Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de Julho de 2010 (proc. 275/10)

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Sumário:

A alteração introduzida no n.º 2 do art. 86º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL 18/08, de 29.1, posteriormente alterado pelo DL 278/09, de 2.10, no sentido de facultar ao interessado a possibilidade de se pronunciar "Sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação nos termos do n.° 1" corresponde à regra geral desde há muito existente na ordem jurídica portuguesa, plasmada no art.º 100º do CPA, segundo a qual o direito de audiência do interessado previamente à emissão de um acto administrativo lesivo constitui um princípio geral da actividade administrativa ditado por imposição constitucional (art. 267º, n.º 5, do CRP) mais não sendo do que uma clarificação da situação anterior.

 

Texto Integral:

Acordam na secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I - Relatório
A...EPE, veio interpor recurso de revista ao abrigo do n.º 1 do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 4.2.10, que, em acção de contencioso pré-contratual proposta pela ora Recorrida B... SA, contra aquela e outros contra-interessados, (C..., S.A., D..., Lda., E..., S.A., F..., S.A. G..., S.A., H..., S.A., I..., S.A., e J...), concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogou a decisão do TAF de Sintra, de 19.10.09, e anulou a deliberação impugnada de 3.4.09 e a subsequente que a confirmou (decisão de 27.4.10), e demais actos cuja validade delas dependa, todas no âmbito do concurso público para selecção de plataformas electrónicas para contratação pública, condenando, ainda, a ora Recorrente a praticar novo acto que inclua a aqui Recorrida entre os concorrentes cujas propostas foram adjudicadas para o lote n.º 1 e habilitada a celebrar o respectivo contrato-quadro.


Para tanto alegou, concluindo como segue:
1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA SUL) de 04.02.2010, Proc. N.° 05832/10, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela aqui Recorrida, "B..., S.A.", revogou a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra), de 19.10.2009, de fls. dos autos, proferida no processo de contencioso pré-contratual que ali correu termos sob o n.° 550/09.3BESNT.
2. As questões jurídicas que carecem de apreciação por parte desse Venerando Supremo Tribunal, e que, segundo cremos, pela primeira vez se colocam nesta sede, prendem-se com a interpretação e aplicação do novo regime previsto no art. 86.° do CCP (Não apresentação dos documentos de habilitação), e as consequências que do mesmo decorrem para o(s) adjudicatário(s), conjugado com o nova regulamentação instituída pela Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho (doravante Portaria), designadamente no que concerne ao disposto nos seus arts. 36.° e segs. relativos aos requisitos exigidos para efeitos de acesso à (e manutenção na) actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas.
3. Saliente-se ainda que, por força do disposto no art. 4º, n.° 3, da Portaria, a aquisição de serviços de uma plataforma electrónica para a tramitação de procedimentos de contratação pública, obriga a que no respectivo programa de procedimento se exija ao adjudicatário que apresente, como documento de habilitação, um relatório de segurança, nos termos do art. 36.° ou do art. 37.° da Portaria, consoante o caso, que esteja válido e actualizado e que ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas previstas na Portaria.
4. Nos presentes autos, e a propósito das referidas normas que foram interpretadas e aplicadas, quer pela 1ª e 2ª instâncias (em sentido divergentes), quer pela ora Recorrente no aludido Concurso (mas não só), suscitam-se várias questões jurídicas, a saber
- À luz do art. 86,° do CCP (na redacção originária dada pelo Decreto-Lei n.° 18/2008 de 29 de Janeiro), a decisão de considerar caducada a adjudicação, por falta de entrega dos documentos de habilitação, deve ser precedida de audiência prévia, mesmo não prevendo aquela norma a realização dessa audiência?
- À luz dessa mesma disposição (sempre na redacção originária) é "possível conceder a um adjudicatário um prazo suplementar para apresentar esclarecimentos e suprir lacunas ou irregularidades de documentos de habilitação?"
- Em caso afirmativo, esse prazo adicional pode ser concedido mesmo nas situações em que os motivos determinantes da caducidade da adjudicação são "imputáveis ao adjudicatário?"
- À luz dos arts. 36°, 37.° e 38.° da Portaria 701-G/2008, de 29 de Julho, o prazo de 30 dias concedido às entidades gestoras das plataformas electrónicas para corrigirem eventuais falhas detectadas pelo auditor de segurança, e que motivem um parecer negativo ou condicionado por parte deste, só é aplicável para efeitos de manutenção na actividade em apreço, aquando da elaboração do relatório anual de segurança (cfr. artigo 37° da citada Portaria), ou, ao invés, aplica-se igualmente para efeitos de acesso à referida actividade, momento em que deve ser emitido o documento de conformidade (artigo 36° da citada Portaria e exigido no presente Concurso)?
- Sempre que, no âmbito de um procedimento pré-contratual, se verifique uma situação que caiba na estatuição contida no art. 86°, n.° 1, do CCP, constitui a obrigação de considerar a adjudicação caducada o exercício de um poder vinculado?
- Em caso afirmativo, ou seja, constituindo a obrigação de considerar a adjudicação caducada o exercício de um poder vinculado, pode assumir relevância anulatória do acto a violação dos princípios gerais de direito, reguladores da actividade administrativa, designadamente o da igualdade
5. As questões acima enunciadas revestem-se de importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social.
6. No que respeita à sua relevância jurídica, é evidente que, atenta a novidade do regime jurídico em causa, se exige ao interprete e também ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas e, por conseguinte, do caso dos autos, sendo ainda seguro que existe forte capacidade de expansão da controvérsia (indo além dos limites da situação em apreço e podendo repetir-se num número não determinado de situações futuras).
7. No que respeita ao novo regime jurídico instituído pelo CCP, as alterações introduzidas na actividade contratual pública foram muito profundas, o que se apreende, desde logo, pela leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, onde se encontram bem patentes as preocupações do legislador do CCP em introduzir mudanças substanciais na modernização, simplificação e celeridade na tramitação procedimental, o que passa pela desmaterialização dos actos relativos aos procedimentos de formação de contratos.
8. Deste modo, as questões que agora se colocam à apreciação desse Venerando Supremo Tribunal decorrem do modo como os motivos enunciados pelo legislador foram vertidos no CCP (em cumprimento também do direito comunitário), isto é, na forma como ali se "uniformizou a nomenclatura e regras procedimentais aplicáveis", o que determinou, na nova coordenação sistemática, que fosse instituído um momento único e comum a todos esses procedimentos denominado de "Habilitação" (cfr. art. 81.º e segs); que fosse criado um novo figurino para o procedimento de concurso público (eliminando-se a "fase do acto público" e, com esta, a admissão condicional dos concorrentes, bem como das respectivas propostas), e, sobretudo, que obrigou a que se procedesse a uma verdadeira e inovadora revolução na tramitação procedimental, criando-se "um sistema alternativo ao clássico papel" através da utilização de plataformas electrónicas para a condução dos respectivos procedimentos concursais.
9. Sendo certo que, com a aprovação do CCP, foram ainda aprovados outros diplomas com vista à plena concretização das suas disposições, sendo disso exemplo o Decreto-Lei n.° 143-A/2008, de 25 de Julho, e a citada Portaria 701-G/2008, de 29 de Julho.
10. As enunciadas alterações legislativas reflectiram-se obrigatoriamente no Concurso lançado pela ora Recorrente, com vista à "selecção de plataformas electrónicas para contratação pública" e, por conseguinte, à celebração de um Acordo Quadro com os adjudicatários ali escolhidos, destinado a servir a Administração Pública.
11. Na verdade, o presente Acordo Quadro tem por objecto a prestação de serviços que, por força da entrada em vigor do CCP, passaram a ser de uso corrente, necessários, por natureza, ao normal e regular funcionamento da Administração Pública, por constituírem ferramentas tecnológicas indispensáveis à moderna contratação pública desmaterializada.
12. Com efeito, é do interesse público dotar a Administração Pública de plataformas electrónicas de contratação, em conformidade com o disposto no CCP, no Decreto-Lei n.° 143-A/2008, de 25 de Julho, e na Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho, uma vez que, a partir de 30 de Julho de 2009 (cfr. art. 9°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro), as compras públicas passaram a ser efectuadas, obrigatoriamente, através daqueles meios electrónicos.
13. O presente Acordo Quadro encontra-se igualmente enquadrado pelas disposições nacionais e comunitárias que apontam no sentido da desmaterialização dos procedimentos electrónicos, como garante da concorrência, transparência e obtenção das melhores condições de contratação pública.
14. O presente Acordo Quadro contribui para o reequilíbrio das contas públicas, pois, como se disse, permite assegurar um melhor controlo e optimização das despesas de compras, especialmente no que diz respeito a este tipo de serviços que satisfazem necessidades transversais a toda a Administração Pública.
15. Acresce que este Acordo Quadro é instrumental à implementação do Modelo Tecnológico das Compras Públicas pela Recorrida, conforme dispõe o art. 6.° dos seus estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.° 37/2007, de 19 de Fevereiro (diploma que, entre o mais, procede à definição do Sistema Nacional de Compras Públicas [SNCPJ e cria a Recorrente), uma vez que permitirá disponibilizar às Unidades Ministeriais de Compras, aos organismos da administração directa do Estado e aos institutos públicos, ferramentas interoperáveis com as demais componentes do Modelo, permitindo que a Recorrente e demais organismos integrados no SNCP passem a dispor de meios fiáveis para realização dos procedimentos aquisitivos e para obtenção de informação de gestão das compras públicas.
16. O supra referido Modelo Tecnológico prevê ainda que as aquisições a efectuar ao abrigo dos diversos acordos quadro celebrados pela Recorrente, nesta altura a corresponderem a cerca de 80% do total da despesa em bens e serviços transversais à Administração Pública, passem a ser efectuadas através de plataforma(s) electrónica(s) a adquirir ao abrigo do acordo quadro.
17. Por conseguinte, conclui-se que a execução do Acordo Quadro integra indissociavelmente o conjunto de meios e ferramentas necessários para garantir a monitorização da despesa pública e das poupanças alcançadas em consequência da implementação dos princípios estratégicos subjacentes ao SNCP e do cumprimento das obrigações contratadas.
18. Acresce ainda o facto de a não realização destes procedimentos aquisitivos através do referido conjunto de meios e ferramentas para monitorizar as aquisições poder comprometer uma poupança de 150 milhões de euros para toda a Administração Pública Central na aquisição de bens e serviços transversais, durante os primeiros dois anos de utilização dos acordos quadro a celebrar, objectivo traçado pelo Estado para a Recorrente.
19. O presente Acordo Quadro é, pois, fundamental para que as entidades públicas possam, com uma garantia de qualidade e baixos custos, contratar plataformas electrónicas para realização de procedimentos de aquisição.
20. Este breve excurso sobre os motivos que levaram a Recorrente a lançar um Concurso Público com o objecto em apreço, permite uma melhor percepção da enorme relevância social (além da jurídica) que as questões submetidas à apreciação desse Venerando Supremo Tribunal suscitam, porquanto as mesmas se encontram interligadas com o novo modelo gizado para as "compras públicas" e que motivou a criação da A..., E.P.E., ora Recorrente.
21. Esse modelo traduziu-se na consagração de uma solução de natureza empresarial com vista à organização e modernização das "compras públicas", assente nos objectivos de racionalização e redução da despesa pública, obtenção de economias de escala e poupanças, modernização da administração pública e melhoria da competitividade entre os fornecedores do Estado.
22. No quadro do SNCP, que integra a A..., E.P.E., as Unidades Ministeriais de Compras (UMC), as entidades compradoras vinculadas e as entidades compradoras voluntárias, a contratação de bens e serviços é efectuada preferencialmente de forma centralizada, pela A..., E.P.E. ou pelas UMC, através da celebração de acordos quadro e da contratação centralizada ao seu abrigo.
23. Ora, sendo a A..., E.P.E., as UMC e as entidades compradoras responsáveis pela aquisição de bens e serviços destinados a satisfazer necessidades transversais da Administração Pública, numa fatia que corresponde a cerca de 38%, e sabendo-se que são inúmeros os fornecedores de bens e prestadores de serviços interessados na celebração de contratos públicos, muitos deles vivendo quase na dependência exclusiva dos contratos que celebram com o Estado, importa, pois, que esse Venerando Supremo Tribunal aprecie e clarifique as questões anteriormente enunciadas e que se prendem com a interpretação e aplicação de disposições do CCP e da citada Portaria n.° 701-G/2008, essenciais para a actividade regular da generalidade dos entes públicos e com efeitos num número considerável de particulares interessados em contratar com o Estado, em especial os que pretendem prestar serviços de entidades gestoras de plataformas electrónicas.
24. Acresce que, pela especial posição da Recorrente no panorama da contratação pública, enquanto entidade congregadora das necessidades aquisitivas do Estado, é possível antever que o problema possa surgir em futuros procedimentos que a Recorrente venha a realizar, bem como os que venham a ser lançados pelas entidades vinculadas, porquanto o aludido relatório de segurança - parte integrante do documento de conformidade - é um documento de habilitação específico nos termos do art. 4º, n.° 3, da Portaria n.° 701-G/2008.
25. É também consabido que o recurso às formas processuais relativos aos procedimentos de formação de contratos é dos mais utilizados para alcançar a tutela jurisdicional administrativa, pelo que importa clarificar situações jurídicas decorrentes da interpretação e conjugação de normas que assumem especial relevância na actividade contratual pública e na tutela de eventuais interesses dos particulares.
26. Actualmente, as questões a carecerem de clarificação por esse Venerando Supremo Tribunal encontram-se também em discussão em Tribunais de 1ª instância, tendo por objecto a caducidade da adjudicação determinada pela Recorrente no âmbito de outros Concursos Públicos com vista à celebração de acordos quadro.
27. Aliás, ao nível do Tribunal Central Administrativo Sul, foram já proferidos três acórdãos (incluindo o acórdão recorrido) sobre a problemática patenteada nos presentes autos, acórdãos esses que consagraram soluções divergentes, sendo que dois deles foram em sentido favorável à ora Recorrente e apenas um, o acórdão recorrido, interpretou e aplicou as normas em questão em sentido diametralmente oposto ao decidido nos outros dois arestos, divergindo também da esmagadora maioria das decisões proferidas pelos tribunais de 1 instância, que têm analisado estas questões nos processos judiciais oriundos dos concursos realizados pela Recorrente.
28. Com efeito, dos acórdãos já proferidos no Tribunal Central Administrativo Sul dois aderiram à interpretação e aplicação que a Recorrente fez do disposto no art. 86.° do CCP - referimo-nos ao Acórdão de 05.11.2009, Proc. N.° 05506/09, e ao Acórdão de 11.02.2010, Proc. N.° 05531/09, ambos in www.dgsi.pt, sendo que este último aresto recaiu sobre uma situação exactamente igual à dos presentes autos, pois estavam em causa os mesmos actos apreciados no acórdão aqui sob recurso, tendo-se ali julgado improcedente o recurso jurisdicional, confirmando-se assim a decisão de 1ª instância, logo a posição assumida pela ora Recorrente perante as citadas disposições do CCP, da aludida Portaria n.° 701-G/2008, mas também, e sobretudo, dos arts. 3º e 15.° do Programa de Concurso.
29. Nestas circunstâncias, apela-se também a esse Venerando Supremo Tribunal que admita o presente recurso de revista, pois que, como se decidiu no Acórdão do STA de 05.06.2008, Proc. 447/08, in www.dgsi.pt, "a revista excepcional oferece vantagem de se obter a uniformização interpretativa mais cedo, com maior economia de meios e com mais eficiência e igualdade na aplicação aos casos individuais do que resultaria do hipotético e futuro recurso para uniformização de jurisprudência".
30. Face a tudo o que antecede, ficou plenamente demonstrada a importância fundamental das questões suscitadas perante esse Venerando Supremo Tribunal, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social, na medida em que exigem complexas operações jurídicas indispensáveis à resolução do caso (questões novas, com relevo jurídico evidente, decorrentes da aplicação do recente Código dos Contratos Públicos e da Portaria n.° 701-G/2008, e inexistência de antecedentes jurisprudenciais desse Venerando Tribunal Superior) e a capacidade de expansão da controvérsia, demonstrável a partir do peso da actividade contratual pública na sociedade portuguesa, bem espelhada no constante recurso à figura do processo do contencioso pré-contratual.
