência é de 6 de Maio de 2009, e, que o concorrente L... declarou no processo que veio a conhecer este facto antes mesmo da realização da primeira audiência prévia, deve a UTAD comunicar os factos ao InCI-Instituto do Construção e do imobiliário, IP, sem qualificação jurídica, mas reportando estritamente o ocorrido, para que não corra o risco de lhe ser imputado qualquer eventual desrespeito pelas obrigações de informação relativamente a situações anómalas, segundo o Código dos Contratos Públicos e o Decreto-Lei nº 12/2004, de 9 de Janeiro.
11 - A coberto do oficio nº l99/Reit, recepcionado nos escritórios da ora Autora em 08/09/2009, foi remetida, para os fins prescritos no n° 2 do art 148° do CCP, isto é, para nova audiência prévia, a cópia da acta e do relatório final (cfr doc. n° 5 junto com a petição) no qual consta "a manutenção da exclusão da concorrente L..., Lda.", bem como a seriação das propostas dos concorrentes à empreitada "Edifícios das Ciências Veterinárias - Blocos de Laboratório (Bloco 1)".
12 - A Autora foi notificada da Acta e do Relatório Final relativo ao concurso em mérito em 08.09.2009, com manutenção da sua exclusão do concurso, nos termos do documento nº 5 junto com a petição e dos documentos nºs 1, 2 e 3 juntos com a contestação.
13° A decisão de adjudicação à empresa "S..., S.A.", por Despacho Reitoral de 02/10/2009, foi notificada à "L..., Lda" a coberto do oficio n° 221/Reit, sem data, recepcionado nos escritórios da Autora em 08/10/2009, ao qual vinham anexados cópia da acta do relatório final e cópia da comunicação da adjudicação ao concorrente seriado em 1º lugar (cfr. doc. nº 6 junto com a petição).
14º A petição inicial da presente acção administrativa de contencioso pré-contratual - mediante a qual a aqui Autora se insurge contra a decisão de exclusão da proposta por si (Autora) apresentada e contra a decisão de adjudicação a favor da empresa indicada como Contra-Interessada - foi remetida por correio postal para este TAF de Mirandela através do registo RC358039476 efectuado em 22/10/2009.

3. A recorrente solicita a reapreciação da questão da intempestividade da impugnação do acto que excluiu a sua proposta no concurso público para a construção dos edifícios das clínicas veterinárias da Universidade e Trás-os-Montes e Alto Douro.
A decisão judicial recorrida considerou que a recorrente foi notificada em 8/9/2009 da decisão do júri do concurso que aprovou o relatório final onde se manteve a exclusão da sua proposta e que a acção foi intentada em 22/10/2009, ou seja, após o decurso do prazo de um mês previsto no artigo 101º do CPTA.
Por sua vez, a recorrente entende que o prazo de impugnação apenas se iniciou em 8/10/2009, data em que foi notificada do despacho do reitor que aprovou as propostas do júri do concurso no sentido de se excluir a sua proposta, de ordenação das propostas dos demais concorrentes e de se adjudicar o contrato à empresa ordenada em primeiro lugar.
Não pode deixar de se referir, desde já, que o pressuposto processual da tempestividade da acção impugnatória tem que ser aferido em função acto concreto que se pretende impugnar, mesmo que inimpugnável, e não do acto que, embora impugnável, não foi objecto de impugnação. Não pode confundir-se o pressuposto processual da inimpugnabilidade do acto impugnado com o pressuposto processual da caducidade do direito de acção, pois a acção pode de ser tempestiva, apesar do acto ser inimpugnável.
Isto interessa ao caso dos autos porque o acto pré-contratual que a recorrente impugnou é o despacho do Reitor da UTAD que lhe foi notificado em 8/10/09, e não a deliberação do júri do concurso notificada em 8/9/09. No artigo 18º da petição, e no enquadramento global da petição inicial, o autor é bem explícito quanto à identificação do acto impugnado: «É com esta decisão de adjudicação e de exclusão da proposta da aqui autora - consubstanciada no Despacho Reitoral de 02/10/2009 - que a L... não pode conformar-se e daí decorre a necessidade da presente acção».
Ora, relativamente a este acto não há quaisquer dúvidas que acção é tempestiva, porque apresentada dentro do prazo de um mês. O problema suscitado não podia ser pois de tempestividade, mas sim de inimpugnabilidade, caso se considerasse que o acto imediatamente lesivo foi a deliberação do júri e que o despacho do reitor é meramente conformativo daquele.
A decisão recorrida partiu do princípio de que o acto que excluiu a proposta da recorrente foi a deliberação do júri e que o despacho do reitor teve por efeito apenas a adjudicação da empreitada ao contra-interessado, sem ter analisado a natureza de cada um desses actos pré-contratuais. E a verdade é que, tal como a lei os prevê, não se podia deixar de se apurar qual deles tem como efeito jurídico externo a exclusão da proposta do recorrente.
A possibilidade de impugnação autónoma de actos procedimentais pré-contratuais, desde que produtores de efeitos externos, está hoje expressamente consagrada nos artigos 51º e 100º do CPTA. Já antes da reforma do contencioso administrativo, com base na teoria dos actos destacáveis, se vinha admitindo a impugnação dos actos administrativos inseridos num procedimento de formação de um contrato que produzissem, imediata e autonomamente, efeitos jurídicos externos, tais como a adjudicação, a revogação da adjudicação, a selecção de propostas e a exclusão de candidatos.
Importa assim determinar qual a natureza da deliberação do júri do concurso que aprovou o relatório final onde se propôs a exclusão proposta do recorrente, o que naturalmente implica a análise do procedimento concreto em que a mesma foi tomada.
A deliberação do júri teve lugar no âmbito de um procedimento de concurso público e na fase de preparação da adjudicação, que vem regulada nos artigos 146º a 148º do Código de Contratos Públicos (CCP).
Esta fase compreende a prática pelo júri dos seguintes actos: a) relatório preliminar: após proceder à análise das propostas em função dos critérios de adjudicação fixados e da sua conformidade formal e material com o disposto nas peças do procedimento, o júri elabora um relatório, devidamente fundamentado, no qual deve propor a ordenação e a exclusão das propostas (arts. 146º nº 1 e 2); b) audiência prévia: enviar o relatório preliminar a todos os concorrentes, fixando-lhe um prazo, não inferior a cinco dias, para se pronunciarem, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia (arts. 147º e 123º); c) relatório final: elaborar um relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos concorrentes efectuadas ao abrigo do direito de audiência prévia e se mantém ou se modifica o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor-se a exclusão de qualquer proposta se nesta fase ocorrer qualquer motivo legal para tal (art. 148º, nº 1); d) nova audiência prévia: no caso de ter proposto a exclusão de qualquer proposta nesta fase ou de ter alterado a ordenação das propostas, procede-se a nova audiência prévia (art. 148º, nº 2); e) aprovação das propostas do júri: o relatório final, juntamente com os demais documentos que compõem o processo de concurso, é enviado ao órgão competente para a decisão de contratar, a quem cabe aprovar todas as propostas nele contidas (art. 148º, nº 3 e 4).
O que resulta desta fase é que o júri do concurso «deve propor» a ordenação das propostas, assim como também «deve propor» a exclusão das propostas e que cabe ao órgão competente para a decisão de contratar «decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final», nomeadamente para efeitos de adjudicação ou para efeitos de selecção das propostas ou dos concorrentes para a fase de negociação quando seja adoptada essa fase. Ou seja, nos relatórios preliminar e final o júri faz propostas que submete à aprovação do órgão competente para a decisão de contratar.
Esta configuração dos actos pré-contratuais inseridos na fase de preparação da adjudicação, em que o júri propõe e o órgão decisor aprova, é a mesma em todos os tipos de procedimento de escolha do co-contratante: no ajuste directo (cfr. art. 124º, nº 1 e 4); no concurso público (o referido art. 148º); no concurso limitado por prévia qualificação (cfr. art. 186º, nº 1 e 4); no procedimento por negociação (cfr. art. 200º), e no diálogo concorrencial (cfr. 212º, nº 1 e 5).
Em todos estes procedimentos a lei impõe ao júri do concurso o dever propor a ordenação ou exclusão de propostas e de concorrentes e ao órgão decisor o poder de as aprovar ou rejeitar. Apenas no nº 1 do art. 186º se diz que o júri pode ainda «determinar» a exclusão de qualquer candidatura, embora o verbo determinar não tenha aí o sentido de decisão definitiva, atento o que se diz no nº 4 do mesmo artigo, que atribui ao órgão competente para a decisão de contratar o poder de decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final, nomeadamente para efeitos de qualificação dos candidatos e, por conseguinte, também para efeitos de exclusão.