31. Importa, por isso, recordar que as questões que reclamam análise e clarificação por parte desse Venerando Supremo Tribunal se encontram enunciadas no ponto 4 destas Conclusões.
32. No que toca ao mérito do recurso, sublinhe-se que a decisão contida no aresto sob recurso teve por base "a patente ilegalidade do acto impugnado" determinada pela "violação do princípio da igualdade" entendendo assim o TCA SUL ser imperioso "anular a deliberação impugnada de 03.04.2009 e a subsequente que a confirmou (decisão de 27.04.2009), e demais actos cuja validade delas dependa"; bem como condenar a ora Recorrente "a praticar novo acto que inclua a aqui Recorrida entre os concorrentes cujas propostas foram adjudicadas para o Lote n.° 1 do Concurso e habilitada a celebrar o respectivo contrato- quadro".
33. De acordo com os arts. 3°, al. c), e 5°, al. b), do Programa de Concurso (PC), e para serem seleccionados, os concorrentes tinham de possuir um documento elaborado pelo auditor de segurança credenciado pelo Gabinete Nacional de Segurança, no qual se ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas da Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho.
34. Ora, as citadas exigências do PC, mais não estipulam do que a exigência que já decorre do disposto no art., 36°, n.° 2, da Portaria, o qual impõe o preenchimento, obrigatório, de determinados requisitos e condições para o acesso à actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas, precisamente para assegurar que todos os actos que a lei manda sejam feitos em plataforma electrónica possam ser válida e regularmente praticados por essa via de desmaterialização.
35. Com efeito, desde 01.01.2009, só podem exercer a referida actividade as entidades que possuam um documento de conformidade, elaborado por auditor de segurança credenciado pelo Gabinete Nacional de Segurança, que ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas da Portaria n.° 701-G/2008.
36. A exigência contida na norma em questão é essencial ao presente Concurso, uma vez que o objecto do mesmo consiste na prestação de serviços que passaram a ser de uso legalmente obrigatório, após o termo do período transitório de um ano fixado no n.° 1 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, que, como se disse, aprovou o Código dos Contratos Públicos (CCP).
37. Na verdade, desde 30.07.2009 (cfr. disposição acima citada do Decreto-Lei n.° 18/2008), toda a contratação pública passou a ser efectuada, inevitavelmente, através de plataformas electrónicas, sendo que as mesmas devem estar conformes com o disposto no CCP, no Decreto-Lei n.° 143-A/2008, de 25 de Julho, e, acima de tudo, na referida Portaria n.° 701-G/2008 (cfr. n.°s 2 e 3 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 18/2008).
38. Para reforçar a apreensão do que está em causa, no valor jurídico do bom, regular e tempestivo recurso às plataformas electrónicas, ou seja, da panóplia de actos insertos na contratação pública, seja qual for o procedimento utilizável, que não podem ser praticados sem recurso às mesmas, vejam-se os artigos 50°, n.° 4, 61°, n.°s 4 e 6, 62°, n.° 1, 72.°, n.° 3, 85.°, n.° 2, 130°, n.° 2, 133°, n.° 2, 138°, n.° 5 1 e 2, 170°, n.° 1, 177°, n.°s 1 e 2, 224.°, n.° 2, 240°, n.° 3, e 245°, n.° 3 todos do CCP.
39. Ora, perante este enquadramento legal, e a importância crucial de as plataformas electrónicas contratadas estarem conformes as normas dos citados diplomas legais, não podia a Recorrente, no âmbito do presente Concurso, deixar de exigir aos adjudicatários que demonstrassem possuir a certificação necessária para o acesso ao exercício da actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas, in casu, o documento de conformidade, elaborado por um auditor de segurança credenciado pelo Gabinete Nacional de Segurança que atestasse a conformidade da plataforma electrónica com as regras da Portaria.
40. Assim, perante o bloco de legalidade aplicável ao presente Concurso, era pois evidente que se impunha a exigência do mencionado documento de habilitação, que compreende um relatório de segurança (cfr. art. 36°, n.° 2, da Portaria), o qual constitui uma habilitação específica do adjudicatário para o exercício da actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas, como resulta, aliás, do n.° 3 do art. 4.° da Portaria.
41. Acresce que, de acordo com o art. 81°, n.° 6, do CCP, independentemente do objecto do contrato a celebrar - logo, o acordo quadro também se encontra abrangido pela previsão normativa, atento o disposto no art. 251.° do CCP -, o adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação mencionados no n.° 1 do referido art. 81.° do CCP, bem como todos aqueles que lhe sejam exigidos no programa do procedimento, para comprovar a titularidade das habilitações legalmente exigidas, nomeadamente, para a prestação dos serviços em causa.
42. Sendo também seguro que à formação dos acordos quadro são aplicáveis, com as necessárias adaptações e em tudo que não esteja especialmente previsto nos artigos 251.º a 257°, as normas do CCP relativas aos tipos e a escolha dos procedimentos pré-contratuais, as regras gerais e especiais aplicáveis à formação dos contratos, bem como a tramitação dos procedimentos (n.° 1 do artigo 253.° do CCP), no que se incluem os arts. 81.º a 87.° do CCP, relativo aos documentos de habilitação e ao modo da sua apresentação.
43. Resulta provado nos autos que, no documento de conformidade elaborado pelo auditor de segurança a propósito da plataforma electrónica da Recorrida, e que esta enviou à Recorrente, em 20.03.2009 (último dia do prazo), para efeitos de habilitação, vêm apontadas, indiscutivelmente, inconformidades com os requisitos expressos nos arts. 29°, 30°, 34.° e 35.° da Portaria n.° 701-G/2008 (cfr. als. m) e n) da matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido).
44. Ora, se para satisfazer os requisitos fixados nos arts. 30, a), c), e 15°, b), do Programa de Concurso, a aqui Recorrida apresentou um documento do auditor de segurança que, na parte relativa ao relatório de segurança (cfr. n.° 3 do art. 36.° da Portaria), não atesta a conformidade da plataforma electrónica com as normas da Portaria, então, face ao bloco de legalidade aplicável ao Concurso, não lhe poderia ter sido adjudicado o serviço por carecer de habilitação adequada para o exercício da actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas para contratação pública.
45. Por conseguinte, perante um documento apresentado pela ora Recorrida que, de forma tão evidente, atestava que a plataforma estava desconforme com algumas das normas da Portaria, não podia a ora Recorrente tomar outra decisão que não fosse a de considerar caducada a adjudicação anteriormente efectuada às propostas apresentadas pela Recorrida no Concurso.
46. Acresce que esta regra específica introduzida pela Recorrente no programa do procedimento foi dada a conhecer tempestivamente a todos os interessados e adequadamente publicitada, bem como as consequências resultantes do seu incumprimento por parte dos concorrentes.
47. À Recorrente impunha-se que verificasse se o aludido documento de conformidade atestava, ou não, a conformidade da plataforma electrónica da Recorrida com as normas da Portaria, o que, como já se viu, não se verificou no caso em apreço. E essa verificação não implicava, como erroneamente se diz no acórdão recorrido, que a Recorrente avaliasse por si a própria conformidade das plataformas.
48. Por conseguinte, nos casos em que o documento de habilitação apresentado não corresponde ao que foi exigido no Programa do Concurso, nomeadamente por não comprovar a titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa, é de concluir que o adjudicatário incumpriu, no prazo legalmente fixado, o ónus a que estava obrigado em matéria de documentos de habilitação. Consequentemente, a adjudicação deve caducar à luz do disposto no art. 86°, n.° 1, al. a), do CCP (na sua redacção originária).
49. Sendo esta decisão vinculada, não podia a Recorrente tomar outra decisão que não fosse a de considerar caducada a adjudicação anteriormente efectuada às propostas apresentadas pela Recorrida no Concurso.
50. Saliente-se que, no momento em que entregou o referido documento de habilitação à Recorrente, a Recorrida não procurou, desde logo, justificar a razão pela qual apresentava um documento de habilitação que, notoriamente, não atestava aquilo que era exigido no Programa de Concurso e, como se viu, nos termos da lei.
51. Só depois de confrontada com o teor do acto impugnado é que Recorrida veio reconhecer a existência de não conformidades, entregando, em momento posterior ao prazo para apresentação dos documentos de habilitação (20.03.2009), um "relatório preliminar de resolução de não conformidades" revelador de que o relatório apresentado como documento de habilitação não atestava a conformidade da plataforma electrónica com as normas da Portaria, em violação do preceituado no programa de concurso e na própria lei.
52. E, conforme se acha plenamente demonstrado nos autos, a plataforma electrónica da Recorrida só veio a estar conforme as normas da Portaria em 27.07.2009, de acordo com o parecer técnico do "Centro de Gestão da Rede Informática do Governo - CEGER" (cfr. al. cc, penúltimo parágrafo, da matéria de facto provada).
53. O que mostra bem o acerto da decisão tomada pela ora Recorrente quanto à plataforma da Recorrida, tal como decidiu o Mmo. Juiz do TAF de Sintra.
54. Todavia, assim não entendeu o Tribunal a quo. A propósito dos fundamentos do acórdão recorrido, importa salientar que a situação dos autos deve ser, exclusivamente, apreciada à luz do art. 86.° do CCP, com a redacção à data vigente, ou seja, a que fora introduzida pelo Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, pois foi ao abrigo dessa norma (na redacção primitiva) que a Recorrente actuou e emitiu os actos impugnados. O mesmo vale para as restantes disposições do CCP, mormente o invocado art. 132°, n.° 1, al. g), do CCP.
55. Na sua redacção original, nenhuma das normas em causa impunha "ao órgão competente para a decisão de contratar" que, antes de considerar caducada a adjudicação, notificasse "o adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia." (cfr. art. 86.° do CCP).
56. Nem tão pouco se estabelecia na al. g) do n.° 1 do art. 132.° do CCP que o programa do concurso público devia indicar "o prazo a conceder pela entidade adjudicante para a supressão de irregularidades detectadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do disposto no artigo 86.°."
57. Ora, é evidente que as alterações introduzidas nas referidas normas apenas vigoram para o futuro, aplicando-se, assim, tão somente aos procedimentos pré-contratuais que se realizem posteriormente à data da entrada em vigor do citado Decreto-Lei n.° 278/2009.
58. Com o devido respeito, afigura-se-nos que não pode proceder a tese sufragada no acórdão recorrido no sentido de "a lei [nova] visou tornar mais clara uma solução que já resultava dos princípios gerais", nomeadamente "o princípio da audiência prévia (artº. 100.° e ss. do CPA) é um princípio transversal à Administração consensual, mas também porque o artº. 1.º, n.° 4, do CCP, estabelece que "à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência", significando a utilização do vocábulo especialmente uma aplicação reforçada desses princípios."
59. Nem tão pouco esta argumentação permite afirmar que no caso dos autos se impunha à Recorrente conceder um prazo suplementar ao adjudicatário para suprir as irregularidades detectadas no aludido documento de habilitação, não sendo por isso a caducidade uma "consequência [...] inexorável".
60. Face ao teor do art. 88.° do CCP (na redacção inicial), a Recorrente sempre defendeu que não era obrigatória a realização de audiência dos interessados.
61. Com efeito, o acto impugnado não foi precedido de audiência dos interessados, uma vez que a fase de habilitação, com uma tramitação especial, prevista nos arts. 81° a 87.° do CCP, não prevê audiência prévia dos interessados.
62. Ao contrário da fase de avaliação das propostas, em que esse direito é expressamente reconhecido aos concorrentes, mais precisamente após a emissão do relatório preliminar do Júri do Concurso (art. 147.° do CCP), na fase da habilitação dos adjudicatários essa audiência não foi consagrada pelo legislador, não havendo por isso lugar à mesma nesta última fase do procedimento.
63. Saliente-se que, sempre que entendeu conveniente ou necessário, o legislador não deixou de estabelecer expressamente a obrigatoriedade de se realizar a audiência prévia dos interessados, como são disso exemplo os arts. 185.° 200.°, e 308.° do CCP. Atente-se, por exemplo, no caso do art. 308.° do CCP (Formação dos actos administrativos do contraente público).
64. Assim, tendo previsto expressamente no CCP a realização da audiência prévia, quer durante a fase de formação dos contratos, quer durante a fase de execução dos contratos, é forçoso concluir que se o legislador tivesse querido também que o adjudicatário fosse ouvido antes de ser decretada a caducidade da adjudicação, seguramente que não deixaria de consagrar no texto da lei essa solução.
65. Não o tendo feito, e devendo o intérprete presumir que "legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" não se deve ter por obrigatória a realização dessa audiência nos actos praticados ao abrigo do art. 86.° do CCP, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 18/2008.
66. Importa não esquecer que a fase da habilitação do adjudicatário no âmbito de um procedimento de formação de contratos configura um procedimento com um tramitação especial face ao procedimento típico regulado no CPA.
67. Assim, tratando-se de um procedimento especial, não era aplicável ao caso sub judicie o art. 100.° do CPA.
68. Acresce que as decisões tomadas em sede de habilitação não são precedidas de instrução, não estando, por isso, sujeitas a norma do art. 100.° do CPA.
69. Com efeito, apresentados os documentos nos prazos legalmente fixados, a lei não exige qualquer actividade instrutória a mediar as decisões adoptadas pela Recorrente durante a fase da habilitação dos adjudicatários. Daí também não ter havido lugar a audiência prévia dos interessados.
Sem conceder,
70. Já aqui se disse que o acto em causa decorre do exercício de um poder de estrita vinculação, sem indeterminações conceituais ou abertura que atribua a possibilidade de escolher uma de entre várias possibilidades, todas elas legais.
71. A Recorrente não goza de prerrogativa de avaliação ou de discricionariedade, pelo que terá de concluir-se que os actos impugnados e agora anulados não têm alternativa juridicamente válida, fosse qual fosse a intervenção da Recorrida no procedimento administrativo, a decisão final não poderia ter outro sentido.
72. Assim, de acordo com a jurisprudência desse Venerando Supremo Tribunal (seguida em casos semelhantes aos dos autos, quer pelo Tribunal Central Administrativo Sul, quer pelos tribunais de 1ª instância), não seria de anular o acto, com fundamento no princípio do aproveitamento dos actos administrativos ou da relevância limitada dos vícios de forma, uma vez que a decisão não tem alternativa juridicamente válida, estando, assim, adquirido que, fosse qual fosse a intervenção dos interessados no procedimento administrativo, a decisão final não podia ter outro sentido - ver, por todos, o Acórdão do STA de 13.01.2004, Proc. N.° 040245, e no mesmo sentido, VIEIRA DE ANDRADE, "O dever da fundamentação expressa de actos administrativos", p. 307 e ss..
73. Em sentido semelhante ao exposto, e apreciando a aplicação do art. 86.° do CCP (redacção originária), decidiu-se da seguinte forma no já aqui citado Acórdão do TCA SUL, de 05.11.2009, Proc. N.° 05506/09 (in www.dgsi.pt).
74. Por seu turno, no Acórdão do TCA SUL de 11.02.2010, Proc. 05531/09, (in www.dgsi.pt), em que se discute a validade dos mesmos actos da Recorrente, a decidido proferida acompanhou integralmente a tese da ora Recorrente.
75. Dos citados arestos - proferidos já depois de introduzidas as alterações nos preceitos relevantes do CCP -, resulta evidente que merece acolhimento a tese da ora Recorrente no sentido de não ser obrigatória a realização da audiência prévia do adjudicatário para efeitos de determinar a caducidade da adjudicação.
76. Em todo o caso, por estarem reunidos todos os pressupostos para o efeito, sempre seria de atender à doutrina dominante nesse Venerando Supremo Tribunal, e que se acha vertida, entre muitos outros, no Acórdão de 02.06.2005, Proc. N.° 01998/03 (in www.dgsi.pt), nos seguintes termos: "O juiz pode recusar efeitos invalidantes à preterição da audiência dos interessados, se o acto administrativo em causa tiver sido praticado no exercício de poderes estritamente vinculados e, for de reconhecer, num juízo de prognose póstuma, que só poderia ter aquele conteúdo."
77. No acórdão aqui sob recurso, afirma-se constantemente que a Recorrente deveria ter concedido um prazo suplementar "razoável" ao adjudicatário para que este suprisse as irregularidades detectadas no aludido documento de habilitação: o relatório de segurança, parte integrante do documento de conformidade elaborado pelo auditor de segurança.
78. Ora, com o devido respeito, parece-nos que existe aqui um erro evidente ao qualificar-se as desconformidades existentes na plataforma electrónica como meras "irregularidades", nas palavras do acórdão recorrido "veniais ou pouco graves".
79. Na verdade, o documento apresentado não apresentava qualquer irregularidade, sendo plenamente válido e eficaz, por ter sido emitido ao abrigo da lei aplicável, a Portaria n.° 701-G/2008, e pela entidade legalmente habilitada para o efeito: o auditor de segurança.
80. A questão é que esse documento - que não continha qualquer irregularidade - não atestava, conforme exigia a dita Portaria (cfr. artº. 36°) e os arts. 30 e 15.° do PC, que a plataforma da aqui Recorrida estava conforme as normas daquela Portaria, ou seja, tratava-se de um vício, não de forma, mas de substância!
81. Com efeito, segundo o relatório de segurança elaborado pelo respectivo auditor externo, a plataforma electrónica apresentada a Concurso não reunia os requisitos fixados na lei que permitiam à Recorrida aceder à actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas, não preenchendo, portanto, os requisitos de admissão e selecção no procedimento em causa.
82. Em todo o caso, saliente-se uma vez mais que, no momento em que entregou o referido documento de habilitação à Recorrente, a Recorrida não justificou, desde logo, como se lhe impunha, a razão pela qual apresentava um documento de habilitação que, notoriamente, não atestava aquilo que era exigido, quer no Programa de Concurso, quer na própria lei.
83. Admitindo que era possível corrigir as desconformidades detectadas dentro de um prazo razoável - já vimos que assim não era, uma vez que a plataforma só veio a estar conforme as normas da Portaria em 27.07.2009 - cabia à Recorrida invocar as razões justificativas para o evidente incumprimento das normas do PC, para que, a ser legalmente admissível - situação que se nos oferece muitas dúvidas -, a Recorrente pudesse ponderar se os motivos invocados eram ou não imputáveis à Recorrida, por forma a conceder-lhe um prazo adicional para entregar o documento de conformidade "em falta", sob pena de caducidade da adjudicação!
84. Temos efectivamente muitas dúvidas que esta solução seja legalmente admissível, porquanto o que estava em causa era apresentar um documento de conformidade "novo" que viesse a atestar - ainda que tardiamente - a conformidade da plataforma electrónica com as normas da Portaria (estamos em crer que esta solução poderia brigar com: os restantes adjudicatários que cumpriram, tempestivamente, a mencionada exigência, como atestam alguns dos documentos de conformidade apresentados no âmbito do presente Concurso, mencionados, aliás, nos actos impugnados).
85. Ademais, no Acórdão do STA de 21.05.2003, Proc. 0735/03 (in www.dgsi.pt), proferido à luz de diplomas revogados pelo CCP, mas cuja doutrina se afigura pertinente para o caso dos autos, foi decidido que "Estando em causa um requisito substancial de admissibilidade ao concurso e não estando legalmente prevista a possibilidade de suprir posteriormente o seu não preenchimento, não podia a CA autorizar tal correcção na fase de qualificação dos concorrentes, sob pena de subverter as regras do concurso a que se auto vinculou."
86. Em suma: à luz do disposto no art. 86.° do CCP (redacção originária) a caducidade da adjudicação só não será "inexorável" se o adjudicatário invocar desde logo, com a apresentação dos documentos de habilitação ou da sua junção em língua portuguesa ou acompanhados de tradução devidamente legalizada, os factos que justificando essa apresentação tardia, demonstrem que a mesma não lhe foi imputável - valendo aqui a lógica subjacente à do justo impedimento - por forma a habilitar o órgão competente para a decisão de contratar a aferir da imputabilidade ou não do facto invocado e, julgando válidas as razões invocadas, conceder-lhe, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta.
87. É este, pois, o sentido que temos como melhor interpretação da lei aplicada no caso concreto e que não foi acolhido no acórdão recorrido, o qual, por essa razão, deve ser revogado.
88. Afirma-se ainda no acórdão recorrido que a 'solução da audiência prévia" também se impunha em face dos princípios especialmente" aplicáveis à contratação pública: "os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência'.
89. A propósito da importância do princípio da concorrência no domínio da actividade contratual pública, a Recorrente, concordando em tese com algumas das afirmações vertidas no acórdão recorrido, entende que os invocados princípios não permitem à Recorrente adoptar uma decisão em sentido diferente da que foi tomada no caso concreto, porquanto a Recorrente estava auto-vinculada pelas normas que fixou no Programa de Concurso e deve obediência, prima fade, ao princípio da legalidade.
90. Salienta-se, a este respeito, o próprio carácter vinculante das normas das peças do procedimento, conforme se pode ver, entre muitos outros, espelhado no Acórdão do STA de 09.10.2008, de 0428/08 (in www.dgsi.pt), do qual resulta a seguinte doutrina: "Como é sabido os programas dos concursos públicos, incluindo os respectivos anexos (...) com vista à celebração de contratos pela Administração (...), e bem assim os cadernos de encargos, no âmbito que a lei lhes confere, destinam-se a definir os termos a que obedece o respectivo processo, constituindo verdadeiros regulamentos administrativos; neles se inscrevendo obrigatoriamente os critérios e factores de apreciação das propostas para adjudicação, auto vinculando-se a Administração ao seu cumprimento, passando tal regulação, para além do regime legal aplicável (com destaque, no caso, para o que decorre do regime do Dec. Lei 197/99, de 8 de Junho, para que expressamente remete o Programa, e para os princípios gerais que regem a actividade administrativa), a integrar o bloco de legalidade a que deve observância, estando a autoridade adjudicante obrigada a decidir com base na conjugação dos critérios, factores, sub factores e parâmetros neles enunciados (vinculação positiva), e a não considerar quaisquer outros (vinculação negativa)"- negrito nosso.
91. Assim, sendo certo que a actividade da Recorrente no âmbito do Sistema Nacional de Compras Públicas é norteada pelos princípios "da igualdade de acesso dos interessados aos procedimentos de formação de acordos quadros ou outros contratos públicos; e da promoção da concorrência e da diversidade de fornecedores", indiscutível é também que essa actividade se encontra adstrita à observância do princípio da legalidade.
92. Aliás, isso mesmo é expressamente afirmado pelo legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 37/2007, de 19 de Fevereiro, que criou a ora Recorrente, conforme a seguir se evidencia:
"Não se pretende, todavia, proceder através do presente decreto-lei à transposição da referida Directiva n.° 2004/18/CE, nem regular nenhum aspecto relativo à matéria da contratação pública, devendo a A... observar as regras legais em vigor em cada momento, nesse domínio." Foi exactamente isso que verificou no caso vertente.
93. Com efeito, as exigências constantes do Programa de Concurso e do Caderno de Encargos eram iguais para todos os concorrentes, tendo havido relativamente a todos uma igualdade de tratamento.
94. Importa sublinhar que os actos impugnados e, sobretudo, o procedimento adoptado pela Recorrente foram adequados às exigências de promoção da concorrência e da diversidade de fornecedores, consagrada nos princípios orientadores do SNCP, definidos no art. 4.° do Decreto-Lei n.° 37/2007, de 19 de Fevereiro.
95. Convêm, no entanto, não esquecer que a Recorrente, como qualquer entidade pública, está sujeita, primeiramente, ao princípio da legalidade (como, aliás, se refere no preâmbulo do DL 37/2007), e, no caso vertente, a um bloco de legalidade específico constituído, sobretudo, pelo PC, pelo CE e também pelo CCP.
96. Serve isto para dizer que a prossecução das aludidas atribuições da Recorrente não pode ser conseguida a qualquer custo, nomeadamente violando o disposto nas peças do procedimento e no CCP, normas às quais a Recorrente se auto vinculou.
97. Este é também o entendimento firmado na jurisprudência desse Venerando Supremo Tribunal, destacando-se, para o efeito, o Acórdão de 28.05.2003, Proc. N.° 0132/03 (in www.dgsi.pt) - proferido no âmbito de um concurso público para fornecimento de bens - onde se concluiu o seguinte: "A prossecução do interesse público pela Administração, que tem de ser levada a cabo no âmbito da legalidade, não pode justificar que seja adjudicado contrato a concorrente que apresentou preços muito baixos que outro, mas cuja proposta não satisfaz os requisitos exigidos pelo programa do concurso e pelo caderno de encargos." - negrito nosso.
98. Em todo o caso, a Recorrente entende que, no presente Concurso, cumpriu escrupulosamente as suas atribuições, porquanto, nos moldes em que o procedimento foi gizado, garantiu a "promoção da concorrência e da diversidade de fornecedores", no "estreito cumprimento da legalidade".
99. Note-se que o facto de ter sido determinada a caducidade da adjudicação à ora Recorrida em nada belisca os apontados objectivos e atribuições legais da Recorrente, na medida em que essa caducidade é uma consequência lógica das falhas unicamente imputáveis à plataforma electrónica da Recorrida e decorre da normal tramitação do procedimento, sendo por isso um resultado expectável e, portanto, legalmente admissível.
100. Importa é reter que, in casu, a concorrência foi bem promovida com o presente Concurso, visto admitir-se a selecção - sem limite - de todos os concorrentes que cumprissem os requisitos previamente exigidos nas peças do procedimento, designadamente o disposto nos arts. 3°, al. c), e 15.º, al. b), do PC.
101. Pese embora ser essa a intenção da Recorrente, o certo é que não podem ser relegados para um plano secundário os critérios definidos somente para se atingir um "número ideal" de concorrentes seleccionados.
102. O procedimento pré-contratual utilizado foi o concurso público, sobejamente conhecido pelo tipo de procedimento de formação de contratos que mais promove a concorrência, porquanto permite o mais amplo acesso por parte dos interessados em contratar e a consulta do maior número possível de interessados, salvaguardando-se, dessa forma, o regular funcionamento do mercado e a melhor prossecução do interesse público que preside ao contrato, pois quanto maior for a concorrência melhores serão, teoricamente, as condições contratuais para a Administração Pública. Assim, no que respeita ao universo subjectivo abrangido é o procedimento típico mais aberto.
103. Deste modo, não se vislumbra como poderiam os aludidos princípios norteadores da contratação pública ter permitido à Recorrente adoptar uma decisão em sentido diferente da que foi tomada no caso concreto, porquanto, como se frisou e agora repete, a Recorrente estava auto-vinculada pelas normas que fixou no Programa de Concurso e deve obediência, prima face, ao princípio da legalidade.
104. Conclui-se, contudo, no acórdão recorrido que, em abono dos referidos princípios, se deveria ter realizado a audiência prévia, bem como deveria ter sido dada oportunidade à Recorrida para, em prazo razoável, poder suprir as irregularidades detectadas na plataforma electrónica apresentada em Concurso.
105. Refere-se, a este propósito, no acórdão recorrido que a Recorrente deveria ter concedido o prazo de 30 dias fixado no artº. 38°, n.° 3, da Portaria n.° 701-G/2008, para a Recorrida suprir as ditas "irregularidades".
106. Pese embora se reconhecer no acórdão recorrido que "o prazo de 30 dias - "visa o relatório anual de segurança, o que se confirma pelos números seguintes do mesmo artigo", e não o relatório de segurança, é, ainda assim, firmada a seguinte conclusão: "O que não significa que esse prazo não devesse ser aplicado analogicamente, na medida em que não faz sentido que se conceda tal prazo para supressão de não conformidades na fase de exploração da plataforma (quando os inconvenientes são evidentes), e negá-lo na fase em que a plataforma ainda não está em funcionamento."
107. Ora, também aqui a Recorrente entende, com o devido respeito, que o acórdão recorrido não faz correcta interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.
108. Primeiro, porque para haver uma aplicação analógica do referido prazo à situação dos autos teria de se considerar que existe uma lacuna na lei.
109. Com efeito, nos termos do artº 10°, n.° 1, do Código Civil, o recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito da lei.
110. Contrariamente, se o legislador apenas pretendeu abranger as situações nela expressamente previstas, com exclusão de todas as outras, a analogia não pode funcionar porque ela consiste em regulamentar novos casos pela forma como presumivelmente o legislador os teria regulado se os tivesse previsto.
111. Ora, a este propósito nada se diz, nem nada se provou, no acórdão recorrido. Isto porque, em bom rigor, não existe nenhuma omissão legislativa.
112. Com efeito, o legislador previu no CCP a realização da audiência prévia, quer durante a fase de formação dos contratos, quer durante a fase de execução dos contratos, não o tendo feito, propositadamente (assim deve presumir-se, nos termos do art. 9°, n.° 3, do Código Civil), na fase da habilitação dos adjudicatários (cfr. arts. 81.° a 87.° do CCP), e, por outro lado, o legislador formulou na Portaria n.° 701-G/2008, 29 de Julho, a regulamentação aplicável às entidades gestoras de plataformas electrónicas em termos suficientemente precisos, rigorosos e restritivos (cfr. arts. 36.° e segs.), definindo ainda com exactidão todos os requisitos e condições a que deve obedecer a utilização de plataformas electrónicas pelas entidades adjudicantes, na fase de formação dos contratos públicos, bem como as regras de funcionamento daquelas plataformas.
113. Segundo, o referido prazo de 30 dias concedido às entidades gestoras das plataformas electrónicas para corrigirem eventuais falhas detectadas pelo auditor de segurança, e que motivem um parecer negativo ou condicionado por parte deste, só é aplicável para efeitos de manutenção na actividade em apreço, aquando da elaboração do relatório anual de segurança (cfr. art. 37.° da Portaria) e não para efeitos de acesso a esta, momento em que deve ser emitido o documento de conformidade (art. 36,° do mesmo diploma e exigido no presente Concurso).
114. A este entendimento não obsta o facto de ambos os relatórios de segurança (o de acesso a actividade, previsto no 36°, e o de manutenção na actividade, referido no art.° 37°) serem mencionados no n.° 1 do art. 38°, apenas para efeitos dos elementos que ambos devem, obrigatoriamente, conter.
116. É que a partir do n.° 2 do citado art. 38.° só está em causa o relatório anual de segurança, resultando, por isso, evidente que o prazo de 30 dias só é aplicável nos casos de parecer negativo ou condicionado emitido no relatório anual de segurança, sendo esta a única interpretação que se coaduna com o espírito e a letra da lei e garante a uniformidade do sistema jurídico (veja-se, neste sentido, a conclusão firmada no já aqui citado Acórdão do TCA SUL de 11.02.2010, Proc. 05531/09).
116. Na verdade, não faz sentido que quem inicie uma actividade devidamente regulamentada, como é o caso das entidades gestoras de plataformas electrónicas, não cumpra todas as regras previstas na Portaria n.° 701-G/2008, quando neste diploma existe uma norma que estabelece, expressamente, que só podem aceder ao exercício da actividade as entidades que possuam um documento do auditor de segurança que, na parte relativa ao relatório de segurança (cfr. n.° 3 do art. 36.º da Portaria), ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas da Portaria.
117. Por outro lado, também não faz sentido que uma empresa que exerça a dita actividade há mais de um ano (cumprindo, desde o início, as regras previstas na Portaria n.° 701-G/2008), não disponha de um prazo para corrigir eventuais situações de desconformidade entretanto detectadas (que podem ser motivadas por actualizações tecnológicas que impliquem alteração da lei), e que, uma vez as mesmas sanadas, não possa voltar ao exercício de uma actividade para a qual já havia adquirido a necessária habilitação legal.
118. É que, como se diz no acórdão recorrido, "na fase de exploração da plataforma [...] os inconvenientes são evidentes", porquanto se o legislador (previdente) não tivesse previsto o aludido prazo de 30 dias, isso implicaria a suspensão automática do funcionamento das plataformas electrónicas sempre que fosse detectada uma inconformidade com as normas da Portaria, com prejuízos notórios, quer para a entidade adjudicante (que já não pode lançar procedimentos em suporte de papel), quer para a entidade gestora da plataforma electrónica (que já havida sido sujeita a um controlo de conformidade exigente na fase de acesso à actividade).
119. Afigura-se-nos que estes prejuízos já não se verificam para as entidades que almejam aceder ao exercício da actividade em apreço, porquanto nessa fase inicial pode dizer-se que ainda dispõem de todo o tempo do mundo para corrigir as inconformidades detectadas, importando apenas que, quando iniciem a sua actividade, as plataformas electrónicas cumpram os requisitos legalmente exigidos e estejam conformes as normas da Portaria.
120. Em suma: não faz sentido que quem inicie uma actividade devidamente regulamentada, como é o caso das entidades gestoras de plataformas electrónicas, não cumpra todas as regras previstas na Portaria n.° 701-G/2008, quando neste diploma existe uma norma que estabelece, expressamente, que só podem aceder ao exercício da actividade as entidades que possuam um documento do auditor de segurança que, na parte relativa ao relatório de segurança (cfr. n.° 3 do art. 36.º da Portaria), ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas da Portaria.
121. Sendo distintas as situações enunciadas, não poderia ocorrer também a aplicação analógica do citado prazo de 30 dias para correcção das inconformidades detectadas numa "plataforma [que) ainda não está em funcionamento".
122. Atendendo, porém, que o regime aplicável à actividade em apreço é novo, pois entrou em vigor no dia 01.01.2009, a nenhum dos concorrentes era aplicável o regime previsto nos n.°s 2 e segs. do art. 38.° da Portaria.
123. Resulta claro do acórdão recorrido que o motivo determinante para, por um lado, o TCA SUL ter decidido revogar a douta sentença recorrida, e, por outro lado, anular os actos impugnados, condenando a Recorrente a incluir a Recorrida no Acordo Quadro (Lote 1) entretanto celebrado, foi ter considerado ser bem patente a ilegalidade dos referidos actos, por "violação do princípio da igualdade".
124. Relativamente à violação do princípio da igualdade, a Recorrente entende dever reafirmar o seguinte: na análise de todos os documentos de habilitação apresentados pelos adjudicatários, a Recorrente utilizou a mesma bitola, não tendo interpretado esses documentos por forma a beneficiar ou prejudicar qualquer uma das Concorrentes seleccionadas como co-contratante do acordo quadro.
125. E uma vez que o relatório de segurança apresentado pela Recorrida não se coadunava com o documento exigido no art. 15°, al. b), do PC, a única decisão que se impunha à Recorrente adoptar era a de considerar caducada a anterior adjudicação.
126. Conforme resulta da matéria provada nos autos, não foi só a Recorrente que ao analisar o documento de conformidade e relatório de segurança entregue pela Recorrida no Concurso concluiu que o mesmo não atestava a conformidade da plataforma electrónica com as normas da citada Portaria, porquanto o CEGER também fez essa análise documental e a sua apreciação coincidiu integralmente com a da Recorrida, inclusive no que respeita à Concorrente n.° 4 E... (cfr. al. cc) dos factos dados como assentes).
127. Com efeito, a Recorrente limitou-se, apenas, a aplicar às conclusões evidenciadas nos relatórios de segurança o estatuído na lei (Programa do Concurso, a Portaria e o CCP). E, ao contrário do entendimento perfilhado no acórdão recorrido, a mais não estava obrigada a Recorrente.
128. Conforme se demonstrou nos presentes autos, o relatório de segurança apresentado pela Recorrida patenteia várias inconformidades da plataforma electrónica, designadamente as que respeitam aos requisitos expressos nos arts 29°, 30°, 34° e 35°", todos da Portaria.
129. Ora, o documento de conformidade e relatório de segurança da Concorrente n.° 4, E..., atesta a conformidade da respectiva plataforma com as normas da Portaria, considerando que a mesma cumpre as disposições deste diploma, nos seguintes termos: "o auditor de segurança confirma que a plataforma electrónica encontra-se em conformidade com as normas da Portaria 701-G/2008 (...)." Daqui só se pode concluir que a Recorrente aplicou a lei de forma isenta, objectiva e criteriosa.
130. É certo que os autos evidenciam que, muitos meses mais tarde, o CEGER vem dizer que ambas as plataformas electrónicas padecem de desconformidades, contudo não é menos certo que, no momento em que foram apresentados a Concurso, os termos utilizados nos relatórios são bem distintos e de num momento quase coevo à da habilitação dos concorrentes o CEGER ter retirado desses documentos as mesmas conclusões que deles retirou a ora Recorrente.
131. Em qualquer caso, face ao bloco de legalidade aplicável ao Concurso, a aqui Recorrida só podia contar com a caducidade da adjudicação efectuada às suas propostas, uma vez que dentro do prazo legalmente fixado para o efeito não apresentou um relatório de segurança que atestasse a conformidade da sua plataforma electrónica com as normas da Portaria.
132. Saliente-se, novamente, que as normas concursais vinculam não só os concorrentes mas também as entidades adjudicantes, tal como tem sido entendido pela jurisprudência (veja-se, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.01.2007, Proc. N.° 2205/09, in www.dgsi.pt).
133. Assim, a Recorrente estava vinculada a aplicar as normas que regem o concurso, pelo que outra decisão não poderia vir a ser tomada que não fosse a de considerar caducada adjudicação efectuada à Recorrida.
134. Daí que não se possa concordar com a seguinte afirmação do acórdão recorrido "independentemente de se saber se estamos ou não perante uma actuação vinculada da recorrida, é manifesto que houve violação do princípio da igualdade".
135. Ë que importava, e importa, apurar se a obrigação de considerar a adjudicação caducada constitui ou não o exercício de um poder vinculado (cfr. art. 86°, n.° 1, al. a), do CCP).
136. Tarefa que não foi efectuada pelo Tribunal Central Administrativo Sul no caso dos autos, o mesmo já não acontecendo no Acórdão daquele Tribunal Superior de 11.02.2010, Proc. 05531/09, que em hipótese idêntica extraiu a seguinte conclusão: "Constituindo a obrigação de considerar a adjudicação caducada o exercício de um poder vinculado (artigo 86° n° 1 al. a) do CCP), nunca assumiria relevância anulatória do acto a violação dos princípios gerais de direito, reguladores da actividade administrativa, porquanto a mesma só ocorre quando a Administração actua no exercício dos seus poderes discricionários."
137. Este é, pois, o único entendimento que deveria ter prevalecido no acórdão recorrido, porquanto, como tem sido propugnado na jurisprudência firme e reiterada de Venerando Supremo Tribunal, "ao exercitar poderes vinculados esses princípios consomem-se no princípio da legalidade" (cfr, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.10.2007, Proc. N.° 0392/07, in www.dgsi.pt).
138. Pode ainda ler-se no Acórdão do STA de 03.07.2003, Proc. N.° 048146 (in www.dgsi.pt), que "o funcionamento do princípio da igualdade pressupõe que a solução de contraste seja também legal."- negrito nosso.
139. E, mais recentemente, esse princípio vem afirmado nos Acórdãos do STA de 30.09.2009, Proc. N.° 0564/08, de 04.06.2009, Proc. N.° 0377/08 (in www.dgsi.pt).
140. Também no Tribunal recorrido é abundante a jurisprudência no sentido ora propugnado pela Recorrente (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18.09.2008, Proc. N.° 01101/05 (in www.dgsi.pt), segundo o qual: "Nos casos de actividade vinculada da Administração não releva a alegação de violação dos princípios da igualdade, imparcialidade, justiça e boa fé se a Administração tiver agido de acordo com o legalmente preceituado." Aliás, nesse aresto é invocada a tese, posta agora em causa no acórdão recorrido, de que "o princípio da igualdade não postula um «direito à igualdade na ilegalidade, pelo que a Administração não pode invocar uma prática (reiterada) ilegal para justificar a não aplicação da lei», a que acresce ainda o facto de que «nos casos de actividade vinculada da Administração não releva a alegação da violação dos princípios da igualdade, imparcialidade, justiça e boa fé se a Administração tiver agido de acordo com o legalmente preceituado, como sucedeu no caso dos autos» - negrito nosso.
141. Essa conclusão, com a invocação do mesmo princípio - "o princípio da igualdade não postula um direito à igualdade na ilegalidade" - vem firmada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.06.2008, Proc. N.° 12192/03 (in www.dgsi.pt), a saber: "Os princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça não impõem à Administração o dever de ampliar os efeitos de um acto ilegal, a fim de beneficiar outros funcionários colocados em situação idêntica à dos destinatários desse acto." - negrito nosso.
142. Decorre ainda o seguinte do referido aresto: "não seria por isso que também os RR deveriam ser admitidos, ampliando os efeitos da ilegalidade que os próprios RR invocam: nunca um acto ilegal poderia servir para conferir direitos assentes na própria ilegalidade, não havendo, como tem reafirmado a jurisprudência, direito à igualdade na ilegalidade." - negrito nosso.
143. Esta tese, reiterada e pacífica, também encontra ecos no Tribunal Central Administrativo Norte. Veja-se, por exemplo, o Acórdão daquele Tribunal Superior de 15.01.2009, Proc. N.° 00778/02 (in www.dgsi.pt), em que se afirma peremptoriamente: "O princípio da igualdade pressupõe igualdade de circunstâncias fácticas e de implicações jurídicas aplicáveis aos diversos concorrentes, sendo certo, ainda, que tal princípio apenas funciona num contexto de legalidade, não existindo direito à igualdade na ilegalidade." - negrito nosso.
144. Ademais, já no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.02.2002, Proc. N.° 040143 (in www.dgsi.pt), se pode ler o seguinte: "A invocação do princípio da igualdade não releva no âmbito da actividade legalmente vinculada da Administração. Assim, a eventual admissão de concorrentes que eventualmente não tenham cumprido a referida formalidade não determina a ilegalidade, por violação desse princípio, da decisão de não admissão de outro concorrente, com base no incumprimento dessa mesma formalidade." - negrito nosso.
145. Face ao teor dos arestos citados, e do entendimento firmado na abundante jurisprudência dos Tribunais Superiores, a Recorrente não compreende como o acórdão recorrido decidiu, com base na violação do princípio da igualdade, anular os actos impugnados e condenar a Recorrente a admitir a Recorrida no Acordo Quadro, quando não só era evidente que a Recorrente actuou no âmbito de uma actividade legalmente vinculada (PC, CCP e Portaria), como também estava documentalmente comprovado nos autos que "a vinculação impunha a caducidade da adjudicação da [recorrida]'
146. Sendo também seguro que, a ter existido erro na avaliação do relatório de conformidade da concorrente E... - o que não temos como certo, face às razões anteriormente invocadas -, é verdade que "a mesma solução deveria ter sido aplicada à E..." (hipótese que se admite, sem contudo conceder).
147. Mas, sendo assim, não se compreende como no acórdão recorrido se pode fazer uma inversão total de sentido a ponto de condenar a ora Recorrente a repetir a pretensa "ilegalidade", incluindo a Recorrida no Acordo Quadro, quando, no momento indicado, não atestou a conformidade da sua plataforma electrónica com as normas da Portaria!
148. Salvo o devido respeito, entendemos que, com a decisão vertida no acórdão recorrido, o Tribunal a quo acaba também por tratar de modo diferente situações iguais, privilegiando, sem qualquer fundamento válido para tal, a ora Recorrida face aos restantes Concorrentes que, dentro do prazo legalmente fixado, e perante o mesmo regime jurídico, apresentaram correctamente os documentos de conformidade (com relatórios de segurança a atestar o cumprimento das normas da Portaria), cumprindo assim o que lhes era exigido no presente Concurso e, sobretudo, nas apontadas normas do PC, do CCP e da Portaria n.° 701-G/2008.
149. Neste caso, entendemos que a decisão recorrida encerra um grave erro na aplicação do direito a justificar por isso a intervenção desse Venerando Tribunal Superior, que, por conseguinte, deverá anular o acórdão recorrido.
150. Com efeito, propugnamos, em sentido coincidente com a jurisprudência reiterada e pacífica dos Tribunais Superiores, que o princípio da igualdade não pode ser invocado para justificar uma decisão quando a decisão igual que se quer aplicada é alegadamente ilegal.
151. A terminar, sublinhe-se que a Recorrente actuou, sem margem para dúvidas, ao abrigo de poderes vinculados. Na verdade, um poder é vinculado quando o seu exercício está regulado na lei.
152. Por seu turno, o poder já será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere (Vejam-se, no mesmo sentido, os Acórdãos do STA de 7/2/2001 - Rec. 44852 - e de 11/5/2005 - Rec. N.° 01400/04).
153. No caso dos autos - como se refere, quer na sentença do TAF de Sintra, quer no acórdão do TCA SUL de 11.02.2010, Proc. 05531/09 (em situação totalmente idêntica à dos presentes autos) -, a Recorrente 'agiu no domínio de poderes vinculados", logo, nunca assumiria relevância anulatória do acto a violação dos princípios gerais de direito, reguladores da actividade administrativa, porquanto a mesma só ocorre quando a Administração actua no exercício dos seus poderes discricionários.
154. Neste contexto, tem-se entendido (maxime nos acórdãos do Tribunal Constitucional que não pode haver igualdade na ilegalidade, isto é, o administrado não tem o direito de reclamar para si tratamento idêntico ao que a Administração teve para com outro particular, se sabe que esse procedimento é ilegal. Isso levaria à intolerável reedição de ilegalidades, supostamente a coberto do princípio da igualdade. Semelhante concepção deste princípio levaria à subversão do princípio da legalidade, trave mestra de toda a actuação administrativa e do próprio Estado de Direito [cf., entre muitos, os Acórdãos do S.T.A. de 29/11/2005 (Processo n.° 0509/05), de 9/10/02 (Processo n.° 443/02), de 6/11/01 (Processo n.° 47.833) e de 17/11/04 (Processo n.° 1316/03)].
155. Foi isso que se fez no acórdão recorrido, que, pelos motivos apontados, não pode manter-se na ordem jurídica.
156. Assim, a solução das questões enunciadas nos presentes autos, que carecem de análise e clarificação desse Venerando Supremo Tribunal, devem ser resolvidas, no entender da Recorrente, com base nas seguintes premissas:
- O documento de habilitação a exigir no programa de procedimento às entidades gestoras de plataformas electrónicas é o documento de conformidade, elaborado por auditor de segurança, que contém um relatório de segurança que ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas da Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho, como decorre, aliás, do n.° 3 do art. 4º dessa Portaria.
- A al. b) do art. 15.º do Programa do Concurso (PC) mais não estipula do que a exigência que já decorre do disposto no art. 36.° n.° 2 da Portaria n.° 701-G/2008, o qual impõe o preenchimento, obrigatório, de determinados requisitos e condições para o acesso à actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas, precisamente para assegurar que todos os actos que a lei manda sejam feitos em plataforma electrónica e deste modo serem válida e regularmente praticados por essa via de desmaterialização.
- A exigência contida na norma em questão - art. 36.° n.° 2 - é essencial ao presente concurso na medida em que o objecto do mesmo consiste na prestação de serviços que passaram a ser de uso legalmente obrigatório, após o termo do período transitório de um ano fixado no n.° 1 do art. 9.° do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos (CCP).
- Resulta do art. 81.° n.° 6 do CCP que, independentemente do objecto do contrato a celebrar, o adjudicatário deve apresentar os documentos de habilitação mencionados no n.° 1 do referido art. 81°, bem como todos aqueles que lhe sejam exigidos no programa do procedimento para comprovar a titularidade das habilitações legalmente exigidas, nomeadamente, para a prestação dos serviços em causa.
- A circunstância do PC não estabelecer qualquer consequência para a não apresentação dos referidos documentos de habilitação, não significa que ela não exista - no caso a caducidade da adjudicação - e que não seja necessário um acto administrativo do órgão competente para a decisão a contratar, a determinar a caducidade da adjudicação relativamente aos adjudicatários que não tenham apresentado os respectivos documentos de habilitação.
- Tal resulta, desde logo, por força do disposto no art. 86.° (não apresentação dos documentos de habilitação), n.° 1 al. a) do CCP (na redacção originária), segundo o qual "a adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação: No prazo fixado no programa do procedimento".
- O prazo de 30 dias concedido às entidades gestoras das plataformas electrónicas para corrigirem eventuais falhas detectadas pelo auditor de segurança, e que motivem um parecer negativo ou condicionado por parte deste, só é aplicável para efeitos de manutenção na actividade em apreço, aquando da elaboração do relatório anual de segurança (cfr. artº. 37.° da citada Portaria) e não para efeitos de acesso a esta, momento em que deve ser emitido o documento de conformidade (artº. 36° da citada Portaria e exigido no presente concurso).
- Ao contrário da fase de avaliação de propostas, em que é reconhecido aos concorrentes a audiência dos interessados, na fase de habilitação dos adjudicatários essa audiência não foi consagrada pelo legislador (cfr. arts. 81.° a 87.° do CCP), não havendo por isso lugar à mesma nesta última fase do procedimento.
Assim, tratando-se de um procedimento especial, não era aplicável ao caso sub judicie o art.º 100° do CPA.
- Constituindo a obrigação de considerar a adjudicação caducada o exercício de um poder vinculado (cfr. art.º. 86°, n.° 1, al. a) do CCP), nunca assumiria relevância anulatória do acto a violação dos princípios gerais de direito, reguladores da actividade administrativa, porquanto a mesma só ocorre quando a Administração actua no exercício dos seus poderes discricionários.
157. Face a tudo o que antecede, e por serem plenamente válidos os actos impugnados, deve ser revogado o douto acórdão recorrido, por outro que defina o direito ao caso vertente, tendo por base o sentido fixado nas premissas acima enunciadas. NESTES TERMOS, Deve ser admitido o presente recurso de revista, e, consequentemente, ser julgado procedente o seu mérito, revogando-se o douto acórdão recorrido do TCA SUL de 04.02.2010, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.


A autora, ora recorrida, B... SA, contra-alegou vindo a formular as seguintes conclusões:
1. A Recorrida apresenta as suas contra-alegações na sequência do recurso de revista interposto do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) de 04.02.2010, Proc. N.° 05832/10 (doravante o "Douto Acórdão Recorrido"), que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela aqui Recorrida, revogou a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra), de 19.10.2009, de fls. dos autos, proferida no processo de contencioso pré-contratual que ali correu termos sob o n.° 550/09.3 BESNT.
2. Alega a Recorrente a este respeito que as questões jurídicas que supostamente carecem de apreciação por parte deste Venerando Supremo Tribunal e que pela primeira vez se colocam nesta sede, prendem-se com a interpretação e aplicação do regime previsto no art.º 86° do Código dos Contratos Públicos (CCP) (não apresentação de documentos de habilitação) e as consequências que do mesmo decorrem para os adjudicatários, conjugado com a interpretação e aplicação, designadamente dos art.º 36° e ss. da Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho (doravante Portaria), relativos aos requisitos exigidos para efeitos de acesso à (e manutenção na) actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas.
3. O art.º 150° n.° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante "CPTA") dispõe claramente que: "Das decisões proferidas pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
4. Sobre este preceito tem a jurisprudência do Venerando Supremo - Tribunal Administrativo (doravante "STA") reiteradamente sublinhado que nele se não prevê um recurso generalizado de revista - pois que das decisões do Tribunal Central Administrativo proferidas na sequência de recurso de apelação não cabe, por via de regra, revista para o STA, mas antes um recurso verdadeiramente excepcional apenas admitido em casos muito restritos.
5. O recurso de revista previsto no n.° 1, do art. 150º do CPTA que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, tem, assim, por objectivo possibilitar a intervenção do STA apenas nas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
6. Sendo esta a linha de orientação que deve ser seguida no que respeita aos conceitos legais indeterminados de "relevância jurídica ou social" "importância fundamental" e melhor aplicação do direito", tem a mesma douta jurisprudência avançado na concretização daquele critério dizendo, pelo que respeita às duas primeiras categorias, ser necessário defrontar-nos aí com interesses de relevo comunitário particularmente elevado ou com operações jurídicas de grande complexidade carecidas de clarificação jurisdicional superior e susceptíveis de ressurgir em casos futuros.
7. Ora, in casu não se verificam tais situações desde logo porque o Decreto-Lei n.° 278/2009 de 2 de Outubro, tal como foi aliás evidenciado no Douto Acórdão Recorrido já resolveu qualquer dúvida de interpretação suscitada pelas normas acima identificadas.
8. De acordo com a redacção actualmente em vigor do CCP não resta qualquer dúvida quanto ao facto de (i) o órgão competente para a decisão (neste caso a Recorrente), (ii) ter o dever de notificar o adjudicatário (iii) fixando-lhe um prazo (iv) para se pronunciar, (v) por escrito, (vi) ao abrigo do direito de audiência prévia (vii) com vista à supressão de irregularidades detectadas nos documentos apresentados que possam levar a caducidade da adjudicação nos termos do disposto no artigo 86.°.
9. Ao que acresce o facto de se verificar o acima descrito para efeitos de acesso e não apenas de manutenção na actividade de entidade gestora de plataformas electrónicas como Recorrente pretendeu fazer crer a este Venerando Supremo Tribunal.
10. Logo as questões supra mencionadas para além de não apresentarem qualquer relevância do ponto de vista jurídico e social também não necessitam de melhor aplicação do direito ou esclarecimento jurídico com o intuito - de haver uma uniformização de direito.
11. De facto, a lei nova resolveu e esclareceu todas as dúvidas existentes relativamente à interpretação das normas em causa, pelo que não surgirão situações idênticas a estas no futuro situações às quais já será aplicada a nova lei e a clara interpretação que resulta da mesma.
12. Acresce que, a redacção original do art. 86° do CCP que a Recorrente reputa de controvertida esteve em vigor durante apenas cerca de um ano, não tendo a Recorrente alegado casos concretos que justifiquem a atribuição - da pretendida relevância jurídica e social desta controvérsia.
13. A Recorrente alega a existência de apenas 2 outros casos concretos (para além do dos presentes autos) em que a interpretação da já defunta versão inicial do art.º 86° do CCP tenha suscitado uma decisão contraditória por parte de um dos nossos Venerandos Tribunais Superiores, mas esquece-se de dizer que tais Acórdãos foram proferidos em sede de providência cautelar (que tem os seus requisitos específicos) e não da causa principal como é o caso dos presentes autos.
14. De qualquer modo, ainda que se considerasse, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, a possibilidade de verificação de casos semelhantes a este, no futuro, ao abrigo da mesma legislação, sempre teria de ser afastada a hipótese de se recorrer à revista uma vez que nada mais se trata do que de meras divergências de interpretação e aplicação de normas jurídicas que são perfeitamente plausíveis quando estamos perante decisões de duas instâncias diferentes, que por sinal se coadunam com a intenção tida pelo legislador ao estabelecer um segundo grau de jurisdição.
15. Deste modo, não haverá necessidade e utilidade em recorrer-se à apreciação feita por este Venerando Supremo Tribunal para solucionar questões que o próprio legislador já resolveu e que não deverão voltar a repetir-se.
16. É por outro lado, falaciosa a invocação por parte da Recorrente do argumento de que, a partir de 30 de Julho de 2009, as compras públicas terem de passar a ser efectuadas obrigatoriamente, através dos meios electrónicos para justificar a existência de um alegado prejuízo para o interesse público caso as mesmas não fossem realizadas nos termos por esta descritos.
17. Se de facto o interesse público impusesse que, a partir de 30 de Julho de 2009, as compras públicas passassem a ser efectuadas, obrigatoriamente, através dos meios electrónicos, não se compreenderia então porque razão foi publicado em Diário da República o Decreto-Lei n.° 223/2009 que alterou o Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos, prorrogando até 31 de Outubro de 2009 a possibilidade de os documentos que constituem a proposta ou a candidatura poderem ser apresentados em suporte papel.
18. A Recorrente desesperada, limitou-se a lançar mão do último meio legal que tinha ao seu alcance para fazer valer as suas pretensões, tentando assim generalizar a aplicação deste tipo de recurso.
19. Contudo, a Recorrente deveria ter conhecimento que o carácter meramente controvertido das decisões proferidas não sustenta, só por si, a revista, afigurando-se apenas um resultado que o legislador conscientemente aceitou ao estabelecer a regra geral de dois graus de jurisdição.
20. Na verdade, as questões colocadas pela Recorrente, bem como a interpretação das normas acima mencionadas não revestem particular dificuldade ao nível das operações lógico-jurídicas necessárias à sua resolução apenas se enquadrando dentro dos parâmetros normais das controvérsias judiciárias, resolvendo-se através da aplicação de normas e princípios jurídicos que não originam qualquer dificuldade interpretativa fora do comum.
21. Mais as questões relacionadas com a interpretação e aplicação das normas em questão não enfermam de erro grosseiro, antes se inserindo o decidido no Douto Acórdão Recorrido no espectro das soluções jurídicas plausíveis para as questões sobre que se debruçou, pelo que afastada fica a hipótese de fazer ancorar a revista numa eventual necessidade de melhor aplicação do direito.
22. Logo, de acordo com a mencionada jurisprudência, não é de admitir a revista se não se verificarem situações de particular relevância jurídica, bem como se a decisão proferida no ICA não criar grave injustiça ou se revelar uma corrente interpretativa do direito que se mostre manifestamente errónea e necessite de rectificação para uma melhor aplicação do direito (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Proc.° n.° 01139/09 de 09.12.2009).
23. Não faz assim, sentido discutir algo que já foi resolvido através da entrada em vigor de uma nova lei (Decreto-Lei n.° 278/2009, de 2 de Outubro) muito menos existindo necessidade de haver qualquer apreciação por parte deste Venerando Supremo Tribunal que só deverá pronunciar-se relativamente a questões excepcionais e de manifesta relevância comunitária; jurídica e que se possam vir a repercutir com grande probabilidade noutros casos futuros o que será impossível, ou muito pouco provável que venha a acontecer.
24. Assim e ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, que o recurso excepcional de revista não é de molde a aplicar-se ao caso subjacente, nem é necessário para que o direito ou interesse da Recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional, porque para tal fim existem os demais recursos ditos ordinários.
25. Deste modo, e em face do que se antecede, indubitavelmente ficou demonstrada a irrelevância das questões suscitadas pela Recorrente perante este Venerando Supremo Tribunal, revelando-se a revista totalmente inadmissível.
26. Sem conceder, a Recorrente entende que o Acórdão recorrido encerra errada aplicação do direito no caso vertente, fazendo incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art. 86° do CCP (na sua versão originária), nos art.s 36° e segs. da Portaria n.º 701-G/2008 bem como na als. c) do art.º 3° e b) do art.º 15° do Programa do Concurso.
27. Resulta da lei que quer o relatório e segurança para início de actividade quer o relatório anual do segurança devem conter obrigatoriamente os elementos indicados nas alíneas a) a n) do n.° 1 do art. 38° da Portaria.
28. Mais ainda, do teor dos vários números do art. 38° da Portaria em apreço depreende-se quais os que se aplicam a apenas um dos relatórios e a contrário aqueles que se aplicam a ambos os relatórios.
29. Assim sendo, o n.° 3 do art. 38° da mencionada Portaria contém regras que são aplicáveis a ambos os relatórios, constando da previsão do n.° 3 do art. 38° da mencionada Portaria, a propósito dos relatórios de Segurança (quer o inicial quer o anual) que, "caso o auditor externo emita parecer negativo ou condicionado deverá a entidade gestora das plataformas no prazo de 30 dias, corrigir as situações detectadas".
30. Na senda do supra mencionado torna-se evidente que se o auditor de segurança emitir um parecer condicionado ou negativo tal facto não determina a caducidade automática da adjudicação feita, muito menos se poderá retirar tal conclusão quando do relatório consta um parecer positivo, onde apenas são indicadas meras vicissitudes, como in casu.
31. Com efeito resulta evidente do referido preceito legal que a Recorrente não poderia ter deliberado a caducidade da adjudicação feita a Recorrida, sem que primeiro tivesse decorrido o prazo de 30 dias como muito bem se decidiu no Douto Acórdão Recorrido.
32. Acresce que, no dia 09.06.2009 o CEGER, entidade supervisora da conformidade ou não das plataformas electrónicas emitiu um parecer, que vem clarificar e reafirmar precisamente o entendimento supra explanado, não só no que respeita à interpretação do art. 38, n.° 3, como também no que concerne ao facto de também atestar a conformidade da referida plataforma.
33. Com efeito, o CEGER veio confirmar que o relatório do auditor de segurança atestava a conformidade da plataforma da Recorrida, tendo afirmado que existem algumas não conformidades na plataforma electrónica, embora as mesmas não tenham impedido a referida entidade de atestar a sua conformidade com as normas da referida Portaria.
34. Assim sendo, e mais uma vez a Recorrente não podia ter deliberado a caducidade da adjudicação efectuada a Recorrida sem ter concedido um prazo de 30 dias para a remoção de desconformidades, sendo então coincidente a interpretação do CEGER com aquela que a Recorrida faz do art. 38°, n.° 3 da Portaria 701-G/2008.
35. E mesmo que se entendesse que o art. 38°, n.° 3 da Portaria em questão visasse apenas o relatório anual de segurança o que por mera cautela de patrocínio se concebe, nada significa que não fosse dado o mesmo prazo para a supressão de não conformidades.
36. Nesse caso e não só porque o CEGER partilha do mesmo entendimento, considera a Recorrida que o art. 38°, n.° 3 da Portaria acima identificada deveria ter sido aplicado analogicamente, uma vez que não faz sentido que se conceda tal prazo para supressão de não conformidades na fase de exploração da plataforma (quando os inconvenientes são evidentes) e não na fase em que a plataforma ainda não se encontra em funcionamento tal como bem se decidiu no Douto Acórdão Recorrido.
37. Tanto assim o é, que posteriormente o art. 86° do CCP foi alterado no sentido de ser concedido um prazo para se proceder à correcção de irregularidades detectadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação.
38. Alteração essa pertinente, porquanto a interpretação da lei que vinha sido feita, bem como a sua ratio legis assim o impunham.
39. Houve, assim um claro intuito de modificar o CCP, de modo a que houvesse maior respeito pelos direitos dos particulares, que ficasse claramente esclarecida a intenção do legislador e finalmente se desse cumprimento à interpretação já resultante da ratio legis. -
40. O próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.° 278/2009, de 2 de Outubro, que procedeu à alteração do CCP diz muito claramente que;
(...) O acompanhamento efectuado permitiu, sem prejuízo de uma intervenção posterior noutras matérias, identificar os bloqueios cuja superação é tanto mais urgente quanto a própria actividade científica em Portugal atingiu recentemente níveis de desenvolvimento e relevância que justificam tal intervenção.
No âmbito da actividade desenvolvida pela Comissão de Acompanhamento do Código dos Contratos Públicos introduzem-se, desde já, outras alterações no Código com vista a clarificar o respectivo conteúdo e a corrigir lapsos entretanto verificados, sem prejuízo das que venham a resultar dos trabalhos daquela Comissão. (o sublinhado é nosso).
41. E, de facto, a lei nova veio precisamente evitar que se defendesse uma posição contrária à pugnada da Recorrente, ou seja, que não fosse dado ao adjudicatário um prazo para suprir as irregularidades quando tal se justificasse.
42. Mais se acrescenta que mesmo que não tivesse ocorrido nenhuma alteração legislativa neste sentido, o mesmo já resultava tanto do espírito da lei como dos princípios gerais, nomeadamente do princípio da audiência prévia, da igualdade, da concorrência e da proporcionalidade.
43. Concorda, então, a Recorrida com o que dispõe o Douto Acórdão Recorrido: "A alteração da lei visou tornar mais clara uma solução que já resultava dos princípios gerais."; "Só assim se pode dar guarida a dois dos grandes objectivos do CCP: a promoção da transparência dos procedimentos e o reforço da imparcialidade e da transparência das decisões de adjudicação."
44. Ora, tal entendimento, como aliás já foi referido, foi corroborado pelo CEGER, que por parecer inequívoco de 9.06.2009 não só atestou a conformidade da plataforma da Recorrida como lhe deu um prazo de 30 dias para proceder às inconformidades detectadas, que por sinal não eram de grande relevo, tal como até já havia sido referido pelo auditor de segurança.
45. A este respeito salienta-se que a competência da Recorrente se prendia apenas com a verificação da entrega do relatório de auditoria, ou seja apenas lhe competia verificar se o documento de habilitação tinha ou não sido entregue, e se era positivo, condicionado ou negativo.
46. Como o relatório do auditor de segurança indicava ser um "Parecer Positivo" (e tendo obtido a confirmação posterior do próprio: "Confesso-vos que não saberia de que melhor forma transmitir a conformidade da V/ plataforma face aos requisitos da Portaria n° 701-G/2008. Esperava que esta avaliação global de conformidade fosse claramente indicada pelo "Parecer Positivo" que redigi e assinei no documento de conformidade") a deliberação da Recorrente de não considerar a plataforma da Recorrida em conformidade com a mencionada portaria, terá de ser anulada porque violadora do art.º 86º do CCP e do art.º 36 da Portaria n° 701-G/2008
47. Mais se salienta que e o CEGER quem, nos termos do artigo 36° n° 4 da Portaria nº 701-G/2008, após análise do documento de conformidade, atesta a conformidade da plataforma electrónica com as normas e deve publicar tal conformidade no portal dedicado aos contratos públicos.
48. Bem se decidiu, pois, no Douto Acórdão Recorrido, que a Recorrente deveria ter dado oportunidade para a Recorrida se pronunciar e conceder-lhe um prazo para suprir as irregularidades que o auditor de segurança não considerou impeditivas da atribuição de um juízo de conformidade da plataforma com as normas da Portaria n.º 701-G/2008.
49. Para mais, o princípio do contraditório e um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, pois através dele se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do Administrado e, desta forma, se intenta protegê-lo de decisões que contrariem a legalidade e ofendam os seus direitos.
50. A deliberação da Recorrida, datada de 03.04.2009, nos termos da qual considerou caducada a adjudicação feita a Recorrida, violou o princípio da audiência dos interessados e portanto o disposto no art.º 100º do CPA que dispõe que "Concluída a instrução e salvo o disposto no art.º 103º os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.".
51. Após as diligências tomadas pela Recorrente para proceder a deliberação do dia 03.04.2009 e antes de a Recorrida ter sido notificada da mesma deveria ter havido lugar a uma audiência dos interessados, tendo sido pretenda unia formalidade legal essencial, que consequentemente origina a anulação da deliberação supra mencionada, nos termos do disposto no art.º 135° do CPA.
52. Dada a urgência da decisão ou dada a natureza do próprio procedimento ou da utilidade da decisão poderá justificar-se a dispensa da audiência prévia, por razões que se prendem essencialmente com o princípio da imparcialidade, mas tal não justifica a actuação da Recorrente.
53. Efectivamente, de acordo com a jurisprudência e doutrina maioritárias não existem actos totalmente vinculados, pelo que a liberdade e discricionariedade da Administração concentra-se toda na determinação do preenchimento dos pressupostos legais.
54. O que na realidade veio a suceder foi a invocação da dispensa autorizada pelo artº 103° do CPA, por estarmos perante um concurso público, e portanto diante de uma situação que implicava uma decisão urgente, para sob este pretexto e o de a Recorrente estar a agir no âmbito dos seus poderes vinculados, poder a mesma dar cumprimento a sua arbitrariedade e como tal, violar a lei e os princípios básicos que regulam a Administração Pública, como o da igualdade, imparcialidade, transparência e concorrência.
55. Ora, para evitar que haja desvio de poder e arbitrariedade as decisões da Administração encontram-se sempre limitadas pelo cumprimento dos princípios gerais, nomeadamente pelo da legalidade e igualdade, que neste caso foram evidentemente desrespeitados.
56. Se assim não fosse não seria possível vivermos num Estado de Direito Democrático e sob diversos pretextos, a Administração estaria incumbida de decidir a seu belo prazer, estando autorizada a passar por cima dos direitos dos cidadãos, servindo os interesses de quem lhe aprouver e causando inúmeras injustiças.
57. De acordo com o que ficou demonstrado, a par dos elementos vinculados que tinham de ser apreciados por parte da Recorrida na fase de adjudicação dos concorrentes, foi dispensada uma fase processual de extrema relevância, que só poderá ser ignorada em circunstâncias excepcionais, ou seja mediante uma fundamentação justificável forte e transparente, não podendo de forma alguma, tal como sucedeu in casu, servir o escopo de beneficiar e tratar de forma diferente concorrentes que se encontravam em condições idênticas ou piores às da ora Recorrente e acabaram por não ver a sua adjudicação ser caducada pela deliberação de 3 de Abril de 2009.
58. Pelo exposto, reitera-se a existência do vício de violação de lei por violação do princípio da imparcialidade e igualdade, desrespeitando-se o que dispõe o art 5° e 6° do CPA.
59. Importa também realçar que plataforma electrónica da Recorrida obteve um parecer positivo, ficando a sua conformidade atestada face às normas da portaria acima identificada, não obstante terem sido apontadas pequenas não conformidades que foram desvalorizadas pelo próprio auditor de segurança, que fez questão de confirmar que o seu parecer era positivo e atestava a conformidade da referida plataforma electrónica com as normas da Portaria 70l-G/2008.
60. Do mesmo modo, também foi atestada pelo auditor de segurança a conformidade da plataforma electrónica da concorrente E..., sem, no entanto, ser feito qualquer menção expressa a existência de um parecer positivo em relação à mesma.
61. Desta forma, é notório que tanto a plataforma electrónica da Recorrida como a concorrente E... foram atestadas pelo auditor de segurança, embora tivessem sido indicadas algumas desconformidades, embora as não conformidades relativas a plataforma electrónica da concorrente E... apresentassem maior gravidade.
62. Pelo que surge evidente que foi feita uma valoração diferente das não conformidades detectadas nas plataformas electrónicas da Recorrida e da concorrente E....
63. Com efeito, a Recorrente emitiu a sua deliberação com base pressupostos de facto e de direito, mas conclui de forma distinta, usando a margem de discricionariedade que tinha ao seu alcance de forma abusiva e de modo nos mesmos claramente prejudicial e parcial, culminando numa deliberação que considerou caducada a adjudicação da ora Recorrente, embora o mesmo não tenha sido feito com a concorrente E....
64. Esta situação configura claramente uma violação de um dos mais básicos princípios de Direito Administrativo, que se encontra igualmente plasmado na Constituição da República Portuguesa - o princípio da igualdade - devendo por isso, o acto em causa ser anulado, por violação de lei, na parte em que decidiu pela caducidade da adjudicação feita a Recorrente.
65. A Recorrente violou, assim, o disposto no art 5° e 6° do CPA, devendo a Deliberação de 03.04.2009 ser anulada ao abrigo do disposto nos artigos 135° e 136°, n° 2 do CPA e 132° do CPTA.
66. Existindo sempre uma determinada margem de discricionariedade dentro do poder vinculado será mais que certo que a essa parcela discricionária se aplicarão os princípios gerais, principalmente o princípio da igualdade.
67. Isso mesmo já bem decidiu este Venerando Supremo Tribunal Administrativo: "No âmbito dos procedimentos de concurso público para adjudicação de empreitadas, o princípio da igualdade tem por objectivo fundamental assegurar a inexistência de desigualdades ou desequilíbrios injustificados ou arbitrários no posicionamento da Administração perante os vários concorrentes por forma a impedir qualquer tipo de tratamento discriminatório entre eles[...] III - A Administração goza de discricionariedade na escolha do critério de avaliação das propostas, e de margem de livre apreciação na valoração dos respectivos factores agitando da adjudicação, por se tratar de aspectos não vinculados do acto." (Acórdão de 21 de Janeiro de 1999, processo numero 033743) (Sublinhado nosso).
68. Cumpre, assim, realçar que os princípios gerais se apresentam como limites legais que visam precisamente evitar o desvio de poder por parte da Administração Pública, e consequentemente a tomada de decisões arbitrárias, uma vez que a existência de margem de livre apreciação cria inevitavelmente alguma insegurança jurídica, bem como a tendência para a criação de situações de desigualdade, pelo que será necessário colmatar as mesmas.
69. E mesmo que se entendesse que não havia violação do princípio da igualdade, o que evidentemente apenas se considera por mera cautela de patrocínio, houve sempre violação do princípio da legalidade, pois não é possível que a Recorrente no cumprimento da lei e analisando correctamente todos os pressupostos legais chegue a uma conclusão diferente para situações idênticas e baseadas nos mesmos pressupostos de facto e de direito.
70. Ora, se a Recorrente deliberou caducar a adjudicação feita à Recorrida então a decisão de não caducar a adjudicação feita ao concorrente E... é ilegal.
71. Bem andou pois o TCA Sul ao decidir, no Douto Acordão Recorrido: "É que a aplicação daquela "regra" de que não há igualdade na ilegalidade não pode servir para dar cobertura a condutas concomitantemente legais e ilegais, como sucederia no caso presente, caso se considerasse que a caducidade da adjudicação da recorrente era legal, implicando necessariamente que a decisão relativa à E... fosse ilegal "Aliás, nem se percebe como se solucionaria a controvérsia que resultaria de se admitir um acto que, abrangendo (pelo menos) dois destinatários e baseado em idênticos pressupostos de facto e de direito, fosse ao mesmo tempo legal e ilegal".
72. Face a tudo o exposto, não deverá ser admitido o presente recurso de revista e deverá ser mantido tudo o vertido no Douto Acórdão Recorrido, com as legais consequências
Nestes termos e os demais de direito, não deverá ser admitido o presente recurso de revista, porquanto não estão verificados os requisitos previstos no artº 150º do CPTA e, consequentemente, nem sequer deverá o mesmo ser apreciado por este Venerando Supremo Tribunal Caso assim não se entenda deverá ser julgado improcedente o seu mérito, mantendo-se tudo o vertido no Douto Acórdão Recorrido, com as legais consequências, assim se fazendo acostumada JUSTIÇA".


Outro interveniente no processo veio contra-alegar, corroborando a posição da recorrida.
A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
"O Ministério Público, notificado para efeitos do disposto no art° 146°, do C.P.T.A., vem dizer que, a seu ver, deverá ser mantida a decisão recorrida, pelos fundamentos constantes das conclusões n°s 48 a 51, da Alegação da ora Recorrida, concernentes à violação do direito de audiência, direito consignado no artº 86°, n° 2, do Código dos Contratos Públicos, para o exercício do qual está previsto um prazo reduzido de apenas cinco dias."
As partes responderam nos termos que constam do processo.
Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.


II - Factos
O acórdão recorrido deu por assentes os factos constantes da sentença sob recurso, que são os que seguem:
a. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a prestação de serviços de preparação, instalação e reparação de equipamentos informáticos e outros, a representação, fabrico, importação, exportação e comercialização de produtos e equipamentos electrónicos, designadamente para telecomunicações, programas e sistemas informáticos, a realização de projectos e a prestação de serviços de consultadoria e análise nas áreas de electrónica, informática e de comunicações;
b. A Demandada é uma empresa pública estatal cuja missão é conceber, implementar e gerir o Sistema Nacional de Compras Públicas, bem como, fazer a gestão centralizada do Parque de Veículos do Estado, contribuindo para a eficiência e eficácia da Administração Pública;
c. Em 20 de Novembro de 2008 foi publicado no n° 226 da II Série do Diário da República o anúncio de procedimento n° 525/2008 referente ao Concurso público para selecção de plataformas electrónicas para contratação pública - doc. n° 2 junto com a petição inicial.
d. O referido concurso público, com um prazo de vigência de 2 anos, destina-se à celebração de um acordo - quadro e é promovido pela A..., E.P.E., entidade pública contratante, ora Demandada;
e. O aludido concurso público tem por objecto a selecção de plataformas electrónicas para contratação em regime de "Application Service Provider" e dos respectivos serviços associados, conforme melhor descrito no respectivo Caderno de Encargos que foi junto como doc. n° 3 com a petição inicial.
f. O critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa, conforme consta do já referido anúncio de procedimento n° 525/2008;
g. O Programa de Concurso encontra-se materializado no doc. n° 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
h. Constituído por 4 lotes (Lote 1 - Contratação anual de plataforma base; Lote 2 - Contratação de plataforma base por quantidade de procedimentos; Lote 3 - Contratação anual de plataforma avançada; Lote 4 - Contratação de plataforma avançada por quantidade de procedimentos), a Autora concorreu aos Lotes n° 1 e 3 do mencionado concurso público, lotes esses que se reportam à contratação anual de plataforma base e contratação anual de plataforma avançada;
i. Por fax de 6 de Março de 2009, o Conselho de Administração da Demandada emitiu decisão de adjudicação, entre outras, da proposta da Autora;
j. No mesmo fax de 6 de Março de 2009, a Demandada notificou a Autora da disponibilização do seu Relatório Final de avaliação das propostas:
k. De acordo com o Relatório Final de avaliação das propostas, que contém também a ordenação das propostas, a Autora foi colocada na 2ª posição no que respeita ao lote 1;
l. Ainda no mesmo fax de 6 de Março de 2009, a Demandada solicitou à Autora e aos restantes concorrentes adjudicatários a entrega, até 20 de Março de 2009, dos documentos de habilitação;
m. Em 20.3.2009 a Autora mandou um email à Demandada com os documentos de habilitação, entre os quais:
1) Relatório de Conformidade elaborado pelo Auditor de Segurança;
2) Certificado de Credenciação do Auditor de Segurança com o n.° 4/2007 - docs. n.° 7, 8 e 9 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
n. No relatório de conformidade elaborado pelo auditor de segurança credenciado pela Autoridade Nacional de Segurança lê-se, no ponto 3.1.
sumário executivo: Em face do trabalho realizado emite-se um Parecer Positivo no que respeita ao grau de conformidade da plataforma face aos requisitos analisados. Todavia, a empresa deverá promover a resolução das inconformidades apontadas, designadamente as que respeitam aos requisitos expressos nos arts 29° 30°, 34° e 35°.
A seguinte tabela resume o estado de conformidade da Plataforma B... DL - Compras AP face às normas técnicas definidas na Portaria: (...)
Artº 29° - encriptação e desencriptação - NC - embora esteja planeado, ainda não existe um mecanismo de segurança que obrigue à partilha, por mais de um utilizador, do segredo de recuperação da chave de encriptação;
Artº 30° - controlo de acessos - NO - a plataforma não é conforme com todas as directrizes de acessibilidade Web Contente Acessibility Guidelines
(WCAG); (...);
Artº 34.° mecanismos e meios de segurança - NO - não foi ainda possível observar a existência de um plano de backups implementado;
Artº 35° - arquivo e preservação digital - NO - não estão implementados procedimentos que garantam a renovação de assinaturas e selos temporais.
Na tabela ... foi aplicado o seguinte critério:
C- conforme, caso os requisitos expressos em todos os números do artigo sejam satisfeitos;
NC- não conforme aplica-se aos artigos em que existe pelo menos um número classificado como «Não conforme».
o. Por fax de 7 de Abril de 2009, o Conselho de Administração da Demandada comunicou à Autora o conteúdo da sua deliberação, datada de 3 de Abril de 2009, nos termos da qual considerou caducada a adjudicação feita à Autora (lote 1), ao abrigo do art.° 86°, n° 1, al. a) do Código dos Contratos Públicos, porque «os concorrentes referidos - Concorrentes n° 3, B... (Lote 1), n° 5, F..., SA (Lotes 1, 2, 3 e 4) e n° 8, L..., J..., SA (Lotes 1, 2, 3 e 4) - entregaram os relatórios elaborados pelo auditor de segurança, contudo, os mesmos não atestam a conformidade das suas plataformas electrónicas com as normas previstas na Portaria n. ° 701-G/2008 de 29 de Julho, não cumprindo assim o requisito previsto na alínea b) do artigo 15° do Programa de Concurso - doc. n.° 10 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
p. Na Deliberação de 03.04.2009 pode ainda ler-se que foi considerada válida a habilitação, por terem entregue os documentos de habilitação exigidos pelo art.° 15° do Programa de Concurso e no art.° 81° do CCP, dos seguintes concorrentes: Concorrente n° 1, C..., S.A. (lotes 1, 2, 3 e 4); Concorrente n.° 2, D..., Lda. (Lotes 1, 2, 3 e 4); Concorrente n.° 4, E..., SA (Lotes 1, 2, 3 e 4);
Concorrente n° 6, G..., SA (Lotes 1, 2, 3 e 4) - doc. n° ia junta com a petição inicial.
q. Na Deliberação da Demandada de 03.04.2009 pode também ler-se que ficou deliberada adjudicar, para os lotes 1 e 3, as propostas dos concorrentes que cumpriram os requisitos identificados no art° 20° do Caderno de Encargos e no Anexo A e que se encontram devidamente habilitados (...) e que a assinatura do contrato teria lugar a 24 de Abril de 2009.
r. Em 8.4.2009 a Autora apresentou, por fax, uma reclamação junto da Demandada quanto à decisão de caducidade da adjudicação feita à Autora, por não poder conformar-se com a Deliberação da Demandada de 03.04.2009 e por a considerar ilegal na parte em que declarou a caducidade da adjudicação feita à Autora - doc.° n° 11 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
s. Junto com a referida reclamação, a Autora apresentou também os seguintes anexos:
1) Relatório Final de Resolução de Não Conformidades;
2) Uma carta do auditor de segurança de 8 de Abril de 2009 - docs. n° 11 e n° 12 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
t. A Contra-Interessada F..., cuja decisão de adjudicação foi igualmente considerada como caducada nos termos da Deliberação da Demandada de 03.04.2009, apresentou também uma reclamação e uma carta do auditor de segurança;
u. Mais tarde, a Contra-Interessada L..., cuja decisão de adjudicação foi igualmente considerada como caducada nos termos da Deliberação da Requerida de 03.04.2009, apresentou também uma reclamação;
v. Neste contexto, a Demandada, por fax de 9 de Abril de 2009, notificou os concorrentes para, querendo, se pronunciarem até ao dia 17 de Abril de 2009 sobre as impugnações deduzidas pela Autora e pela Contra Interessada F....
w. Bem como, a Demandada, por fax de 15 de Abril de 2009, notificou os concorrentes para, querendo, se pronunciarem até ao dia 22 de Abril de 2009 sobre a impugnação deduzida pela Contra Interessada L...;
x. Por fax de 1 de Abril de 2009 a Demandada notificou a Autora quanto ao adiamento do prazo de assinatura do acordo quadro;
y. Contudo, às 20:05m do dia 28 de Abril de 2009 a Autora foi notificada, por fax, da decisão da Demandada, de 27.4.2009, que manteve a deliberação de adjudicação e ordenação final de 3 de Abril de 2009 - doc. n° 19 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
z. No aludido fax, a Demandada determinou que a outorga do contrato quadro terá lugar no dia 8 de Maio de 2009 pelas 11 horas, nas instalações da Requerida;
aa. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. n° 25 junto com a petição inicial (relatório de conformidade da Contra-interessada E...), dele se transcrevendo que tendo em linha de conta o atrás exposto, o auditor de segurança confirma que a plataforma electrónica encontra-se em conformidade com as normas da Portaria n° 701-G/2008, com as excepções atrás indicadas e justificadas, pelo que recomenda que seja considerada como apta para o exercício da actividade.
bb. A pedido do Tribunal, o Centro de Gestão da Rede Informática do Governo emitiu parecer técnico em 27.7.2009, junto aos autos em 30.7.2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que se transcreve o seguinte:
«É entendimento técnico da ESPE que:
a) o não cumprimento do art° 29° da Portaria pela não existência de «um mecanismo de segurança que obrigue à partilha, por mais de um utilizador, do segredo de recuperação da chave de encriptação» é uma não conformidade, pois dessa forma a plataforma não dispõe de nenhum mecanismo que permita a recuperação da chave privada de encriptação com recurso a mecanismos de segurança que obriguem à partilha por mais que um utilizador do segredo dessa chave;
b) o não cumprimento do art° 30º da Portaria pela não conformidade «com todas as directrizes de acessibilidade Web Content Acessibility Guidelines (WCAG)» é uma não conformidade porque é exigido às plataformas electrónicas a conformidade de todas as directrizes de acessibilidade WCAG do W3C no nível AAA, considerando-se, tecnicamente, não conforme o não cumprimento deste requisito;
c) o não cumprimento do art.° 34° da Portaria pela não existência de «um plano de backups instalado» é uma não conformidade porque as plataformas devem utilizar mecanismos de cópia e salvaguarda da informação associada aos procedimentos;
d) o não cumprimento do art.° 35º da Portaria pela não implementação de «procedimentos que garantam a renovação de assinaturas e selos temporais» é uma não conformidade porque tecnicamente é exigido às plataformas mecanismos de preservação ao longo do tempo das assinaturas digitais e de selos temporais.
cc. Ainda, podemos ler, no parecer técnico do CEGER, uma breve súmula da evolução da análise das plataformas electrónicas para efeitos de acesso à actividade da Autora e da Contra-interessada E..., onde se diz:
«Período anterior à emissão do Parecer pela ESPE (anterior a 9.6);
Foram submetidos pelos respectivos auditores de segurança das plataformas à ESPE, os documentos de conformidade das seguintes empresas:
B... AP, no dia 27 de Março de 2009; E...Gov, no dia 26.2.2008;
Numa primeira fase, a ESPE procedeu à análise documental da informação dos documentos de conformidade das empresas acima mencionadas e submetidos com o respectivo parecer do Auditor de Segurança devidamente certificado pelo Gabinete Nacional de Segurança.
Foi efectuado pela ESPE à data de 9.4, um ponto de situação provisório e não constituindo parecer, resultante estritamente dos pareceres dos auditores de segurança externos (e que consta do anexo 1).
Pode ser referido que ambos os auditores de segurança dão parecer positivo às respectivas plataformas, no que respeita ao grau de conformidade das plataformas face aos requisitos analisados, mas indicando a existência de pontos de não conformidade.
Tendo efectuado essa análise dos documentos de conformidade iniciou-se o seguinte processo de actividades que habilitariam a ESPE à emissão de um parecer
a) Análise técnica de segurança;
b) auditoria física às plataformas electrónicas.
Depois de elaboradas as auditorias físicas às plataformas das empresas em causa elaborou-se um relatório de Auditoria e a ESPE ficou habilitada a emitir um parecer sobre a aceitação da plataforma electrónica para início da sua actividade, nos termos do art.° 36° da Portaria n° 701-G/2008, de 29.7.
Na fase anterior à emissão dos pareceres, e para constituir Anexo dos mesmos, foi solicitado no dia 5.6.2009 pela ESPE uma versão actualizada dos documentos de conformidade inicialmente submetidos pelos auditores externos de segurança.
Os documentos foram enviados pelas empresas em causa nas seguintes datas:
8.6.2009 - B... AP VI,
9.6.2009- E...Gov.
2. Período posterior à emissão do parecer pela ESPE (a 9 de Junho):
A ESPE emitiu Pareceres fundamentados a 9.6.2009 e comunicados a 12.6.2009, a ambas as plataformas, tendo em conta os seguintes elementos:
1) Do exposto pelos auditores de segurança externos à ESPE nos documentos de conformidade submetidos à entidade supervisora;
2) Da informação resultante da análise efectuada pelos serviços técnicos do CEGER dos pareceres dos auditores de segurança das plataformas electrónicas e a sua conformidade com todos os requisitos da portaria n° 701-G/2008, de 29.7.
3) Da análise técnica dos resultados da auditoria física realizada às plataformas electrónicas pelos serviços técnicos do CEGER, em 24.5.2009 (Compras AP da B...) e 14.5.2009 (E...Gov da E...).
4) Da informação final resultante de eventuais correcções ou adendas ao documento de conformidade submetido e devidamente assinado pelo auditor de segurança externo à entidade supervisora, com vista à obtenção de uma versão devidamente actualizada.
Contudo, a manutenção do parecer favorável emitido a 9.6.2009 pela entidade supervisora ficou condicionado a, num prazo máximo de 30 dias, procederem ambas as plataformas à correcção das não conformidades indicadas no respectivo parecer (anexos II e III).
Como resposta ao solicitado no parecer da ESPE comunicado a 12.6.2009 foram submetidas as adendas pelos respectivos auditores externos de segurança com a confirmação das correcções das não conformidades nas seguintes datas:
1.7.2009 - B... AP V2
7.7.2009 - E...Gov
Contudo, importa referir que, não foi avaliado para efeitos de certificação o requisito ao art.° 30º, n° 4 pelos auditores do CEGER por impossibilidade técnica, pelo menos à presente data. Foi assim considerado como requisito não inibidor da actividade das plataformas electrónicas no âmbito dos Contratos Públicos.
À presente data, 27.7.2009, ambas as plataformas electrónicas (Compras AP da empresa B... e E...Gov da empresa E...) estão devidamente certificadas pela entidade supervisora das plataformas electrónicas para o exercício da actividade de plataforma electrónica no âmbito dos Contratos Públicos - ver parecer técnico junto em 30.7.2009.
dd. No dia 1.6.2009 foi assinado o acordo quadro com os concorrentes seleccionados.


III - Direito
1. Por acórdão de 22.4.10, proferido pela formação da Secção de Contencioso Administrativo prevista no n.º 5 do art. 150º do CPTA, foi admitido o recurso de revista interposto pela recorrente A...EPE. Esse recurso foi deduzido do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4.2.10, que concedera provimento ao recurso interposto da decisão do TAF de Lisboa, de 19.10.09, e anulara "a deliberação impugnada de 3.4.09 e a subsequente que a confirmou (decisão de 27.4.10), e demais actos cuja validade delas dependa, todas no âmbito do concurso público para selecção de plataformas electrónicas para contratação pública, condenando, ainda, a ora Recorrente a praticar novo acto que inclua a aqui Recorrida entre os concorrentes cujas propostas foram adjudicadas para o lote n.º 1 e habilitada a celebrar o respectivo contrato-quadro".
2. Os fundamentos de admissão do presente recurso, onde se definem as questões a que urge responder, encontram-se naquele acórdão explanados nos seguintes termos: "Na sua decisão, de 19-10-2009, o TAF de Sintra, julgou improcedente a acção administrativa especial de contencioso pré-contratual intentada pelo ora Recorrido, por ter considerado, para além do mais, que " (...) o relatório de segurança entregue pela Autora à Demandada, em 20.03.2009, não atesta a conformidade da plataforma electrónica da Autora com as normas técnicas da Portaria n° 701-G/2008, de 29.7, não cumprindo assim o requisito previsto no art.º 15°, al b) do Programa de Concurso (...)", salientando, ainda, não ter existido violação do disposto no artigo 38°, n° 3 da Portaria n° 701-G/2008, de 29-7, nem, tão-pouco, do princípio da igualdade (cfr. fls. 899-903).
Outra foi, contudo, a tese partilhada pelo TCA Sul, que não subscreveu a posição assumida pelo TAF de Sintra, antes concluindo, designadamente, que "(...) independentemente de se saber se estamos ou não perante uma actuação vinculada da recorrida, é manifesto que houve violação do princípio da igualdade", uma vez que, "se a vinculação impunha a caducidade da adjudicação da recorrente, então a mesma solução deveria ter sido aplicada à E... (...", acrescentando, ainda, que "se ao invés, as não conformidades eram passíveis de supressão (como o foram), e como tal não se justificava a caducidade, então ambas as concorrentes deveriam ter tido tratamento igualitário.", pelo que, "não tendo existido, houve clara violação do princípio da igualdade (art.° 13.º da CRP), que, recorda-se, postula o tratamento igual de situações semelhantes e desigual no caso contrário." - cfr. fls. 1059. Da alegação da Recorrente decorre que a questão a dirimir passa fundamentalmente pela "interpretação e aplicação do novo regime previsto no art.º 86.° do CCP (Não apresentação dos documentos de habilitação), e as consequências que do mesmo decorrem para o(s) adjudicatário(s), conjugado com a nova regulamentação instituída pela Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho (...)" (cfr. fls. 1122).
3. Vejamos então. Estamos perante um recurso excepcional de revista contemplado no art. 150º do CPTA. De acordo com o que se refere no n.º 1 pretende-se com ele conceder às partes mais uma via de recurso com vista à apreciação "de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou permitir uma "melhor aplicação do direito". De acordo com o n.º 3, os contornos da intervenção posterior do STA encontram-se fixados pela formação aí prevista e, evidentemente, as que naturalmente daí decorram. No caso dos autos, as questões a que o tribunal deve responder são as que se encontram enunciadas no número anterior, não estando já em causa a de saber quem são as partes no processo e a que título intervieram. Todavia, não pode olvidar-se o teor do art. 57º do CPTA e que a noção de contra-interessado ali subjacente corporiza a posição jurídica de alguém que normalmente possui um interesse oposto ao do autor. Por outro lado, não existem nos autos quaisquer elementos que permitam condenar qualquer dos intervenientes como litigante de má fé.
4. A recorrente vem apresentar uma alegação que integra 157 conclusões não cumprindo, manifestamente, a obrigação de sintetizar que lhe impõe o n.º 1 do art. 685º-A do CPC. No entanto, porque estamos perante um processo inicialmente qualificado como urgente, a que nesta fase (revista excepcional) se atribui ainda alguma urgência, que corre nos tribunais há mais de um ano e porque a matéria a decidir se encontra devidamente identificada nos autos, designadamente no acórdão de admissão, avança-se desde já na apreciação do recurso.
À matéria da revista o acórdão recorrido respondeu nos seguintes termos: "São essencialmente duas as questões que aqui se colocam:
- A primeira consiste em saber se, no âmbito de um concurso público, é possível ou não conceder a um adjudicatário prazo suplementar para apresentar esclarecimentos e suprir lacunas ou irregularidades de documento de habilitação.
- A segunda se há violação do princípio da igualdade em situações de rejeição e admissão de documentos de habilitação de conteúdo substancialmente idêntico. O art.° 86.° do CCP tem a seguinte redacção:
1- A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação:
a) No prazo fixado no programa do procedimento;
b) No prazo fixado pelo órgão competente para a decisão de contratar, no caso previsto no n.° 8 do artigo 81°;
c) Redigidos em língua portuguesa ou, no caso previsto no n.° 2 artigo 82°, acompanhados de tradução devidamente legalizada, excepto nos casos previstos no n.° 4 do artigo 58.º (redacção do Decreto-Lei n.° 278/2009, de 2 de Outubro)
2- Sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação nos termos do n.° 1, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia (redacção do Decreto-Lei n.° 278/2009, de 2 de Outubro)
3- Quando as situações previstas no n.° 1 se verifiquem por facto que não seja imputável ao adjudicatário, o órgão competente para a decisão de contratar deve conceder-lhe, em função das razões invocadas, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta, sob pena de caducidade da adjudicação (redacção do Decreto-Lei n.° 276/2009, de 2 de Outubro)
4- ...
Assim, a letra deste art.° 86.°, n.° 1, não prevê a possibilidade da adjudicação caducar por irregularidade nos documentos de habilitação. Tal possibilidade resulta, porém, no âmbito do concurso público, da conjugação desta norma com o disposto no art.° 132°, n.° 1, al. g), do CCP (também na redacção do Decreto-Lei n.° 278/2009, de 2 de Outubro). O programa do concurso público deve indicar: O prazo para a apresentação dos documentos de habilitação pelo adjudicatário, bem como o prazo a conceder pela entidade adjudicante para a supressão de irregularidades detectadas nos documentos apresentados que possam levar à caducidade da adjudicação nos termos do disposto no artigo 66.º. Mas mesmo antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 278/2009, estava compreendida na ratio do art.° 86°, n.° 1, a possibilidade do adjudicatário ser excluído por irregularidades nos documentos de habilitação. Com efeito, não faria sentido que a entidade adjudicante ficasse atada de pés e mãos v. g. perante um documento de habilitação falso ou irregular mas apresentado em tempo. Mas subsiste esta questão: essa consequência (a caducidade) era inexorável, isto é, a lei vedava a hipótese de ser concedido prazo ao adjudicatário para suprir as irregularidades quando tal se justificasse, estando a entidade adjudicante vinculada a decretar a caducidade? Um argumento a favor desta tese poderia ser o da alteração posterior da lei, que veio prevenir a hipótese contrária. Mas também se pode defender que a alteração da lei visou tornar mais clara uma solução que já resultava dos princípios gerais. É a conclusão que a nosso ver se justifica. Não só porque o princípio da audiência prévia (art.° 100.º e ss. do CPA) é um princípio transversal à Administração consensual, mas também porque o art.° 1.º, n.° 4, do CCP estabelece que "à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência", significando a utilização do vocábulo especialmente uma aplicação reforçada desses princípios. Ora, o princípio da concorrência constitui a trave mestra do direito comunitário, como um objecto norteador na construção do espaço económico europeu. É, por isso, um bem público essencial que não se compadece com práticas que lesem o consumidor ou o Estado, ou com formalismos exagerados que conduzam a um deficiente funcionamento do mercado, entorpecendo a concorrência entre os agentes económicos. Este princípio torna-se ainda mais premente no sector das compras públicas, que para além da sua própria especificidade, visa objectivos de interesse geral que não meramente economicistas ou financeiros. Daí que a actuação das entidades adjudicantes deve procurar assegurar, sempre, a prevalência do princípio da concorrência e pautar-se pela proporcionalidade, o que implica que antes de ser decretada a caducidade por irregularidade nos documentos de habilitação se imponha dar ao respectivo concorrente oportunidade para ser ouvido e, se for caso disso, para suprir aquelas em prazo razoável, quando se trata de irregularidades veniais ou pouco graves e ou susceptíveis de resolução nesse prazo. E isto mesmo antes da entrada em vigor do Dec.-Lei n.° 278/2009, que - entre outros - deu nova redacção ao art.° 86.° do CCP. Só assim se pode dar guarida a dois dos grandes objectivos do CCP: a promoção da transparência dos procedimentos e o reforço da imparcialidade e da transparência das decisões de adjudicação. Aliás, um dos objectivos apontados no Decreto-Lei n.° 37/2007, de 19 de Fevereiro, que criou a recorrida A..., é o de uma Administração que facilite "a vida aos cidadãos e às empresas". O art.° 4.° do referido diploma estabelece princípios orientadores do Serviço Nacional de Compras Públicas (SNCP), entre os quais avultam:
- Igualdade de acesso dos interessados aos procedimentos de formação de acordos quadro ou outros contratos públicos [al. c)];
- Promoção da concorrência e da diversidade de fornecedores [al. g)].
Por outro lado, tendo sido atestado pelo auditor de segurança externo a conformidade da plataforma, mandaria a prudência que assim se fizesse, ao menos para esclarecer a divergência entre a conformidade global e as não conformidades de alguns parâmetros. É que não nos parece que se inclua nas competências da A... avaliar a conformidade das plataformas - o que efectivamente acabou por suceder - porque doutro modo não se perceberia a opção legislativa por um auditor de segurança externo e credenciado (art.° 36°, n.° 1, da Portaria n.° 701-G/2008, de 29 de Julho). Concluindo, portanto, que mesmo face ao regime anterior a A... deveria ter dado oportunidade para a recorrente se pronunciar e conceder-lhe prazo para suprir as irregularidades, que o auditor de segurança não considerou impeditivas da atribuição de um juízo de conformidade da plataforma com a Portaria n.° 701-G/2008, importa agora saber que prazo razoável seria esse. A recorrente argumenta que esse prazo é o fixado no art.° 38°, n.° 3, da referida Portaria, o que a recorrida contesta sustentando que tal prazo visa a manutenção da actividade e não o acesso a esta, entendimento que a sentença sufragou. Resulta com indubitável clareza do preâmbulo da citada Portaria que o objectivo da sua promulgação é disciplinar o papel das plataformas electrónicas na formação dos contratos regidos pelo CCP e na aposta deste na desmaterialização dos procedimentos de contratação pública. Dispõe o art.° 3.° da Portaria em causa que "as plataformas utilizadas pelas entidades adjudicantes nos procedimentos de formação de contratos públicos devem satisfazer os requisitos definidos na presente portaria". Por sua vez o art° 4.° estabelece:
1- A aquisição de serviços de uma plataforma electrónica deve ser feita de acordo com os procedimentos estabelecidos no CCP, com pleno respeito pelas regras da concorrência estabelecidas na legislação nacional e comunitárias, bem como pelo disposto na presente portaria.
2- A selecção da plataforma electrónica a utilizar, de entre as disponíveis no mercado, ou a decisão de proceder ao desenvolvimento de uma plataforma própria para as entidades vinculadas do Sistema Nacional de Compras Públicas é, também, realizada no respeito pelas normas aplicáveis do Decreto-Lei n.° 37/2007, de 19 de Fevereiro.
3- O programa do procedimento de aquisição dos serviços referidos nos números anteriores deve exigir que o adjudicatário apresente, como documento de habilitação, um relatório de segurança, nos termos do artigo 36.° ou do artigo 37º, consoante o caso, válido e actualizado, que ateste a conformidade da plataforma electrónica com as normas previstas na presente portaria.
O art.° 38°, n.° 1, refere-se aos relatórios de segurança referidos nos artigos anteriores (...)"; pressupondo que o legislador "consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (artº. 9°, n.° 3, do CC), a referência aos relatórios anteriores só pode significar os referidos nos artigos 36.° (Certificação de entidades para efeitos de acesso à actividade) e no artº 37.° (Relatório anual de segurança). Na verdade, a certificação não deixa de constituir um relatório emitido pelo auditor de segurança que à semelhança do relatório de segurança propriamente dito se destina a atestar a conformidade da plataforma aos parâmetros estabelecidos na Portaria. Mas o n.° 2 do art.° 38.° determina que "o relatório anual de segurança deve conter os elementos referidos nas alíneas anteriores, reportando-se a uma análise de procedimentos de formação dos contratos já concluídos e em curso, através de uma amostragem aleatória de procedimentos considerada suficiente pelo auditor para a elaboração de um relatório rigoroso e com margens de erro mínimas". Por isso o n.° 3 [que dispõe: caso o auditor externo emita parecer negativo ou condicionado, deve a entidade gestora das plataformas electrónicas, no prazo de 30 dias, corrigir as situações detectadas] visa o relatório anual de segurança, o que se confirma pelos números seguintes do mesmo artigo (negritos nossos). O que não significa que esse prazo não devesse ser aplicado analogicamente, na medida em que não faz sentido que se conceda tal prazo para a supressão de não conformidades na fase de exploração da plataforma (quando os inconvenientes são evidentes), e negá-lo na fase em que a plataforma ainda não está em funcionamento. Por último importa abordar a questão da violação do princípio da igualdade. Refere a este propósito a sentença:"
5. Vejamos. O objecto da acção é um acto que declara a caducidade de uma adjudicação concedida sem previamente ter procedido à audição do interessado para se pronunciar sobre os motivos da caducidade. Trata-se, portanto, de uma intervenção administrativa que afasta a autora, definitivamente, do procedimento administrativo em curso. Está em causa nos autos o Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL 18/08, de 29.1, posteriormente alterado pelo DL 278/09, de 2.10, aplicável à situação dos autos na sua versão original. Desde logo a norma contida no art. 86º:
"1- A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação.
(...)
2- Quando as situações previstas no número anterior se verifiquem por facto que não seja imputável ao adjudicatário, o órgão competente para a decisão de contratar deve conceder-lhe, em função das razões invocadas, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta, sob pena de caducidade da adjudicação".
(...).
Como se diz no acórdão recorrido tem de equiparar-se a falta de documentos à sua desconformidade com as exigências legais (foi o caso). Deve, assim, sublinhar-se que no caso em apreço a caducidade nunca operaria pelo mero decurso do tempo sendo sempre imprescindível um juízo posterior sobre a suficiência ou insuficiência dos elementos apresentados pela autora. Mas, se nos ativéssemos exclusivamente à letra do preceito essa equiparação não seria legítima já que o n.º 1 apenas fala em falta de apresentação e não em desconformidade dos elementos apresentados e, nessa perspectiva, já não haveria razões para considerar caduca a adjudicação feita à autora pois que fornecera todos os documentos exigidos dentro dos prazos legais. Tendo em consideração as regras de interpretação contidas no art. 9º do CC, aquela equiparação tem de ser feita pois só com ela se cumpre a intenção do legislador, obrigar à apresentação de determinados documentos dentro de um prazo pré-fixado mas exigir igualmente que esses documentos cumpram todas as regras previstas e contenham os elementos necessários, afinal aqueles que satisfaçam os objectivos da lei. É, pois, esta interpretação a que melhor cumpre os desígnios legais: aproxima-se o mais possível da letra da lei, respeita a unidade do sistema jurídico e consagra a solução mais acertada correspondendo à melhor expressão do pensamento legislativo. Todavia, deve também assinalar-se que a desconformidade da documentação com as prescrições legais, mais do que a sua falta que é objectiva, coloca, com muito maior intensidade, a necessidade de o interessado ser ouvido para que possam ser esclarecidas quaisquer dúvidas e corrigidas eventuais imprecisões.
Este art. 86º veio a ser alterado pelo já indicado DL 276/09 ficando o referido n.º 2 com a seguinte redacção: "2- Sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação nos termos do n.° 1, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia" - negrito e sublinhado nossos.
Do confronto entre os referidos n.ºs 2 constata-se que o motivo que deu origem à anulação do acto impugnado - dar como caducada uma adjudicação por se ter entendido que parte dos documentos tempestivamente apresentados não cumpria as exigências legais, sem ouvir o destinatário - desapareceu, desaparecendo assim, igualmente, a vertente tratada no acórdão de admissão de a situação poder vir a repetir-se.
Algumas das razões apontadas para se ter procedido à revisão da versão inicial do CCP estão enunciadas no preâmbulo do DL 276/09 referindo-se, designadamente, que "(...) O acompanhamento efectuado (de aplicação do CCP) permitiu, sem prejuízo de uma intervenção posterior noutras matérias, identificar os bloqueios cuja superação é tanto mais urgente quanto a própria actividade científica em Portugal atingiu recentemente níveis de desenvolvimento e relevância que justificam tal intervenção. No âmbito da actividade desenvolvida pela Comissão de Acompanhamento do Código dos Contratos Públicos introduzem-se, desde já, outras alterações no Código com vista a clarificar o respectivo conteúdo e a corrigir lapsos entretanto verificados, sem prejuízo das que venham a resultar dos trabalhos daquela Comissão". Acompanha-se, assim, inteiramente a posição sustentada no acórdão recorrido no sentido de que a alteração de redacção do n.º 2 do art. 86º do Código mais não é do que uma clarificação da situação anterior, constituindo um dos lapsos a que o preâmbulo se refere. De resto, no seguimento de toda a jurisprudência deste Tribunal segundo a qual a audiência dos interessados se aplica a todos os procedimentos administrativos, mesmo os especiais, ainda que não expressamente previstos nos diplomas que disciplinam o respectivo procedimento. Por outro lado, o facto de se ter procedido a esta alteração mostra à evidência que inexistiam razões genéticas, naquela fase do procedimento, para se não proceder à audição dos interessados nos termos gerais.
O acórdão recorrido deu como violado o direito de audiência do interessado previamente à emissão do acto impugnado, traduzindo-se essa omissão, portanto, na violação do art. 100º do CPA, que constitui um princípio geral da actividade administrativa ditado por imposição constitucional (art. 267º, n.º 5, da CRP) que se acolhe no n.º 6 do art. 2º do Código. Norma que visa, essencialmente, permitir aos destinatários das prescrições administrativas lesivas pronunciarem-se sobre os actos que os afectam e consentir-lhes participar na formação da vontade final da Administração. Como direito com protecção constitucional que é, nessa medida com legalidade reforçada, deve ser respeitado escrupulosamente pela Administração Pública, gerando a sua inobservância, é jurisprudência pacífica, mera anulabilidade nos termos do art. 135º do CPA. A inexistência ou dispensa da audiência dos interessados - em momento algum invocada - está prevista no art. 103º, n.º 1, do código, não se vendo que o caso em apreço caiba em qualquer delas. E, sendo assim, aplicando aqui a jurisprudência firme deste STA, segundo a qual "O direito de audiência dos interessados, regulado nos artigos 100º a 104º, é aplicável aos procedimentos especiais, por força do n.º 5 do art. 2º do CPA", "O artigo 100º do CPA visa dar satisfação ao princípio constitucionalmente consagrado (art. 267º, n.º 5 da CRP) da participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações que lhes digam respeito" e "Atento o escopo do preceito, o direito de audiência nele previsto é exercido no termo da instrução, antes de ser tomada a decisão final da Administração" (acórdão do Pleno de 27.2.08 no recurso 1089/04), tem que dar-se como procedente a violação deste direito, tal como se decidiu Veja-se um caso semelhante, no acórdão de 19.6.09 proferido no recurso 160/08, onde se escreveu " Por outro lado, nem o DL 40-A/98, de 27.2, nem a Portaria n.º 665/2001, de 30.6, que regulam o concurso, afastam a aplicação do referido preceito [o art. 100º do CPA] (limitando-se a não a contemplarem, o que é coisa diferente), sendo certo que se o fizessem seriam inconstitucionais por violação daquela norma da CRP".
Como é sabido, estamos já no segundo ponto, "O princípio da igualdade apenas impõe tratamento igual para situações idênticas, proibindo a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdade de tratamento sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional" (acórdão STA de 11.7.02 no recurso 692/02). Violar este princípio constitucional significa apreciar de modo diferente realidades iguais, sem que, no entanto, exista qualquer direito à igualdade na ilegalidade. Por outro lado, trata-se de jurisprudência pacífica e uniforme, não é figurável a violação do princípio da igualdade se a intervenção administrativa é balizada pela lei, por outras palavras, resultante do exercício de poderes vinculados (entre muitos outros, acórdãos STA de 3.11.05 no recurso 419/05, de 11.5.05 no recurso 1400 e de 25.3.04 no recurso 999/03), evidenciando-se antes no momento da utilização de poderes discricionários. Quando assim é, o princípio da igualdade consome-se no princípio da legalidade (aquele que antes de todos deve conduzir as actuações administrativas, art. 266º, n.º 2, da CRP).
No caso em apreço a resposta dada ao primeiro ponto prejudica a apreciação da outra das questões suscitadas, a violação do princípio da igualdade assente na circunstância de se ter mantido a adjudicação à contra-interessada E..., apesar de o respectivo auditor de segurança, tal como o seu, ter confirmado que a sua plataforma electrónica se encontrava em conformidade com as normas da Portaria n° 701-G/2008, de 29.7, mas com as excepções indicadas e justificadas no parecer e, apesar disso, àquela foram efectuadas recomendações de melhoria, com desconformidades que a autora considera graves, e a adjudicação foi-lhe confirmada, enquanto a da autora foi considerada caduca. Ao anular-se o acto com o fundamento referido - a falta de audiência nos termos apontados - está a conceder-se à autora a possibilidade não só de se pronunciar como também de reparar os pontos referidos, identificados pelo seu auditor, concedendo-lhe justamente a mesma possibilidade de correcção e melhoria que diz ter sido dada àquela contra-interessada. Só depois será possível (o que poderá ou não vir a ser necessário) fazer essa avaliação: saber se as inconformidades apontadas a cada uma das propostas são iguais, ou substancialmente idênticas, e, depois, saber se as correcções introduzidas por ambos os concorrentes são satisfatórias e estão no mesmo plano (só assim, perante situações substancialmente idênticas, é possível figurar e aferir da violação deste princípio). A intervenção administrativa nesse momento, porque situada fora de vinculação legal, poderá ser apreciada à luz do princípio da igualdade.


IV - Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o acórdão recorrido, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 8 de Julho de 2010. - Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Adérito da Conceição Salvador dos Santos.