As normas que limitam o poder do júri à formulação de propostas de ordenação e de exclusão dirigidas ao órgão competente para a decisão de contratar estão em total conformidade com a competência que o artigo 69º do CCP atribui ao júri do procedimento. Na verdade, segundo as normas deste preceito, ao júri tem competência própria para proceder à apreciação das candidaturas e das propostas e para elaborar os respectivos relatórios de análise e competências delegada que o órgão competente para a decisão de contratar lhe delegar. Todavia, nos termos do nº 2 e do nº 1 do art. 109º, não lhe pode «delegar a competência para a decisão de qualificação dos candidatos ou para a decisão de adjudicação», excepção esta que naturalmente também vale para as decisões sobre exclusão de candidaturas ou propostas. Quer isto dizer que o acto de exclusão de uma proposta ou de um concorrente é um acto da competência exclusiva e indelegável do órgão com competência para decidir contratar.
Em sentido técnico-jurídico, as propostas são informações que, além de conterem o resumo da matéria de facto sobre que versa a questão, a indicação dos pontos sobre que deve incidir a decisão e a menção das disposições legais aplicáveis, inclui ainda uma proposta concreta de decisão (cfr. art. 105º do CPA). Através delas, "um sujeito administrativo emite um certo juízo em direcção a outro agente, no sentido de fazer clara a conveniência ou a necessidade da emissão dum acto", e portanto, têm a natureza de acto instrumental que não envolve uma decisão de autoridade, sendo antes um acto auxiliar relativamente a actos administrativos decisórios (cfr. Rogério Soares, Direito Administrativo, págs. 100 e 132).
Se, em princípio, não há dificuldade em classificar a proposta do júri do concurso como um acto instrumental, de natureza preparatória, que por si só não é idóneo a produzir uma transformação jurídica externa, já quanto à «aprovação» do órgão competente para a decisão de contratar pode questionar-se se a expressão é utilizada no sentido rigoroso que o direito administrativo lhe dá.
A aprovação define-se como um acto pelo qual um órgão da Administração exprime a sua concordância com um acto anterior praticado por outro órgão administrativo, e lhe confere eficácia (cfr. al. a) do art. 129º do CPA). Apesar de estarem interligados, o acto aprovado e o acto de aprovação, são actos administrativos de natureza diferente, emanados no exercício de competências diferentes. Como escreve Rogério Soares, o que o ordenamento jurídico pretende com a aprovação «é, somente, que enquanto o acto aprobatório não se produzir, os efeitos do acto aprobando não se desenvolvem, se, como é normal, este acto já está perfeito» (ob. cit. pág. 120).
Ora, se o júri emite apenas uma proposta, não qualificada com acto administrativo decisório, então a aprovação do órgão competente para decidir contratar não tem a natureza de aprovação no sentido referido. Neste caso, a circunstância de se empregar o termo "aprovação" não dá ao acto o «carácter de aprovação, pois o seu conteúdo é o da proposta aprovada. Como refere Marcello Caetano «trata-se em rigor de mera homologação. Só há aprovação, portanto, quando esta constitui um acto autónomo que confira eficácia a outro acto anterior» (cfr. Manual, Vol. I, pág. 462).
Temos assim que a fórmula verbal «aprovação de todas as propostas» constante do nº 4 do artigo 148º do CCP, assim como nas normas que a referem nos demais tipos de procedimento, pode ser interpretada de duas maneiras: como acto de homologação, um acto pelo qual o órgão decisor aceita uma proposta apresentada por outro órgão, convertendo-a em sua; como acto de aprovação, em que o órgão decisor exprime um juízo de conformidade relativamente à resolução contida num acto anterior, conferindo-lhe eficácia.
Para ter este último sentido era necessário que a proposta do júri do concurso definisse, ainda que potencialmente, a esfera jurídica dos concorrentes. Como no contencioso pré-contratual urgente podem ser objecto de impugnação quaisquer decisões administrativas relativas à formação do contrato (art. 100º do CPTA), até se pode admitir a impugnabilidade de decisões que, não possuindo eficácia externa, determinem definitivamente o conteúdo de um acto com eficácia externa. Digamos que, para esta forma processual, o conceito de acto impugnável pode ser mais amplo do que referido no artigo 51º do CPTA, podendo abranger também actos conformadores do conteúdo do acto lesivo. Deste modo, a "proposta" do júri de excluir uma das propostas concorrentes pode ter natureza potencialmente lesiva, na medida em que impede imediatamente que o júri a analise em função dos critérios de adjudicação e a ordene com as demais propostas, assim como torna muito provável que o órgão decisor a possa vir a aprovar.
Todavia, a admitir-se a impugnação imediata da "decisão" do júri que exclui a proposta, seria sempre uma impugnação do acto administrativo ineficaz, porque lhe faltava a aprovação do órgão decisor para desencadear os efeitos jurídicos externos. Apesar da falta da aprovação, a funcionar como requisito de eficácia, a impugnação seria possível nos termos da alínea b) do nº 1 artigo 54º do CPTA. Nas situações de eficácia diferida referidas nessa norma, o acto «pode» ser impugnado «desde que «seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos».
Para efeitos de início do prazo de impugnação contenciosa, quer se entenda que a aprovação das propostas do júri pelo órgão competente para decidir contratar tem a natureza de homologação quer se entenda que é um acto integrativo da eficácia da deliberação do júri, o inicio do prazo de impugnação dá-se sempre com a notificação do acto praticado pelo órgão competente para decidir contratar.
No primeiro caso, o acto administrativo principal, com eficácia externa, é o acto que aprova (no sentido de homologação) a proposta, é ele o acto lesivo e, portanto, o acto impugnável. No segundo caso, a possibilidade de impugnação do acto de eficácia diferida nunca exclui ou impede que o prazo de impugnação só se desencadeie no momento em que o acto se torna eficaz, ou seja, com aprovação da decisão do júri.
É que acontece no caso dos autos.
A recorrente teve conhecimento do relatório final em que o júri manteve a exclusão da sua proposta quando foi notificado para a nova audiência prévia. Esta notificação só existiu porque o júri no relatório final alterou a ordenação das propostas e não porque foi mantida a exclusão da proposta da recorrente constante do relatório preliminar. Se não tivesse havido alteração na ordenação, a notificação do relatório final só ocorreria com a notificação do acto do órgão decisor que aprovou as propostas do júri (cfr. art. 77º nº 3 do CCP). Mesmo que se entenda que, com o conhecimento acidental da deliberação do júri que manteve a exclusão da sua proposta, a recorrente podia de imediato usar a via contenciosa, porque apesar de ser um acto interno ele é potencialmente lesivo da sua posição jurídica, ainda assim, o prazo para impugnar só se desencadeia com a notificação do acto de aprovação do órgão com competência para decidir, uma vez que só com ele a decisão do júri se torna eficaz.
Conclui-se, assim, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, que a acção foi tempestivamente interposta.
Nos autos, a propósito deste pressuposto processual, também foi invocado pela recorrida que o prazo de impugnar o artigo 7º do programa de concurso já havia sido ultrapassado. A sentença não conheceu desta questão, mas também não é ela que inviabiliza o prosseguimento da acção.
Ainda que se admita que o prazo de um mês previsto no artigo 101º do CPTA se aplica também à impugnação das normas conformadoras do procedimento pré-contratual que vêm referidas no nº 2 do artigo 100º, como a jurisprudência tem vido a dizer, embora com discordância de alguma doutrina, não está excluída a possibilidade do interessado impugnar os actos administrativos praticados em aplicação dessas normas com fundamento na respectiva ilegalidade (cfr. art. 52º, nº 3 do CPTA, aplicável por força do art. 100º, nº 1).
Foi o que aconteceu nos autos, em que a recorrente pretende anular o acto que excluiu a sua proposta por violação dos artigos 55º e 81º do CCP, impugnando incidentalmente a norma do artigo 7º do programa do concurso que ordena aos concorrentes a apresentação dos documentos referidos naquele artigo 81º. Não se trata de uma impugnação a título principal, mas apenas de uma impugnação enquanto suporte do acto que determinou a exclusão da sua proposta.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, e ordenar a baixa do processo para prosseguimento dos termos da acção.
Sem custas.
Notifique-se
TCAN, 01 de Julho de 2010
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador