Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Outubro de 2009 (proc. 484/09)

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Sumário:

I - O conceito de relação jurídica administrativa pode, ser tomado em diversos sentidos. Em sentido subjectivo, onde se inclui qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, designadamente uma pessoa colectiva, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação. Já em sentido predominantemente objectivo, abrangeria as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo. E há ainda um outro sentido, que faz corresponder o carácter «administrativo» da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa.
II - A noção de relação jurídica administrativa para efeitos de delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa, deve abranger a generalidade das relações jurídicas externas ou intersubjectivas de carácter administrativo, seja as que se estabeleçam entre os particulares e os entes administrativos, seja as que ocorram entre sujeitos administrativos.
III - Para efeito de inclusão no contencioso administrativo, devem considerar-se relações jurídicas administrativas externas ou interpessoais: a) as relações jurídicas entre a Administração e os particulares, incluindo: i) as relações entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas «relações gerais de direito administrativo»), mas também; ii) as relações entre as organizações administrativas e os membros, utentes ou pessoas funcionalmente ligados a essas organizações (as chamadas «relações fundamentais» no contexto das «relações especiais de direito administrativo») e; iii) as relações entre entes que actuem em substituição de órgãos da Administração (no contexto do exercício privado de poderes públicos, por exemplo, os tradicionais concessionários, capitães de navios ou de aeronaves, federações de utilidade pública desportiva, a que se juntam hoje múltiplas entidades credenciadas para o exercício de funções de autoridade) e os particulares; b) as relações jurídicas administrativas, incluindo: i) as relações entre entes públicos administrativos, mas também,; ii) as relações jurídicas entre entes administrativos e outros entes que actuem em substituição de órgãos da Administração, e ainda; iii) certas relações jurídicas entre órgãos de diferentes entes públicos (quando a circunstância de se tratar de órgãos de pessoas colectivas distintas puder ser considerada decisiva ou dominante para a caracterização da relação, como, por exemplo, no caso da delegação de atribuições).
IV - Os Hospitais Públicos revestem a natureza de entidades públicas empresariais, sendo pessoas colectivas de direito público de natureza empresarial dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial nos termos do DL. nº558/99, de 17/12 e do artigo 18º do Anexo da Lei nº27/2002, de 8/11.
V - O A... EPE, goza de um estatuto público, é uma pessoa colectiva de direito público, portanto com personalidade jurídica pública, criado por lei; desempenha em substituição do Estado uma das suas tarefas, que é a de prestação de bem estar (a saúde) aos cidadãos (arts. 9º e 64º da CRP), fazendo parte da administração estadual indirecta do Estado; está sujeito ao poder de superintendência do Ministro da Saúde e aos poderes de tutela conjunta dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, tem natureza empresarial e é dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
VI - O acto de adjudicação de serviços de transporte de doentes em integra-se na função administrativa deste estabelecimento hospitalar, caindo na situação das relações entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas «relações gerais de direito administrativo).
VII - A função administrativa, positivamente, pode ser definida como a actividade pública contínua tendente à satisfação das necessidades colectivas em cada momento seleccionadas, mediante prévia opção constitucional e legislativa, como desígnios da colectividade política - ou seja os interesses públicos contingentes.
VIII - O A... EPE ao adjudicar os serviços de transporte de doentes em ambulâncias está a prosseguir uma tarefa incumbida ao Estado que é, como já se referiu, prestar os cuidados de saúde. Esta adjudicação é feita por uma entidade pública que tem um estatuto especial de sujeito público, ou seja com a presença de elementos de autoridade administrativa e que são reguladas pelo direito administrativo e no exercício da sua função administrativa.
IX - É da competência dos tribunais administrativos o dirimir um litígio surgido na adjudicação referida em VIII.

 

Texto Integral:

B..., Lda., com sede na Rua ..., nº..., Marinha Grande e C..., Lda., com sede na Rua ..., nº..., Cacharias, interpuseram no TAF de Leiria processo cautelar contra A..., E.P.E. (doravante A..., EPE), na qualidade de entidade Requerida e Delegação de Pereira da Cruz Vermelha Portuguesa, Associação de Serviço e Socorro Voluntários de São Jorge e D..., Lda., na qualidade de contra-interessadas, pedindo a suspensão de eficácia do despacho de 17/5/2008 do Administrador Executivo do A..., EPE, ratificado por deliberação do Conselho de Administração de 29/5/08, proferido no âmbito do Concurso Público n.º 0001A08 do A..., EPE publicado por anúncio em 27/3/2008 e referente à adjudicação de serviços de transporte de doentes em ambulância, efectuada à primeira contra-interessada e, bem assim, a abstenção do A..., EPE de proceder à formalização contratual da adjudicação desses serviços.
Suscitada pela entidade requerida a excepção de incompetência do Tribunal, o TAF de Leiria, por sentença de 15/9/2008, declarou-se materialmente incompetente para conhecer da providência e absolveu a entidade requerida da instância. A fundamentar esta decisão, está o entendimento segundo o qual, por se tratar de uma EPE, o A... se regeria por normas de direito privado, não estando por isso o acto de adjudicação sujeito às regras do DL n.º 197/99 de 8 de Junho, nos termos do disposto no art. 2º alínea b) desse mesmo diploma.
Inconformada a B..., Lda. e C..., Lda. interpôs recurso jurisdicional para o TCA Sul que, por Acórdão de 5/3/2009, revogou a sentença de 1ª Instância e considerou o TAF de Leiria materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados nos autos.
A Delegação de Pereira da Cruz Vermelha Portuguesa e o A..., EPE, pediram a admissão de revista daquele Acórdão, nos termos do artigo 150º n.º 1 do CPTA, a qual foi admitida por acórdão de 13/5/2009 (fls. 603 a 610).


Nas suas alegações formulou a recorrente Cruz Vermelha Portuguesa - Delegação de Pereira as seguintes conclusões:
Sobre a incompetência do Tribunal em razão da matéria:
1 ª - Não se conforma a contra-interessada/Recorrente com o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo que concluiu pela revogação e substituição da decisão proferida, em 15 de Setembro de 2008, por outra que considere o TAF de Leiria competente em razão da matéria, para conhecer da acção.
2ª - Segundo o tribunal a quo está aqui em causa o conhecimento dos pedidos cautelares de intimação no A... E.P.E e a suspensão de eficácia do acto de adjudicação proferido pelo seu Conselho de Administração, que impeçam o fornecimento de transportes de doentes pelas contra-interessadas.
3ª - Por conseguinte, o Tribunal a quo considerou que tendo estes interesses uma natureza pública e sendo aplicável a legislação comunitária, a Directiva n.° 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03/2004, é competente o Tribunal da jurisdição administrativa;
4ª - Mais, de acordo com o Acórdão de 12/01/2009, " a norma do n. °3 do art. 100.° do CPTA, interpretada em conjugação com a do art. 4.°, n.°1, alínea e) do novo ETAF, que remete para a jurisdição administrativa todas as questões relativas à validade de actos pré-contratuais inseridos num procedimento de direito público, reforça o entendimento de que se mantém a competência contenciosa dos tribunais administrativos em relação a actos pré-contratuais praticados por pessoas colectivas privadas, quando tais entidades se encontrem subordinadas à disciplina concorrencial de direito público";
5ª - Salvo o devido respeito, a recorrente, tal como a douta decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, perfilha entendimento contrário e considera que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito não fez uma correcta interpretação dos normativos acima citados, nem soube aplicar os devidos normativos abaixo referenciados.
6ª - É que, tal como o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a recorrente entende que no caso sub judice não consubstancia uma relação jurídico-administrativa, pois as Entidades Publicas Empresariais, tal como o A... EPE, regem-se pelo direito privado, estando sujeitas às regras gerais da concorrência nacionais e comunitárias, mas o foro competente para apreciar os litígios são os Tribunais Judiciais.
7ª - De facto, o A... EPE, por força do disposto no DL n° 93/2005, de 7 de Julho, foi transformado em Entidade Pública Empresarial, aplicando-lhe o regime constante do DL n.º 233/2005, de 29 de Dezembro e do DL n° 558/99, de 17 de Dezembro, cfr. o disposto no art. 5.°, n° 1 do diploma citado.
8ª - Pelo que e de acordo com o art. 7º do DL n° 558/99, de 17 de Dezembro, as Empresas Públicas regem-se pelo direito privado, "salvo no que estiver disposto no presente diploma e nos diplomas que tenham aprovado os respectivos estatutos".
9ª - Referindo o art. 18. ° que para o julgamento dos litígios respeitantes a actos praticados e a contratos celebrados no exercício dos poderes de autoridade a que se refere o art. 14.°, são as empresas públicas equiparadas a entidades administrativas e nos demais litígios, seguem-se as regras gerais de determinação da competência material dos Tribunais.
10ª - Cfr. o art. 23.° do DL n.°558/99, de 17 de Dezembro, aplica-se às Entidades Empresariais o disposto no mesmo.
11ª - E de acordo com o art. 13. ° do DL n.º 233/2005, de 29 de Dezembro, "a aquisição de bens e serviços e a contratação de empreitadas pelos Hospitais EPE regem-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do regime comunitário relativo à contratação pública ".
12ª - Ou seja, a aquisição de bens e serviços, quando praticados pelos Hospitais EPE, se rege pelas normas de direito privado, e não pelo direito público (administrativo) tal como entendeu o Tribunal a quo.
13ª - O acto referente à adjudicação de um concurso, também não consta no elenco do art. 14.° do DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro, não podendo assim considerar que o mesmo resultasse do exercício de um poder ou prerrogativa de autoridade.
14ª - Por outro lado, e ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo e defendem as recorridas, ao processo concursal em causa não se aplica o DL n.º 197/99, de 8 de Julho.
15ª - Pois, de acordo com a alínea b) do art. 2.° do DL n.º 197/99, de 8 de Julho, ao concurso concursal aplica-se "aos organismos públicos dotados de personalidade jurídica, com ou sem autonomia financeira, que não revistam natureza, forma e designação de Empresa Pública".
16ª - Ora, também o Acórdão 0980/05, de 17/01/2006, refere "as empresas públicas e as pessoas colectivas de natureza empresarial não são abrangidas no âmbito de aplicação pessoal das normas da contratação pública contidas no DL n.º 197/99, de 8 de Julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 97/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro, e estabelece o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços, cfr. o art. 2.°, alínea b) do DL n.º 197/99, de 8 de Julho.
17ª - Igualmente o Acórdão 0266/05, de 5 de Abril de 2005 referiu que ao estabelecer que o art. 2. °, alínea b) do DL n.º 197/99, de 8 de Julho se aplica aos "organismos públicos, que não revistam natureza e designação de empresas públicas", expressamente está a afastar a sua aplicação às empresas públicas.
18ª - Por conseguinte o A... EPE não é abrangido no âmbito de aplicação das normas da contratação pública vertidas no DL n.º 197/99, de 8 de Junho.
19ª - E estando em causa a aquisição de bens e serviços por parte dos Hospitais EPE, os actos praticados, nesse âmbito, são de natureza privada e não pública (administrativa), pelo que não compete aos Tribunais Administrativos dirimir tais conflitos.
20ª - Na verdade, nos termos do art. 1.0 do ETAF, aos Tribunais Administrativos compete administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas e fiscais, pelo que, não havendo neste caso concreto uma relação jurídico-administrativa, não tem competência o Tribunal Administrativo para dirimir tal conflito.
21ª - É que todos os pedidos formulados pelas Recorridos no requerimento inicial vêm na sequência do concurso realizado pelo A... EPE, e tem o mesmo efeito pretendido com a suspensão do acto de adjudicação.
22ª - Pelo que, está no âmbito de fiscalização do exercício de actividade de determinadas empresas e não no âmbito de uma relação jurídico-administrativa.
23ª - Pois a contratação dos serviços aqui em causa serão sempre de natureza privada e não pública, pelo que não serão os Tribunais Administrativos competentes para analisar a pretensão em causa.
24ª - Também, e de acordo com o art. 32.° da Portaria 1301-A/2002, de 28 de Setembro e art. 40 n.º 1, alínea 1) do ETAF, a violação das situações invocadas pelas recorridas no seu requerimento inicial caí no âmbito do ilícito contraordenacional, estando assim afastada da apreciação dos Tribunais Administrativos".
O recorrente A..., EPE, termina as suas alegações da forma seguinte:
"1. Considerando que a determinação da competência para conhecer dos conflitos emergentes da contratação pelos hospitais E.P.E. celebrada no quadro do art.13° do DL. n°233/2005 de 29 de Dezembro encerra relevância jurídica e social, sendo também a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.
2. Pois que importa relevantemente à segurança do comércio jurídico e do prestígio das instituições e do Estado, saber com certeza, efectivamente, qual o domínio do contencioso, civil ou administrativo, aplicável nesta sede.
3. Questão controversa, desde logo por força das decisões proferidas no processo em apreço, em sentido oposto.
4. Que adere ao recurso interposto pela contra-interessada Cruz Vermelha Portuguesa, Delegação de Pereira".


Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art°146°, n° 1 do CPTA, emitiu o seguinte parecer:
"1. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do Tribunal Central Sul que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, julgando a jurisdição administrativa competente em razão da matéria para conhecer da providência cautelar de intimação e suspensão de eficácia intentada por B... Lda. E C... Lda. Contra o A..., EPE, de Leiria.


2. Essencialmente, são os seguintes os fundamentos do recurso:
- O A... EPE, por força do disposto no DL 93/2005, de 07.07, foi transformado em entidade pública empresarial, aplicando-se-lhe o regime constante do DL n° 233/2005, de 29.12 e do DL n° 558/99, de 17.12; Cfr. o art°23° deste último diploma - aplica-se às entidades empresariais o disposto no mesmo;
- De acordo com o art°7° do DL n° 558/99, de 17.12, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver disposto no presente diploma e nos diplomas que tenham aprovado os respectivos estatutos, referindo o art°18° do mesmo diploma que para o julgamento dos litígios respeitantes a actos praticados e a contratos celebrados no exercício dos poderes de autoridade a que se refere o art°14°, são as empresas públicas equiparadas a entidades administrativas e nos demais litígios, seguem-se as regras gerais de determinação da competência material dos tribunais;
- De acordo com o art°13° do DL n° 233/2005, de 29.12, a aquisição de bens e serviços e a contratação de empreitadas pelos hospitais EPE regem-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do regime do direito comunitário relativo à contratação pública;
- O acto referente à adjudicação de um concurso, também não consta no elenco do art°14° do DL n° 558/99, de 17.12, não podendo assim considerar que o mesmo resultasse de exercício de um poder ou prerrogativa de autoridade;
- Por outro lado, ao processo concursal em causa não se aplica o DL n° 197/99, de 08.07, pois de acordo com a alínea b) do art°2° do DL n° 197/99, de 08.07, este diploma aplica-se aos organismos públicos dotados de personalidade jurídica, com ou sem autonomia financeira, que não revistam natureza, forma e designação de empresa pública;
- Estando em causa a aquisição de bens e serviços por parte dos Hospitais EPE, os actos praticados nesse âmbito, são de natureza privada e não pública (administrativa), pelo que não compete aos Tribunais Administrativos dirimir tais conflitos - art°1° do ETAF;
- Também e de acordo com o art°32° da Portaria 1301-A/2002, de 28.09 e art. 4°, n° 1, alínea 1) do ETAF, a violação das situações invocadas pelas recorridas no seu requerimento inicial cai no âmbito do ilícito contraordenacional, estando, assim, afastada dos Tribunais Administrativos.
Em nosso entender esta argumentação é de todo irrelevante para efeitos de se definir qual a jurisdição competente para conhecer do pedido em causa.
A circunstância de o contrato estar sujeito a um regime substantivo de direito privado e de as partes serem sujeitos de direito privado não afasta, à partida, a jurisdição administrativa, para efeitos de resolução das questões relacionadas com a sua interpretação, validade e execução.
Nos termos do art°4°, n° 1, alínea e), do actual ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
À luz deste normativo os contratos cuja interpretação, validade ou execução pertence à jurisdição dos tribunais administrativos, são quaisquer contratos - administrativos ou não, entre a Administração e um privado ou entre privados - que uma lei específica submeta ou admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito administrativo.
A este propósito escrevem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira1: A referência à existência de uma lei específica sobre a obrigação ou permissão de recurso a um procedimento de contratação administrativa não deve ser tomada, parece-nos, num sentido mais ou menos rigoroso, de maior ou menor generalidade dessa lei. Tal referência vem, sim, do facto de em relação aos contratos de direito privado, mesmo os da Administração, não haver uma disposição geral do ordenamento jurídico - como a do art°181° e, em certa medida, do art°183°, do CPA - sobre a procedimentalização (administrativa) da sua formação, pelo que basta que exista uma qualquer lei, mais ou menos generalizante, a dispor que um contrato privado (da Administração ou de um sujeito privado) está ou pode ser sujeito a tal procedimento para que a estatuição desta alínea funcione (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume 1 e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, anotados, p. 52).
Esta é, aliás, uma solução legal que não tem sido isenta de críticas (escreve Sérvulo Correia, in Direito do Contencioso Administrativo, vol. 1, p. 716: "Não se nos afigura avisada a solução, que se depreende da alínea e) do n° 1 do art°4° do ETAF, de submeter à jurisdição dos tribunais administrativos questões atinentes à interpretação, validade e execução de contratos entre sujeitos de direito privado e com um regime substantivo de direito privado só porque lei específica os submeta a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público. Situações procedimentais desta ordem poderão tornar-se frequentes por imposição do Direito Comunitário apenas motivada pelo regime concorrencial na adjudicação e sem alteração da essência privada dos contratos").
Respeitando a mesma a determinados casos, especiais, decorrentes de terminado regime específico, aplicável ao procedimento pré-contratual, não faz sentido fazer apelo, para a afastar, a normas como as dos arts. 70º, 14° e 18°, do DL n°558/99, de 17.12.
O próprio art.°13° do DL n° 233/2005, de 29.12, citado pelos recorrentes, admite tal solução, ao dispor que "a aquisição de bens e serviços e a contratação de empreitadas pelos hospitais EPE, regem-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação do regime do direito comunitário relativo à contratação pública" .
Para que neste caso concreto seja a jurisdição administrativa a competente, basta que haja uma lei específica nos termos da qual a adjudicação em causa - de fornecimento de serviços de transporte de doentes em ambulância - integre um procedimento pré-contratual regido por normas de direito público, ainda que tal na realidade não tenha ocorrido.
Por outro lado, improcede a argumentação fundada no apelo à norma do art°2°, alínea b), do DL 197/99, de 08.06.
A este propósito importa realçar que, embora as empresas públicas não fossem abrangidas pelo âmbito de aplicação pessoal do art°2°, alínea b), do DL n° 197/99, de 08.06, não eram, à partida, excluídas da aplicação desse diploma, pois sempre haveria que ponderar a aplicação do regime de direito público por força de directiva comunitária em vigor e dos seus efeitos directos, como adiante se verá.
Acresce que subjacente aos pedidos formulados na providência está a impugnação de um acto de adjudicação de fornecimento de serviços de transporte de doentes em ambulância, pelo que, não obstante terem sido alegadas situações que eventualmente consubstanciem ilícitos contraordenacionais, a questão da competência em razão da matéria, ligada à questão de saber qual o regime do procedimento pré-contratual, ultrapassa necessariamente o âmbito de tais ilícitos, relacionados com a violação da regulamentação da actividade de transporte de doentes.
Por esta via, improcede a argumentação aduzida nas alegações de recurso.
Todavia, haverá que prosseguir a análise no sentido de se apurar se, mesmo assim, o acórdão recorrido será de manter, face a outras questões que se suscitam e que importa ter em conta, já que estamos perante matéria, respeitante ao âmbito da jurisdição administrativa e à competência dos tribunais administrativos, que é de ordem pública (art°13° do CPTA).
Vejamos, então.
À data da abertura do concurso em causa (cfr anúncio de abertura), já não estava em vigor a Directiva 931361CEE, do Conselho, de 93.06.14, a que alude a sentença. Esta Directiva, que fora transposta para a ordem jurídica interna pelo DL n° 197/99, de 08.06, havia sido revogada pela Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2004.03.31.
Estava então em vigor esta última Directiva 2004/18/CE, respeitante à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. A sua vigência iniciara-se em 2004.04.30, de acordo com o art°83°, sendo que a data limite da sua transposição para a ordem jurídica interna portuguesa, à luz do art°80°, n° 1, fora 2006.01.31.
A transposição para o direito interno português ocorrera com o Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL n° 18/2008, de 29.01, mas o Código só viria a entrar em vigor depois, seis meses após a publicação desse Decreto-Lei (cfr art°18°).
Como é sabido, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem aplicado a tese do "efeito directo" das directivas3. E como também se tem vindo a entender na jurisprudência deste STA, as directivas comunitárias, na parte em que as respectivas disposições se apresentam prescritivas, claras, completas, precisas e incondicionais, são susceptíveis de produzir efeitos directos verticais, ou seja, podem ser invocadas contra as autoridades públicas se não tiverem sido transpostas para o direito interno, ou, tendo-o sido, foram-no deficientemente - cfr, por todos, o acórdão deste STA de 2006.01.17, no processo n° 980/05, onde também, é citada jurisprudência do TJCE.
Face ao estipulado no art°1°, n° 9, da Directiva 2004/18/CE, interessará analisar se o A..., EPE, integra ou não o conceito de organismo de direito público, cumprindo cumulativamente os seguintes três requisitos (Sobre a matéria cfr Cláudia Viana, in Os princípios Comunitários na Contratação Pública, 2007, p. 595 e seguintes):
- organismo criado para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral com carácter não industrial ou comercial;
- dotado de personalidade jurídica; e
- cuja actividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público; ou cuja gestão esteja sujeita a controlo por parte destes últimos; ou em cujos órgãos de administração, direcção ou fiscalização mais de metade dos membros sejam designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.
Parece não haver dúvidas de que tais requisitos se verificam.
O A... EPE, foi transformado em entidade pública empresarial por força do DL n° 93/2005, de 2912.
Rege-se pelo regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais, pelo DL 233/2005, de 29.12, bem como pelos Estatutos constantes dos anexos 1 e II, e, pelas normas em vigor para o Serviço Nacional de Saúde - cfr art. 50º, n°2, do DL n° 233/2005, de 29.12.
Em conformidade com o art°5°, n° 1, deste último diploma e com o art. 1°, n° 1 dos Estatutos dos Hospitais EPE, a entidade requerida é uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos do DL n° 558/99, de 17.12, e do art°18° do anexo da Lei 27/2002, de 08.11.
Por outro lado, de harmonia com o art°2°, n°1, dos citados Estatutos, o hospital EPE tem por objecto principal a prestação de cuidados de saúde à população, designadamente aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde e aos beneficiários dos subsistemas de saúde, ou de entidades externas que com ele contratualizem a prestação de cuidados de saúde, e a todos os cidadãos em geral.
Sobre o conceito de "organismo de direito público", cfr, ainda, Cláudia Viana, in ob. cit., p. 420 e seguintes.
E à luz do n° 2, do mesmo artigo, o hospital EPE também tem por objecto desenvolver actividades de investigação, formação e ensino, sendo a sua participação na formação de profissionais de saúde dependente da respectiva capacidade formativa, podendo ser objecto de contratos-programa em que se definam as respectivas formas de financiamento.
Conclui-se, pelo que se acaba de expor, que ocorrem o primeiro e segundo requisitos.
Quanto ao requisito referido em terceiro lugar, o mesmo verifica-se igualmente.
Conforme estabelece o art. 40º n° 2, dos Estatutos, o capital estatutário é detido pelo Estado. Acresce que, sendo órgãos do hospital EPE o conselho de administração, o fiscal único e o conselho consultivo, os membros dos dois primeiros são nomeados por membros do Governo (os membros do conselho de administração por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde e o fiscal único por despacho do Ministro das Finanças).
Tendo-se concluído, neste caso, que a entidade adjudicante é abrangida pelo âmbito subjectivo de aplicação da Directiva 2004/18/CE, haverá que ponderar se o contrato em causa cai no âmbito objectivo de aplicação da mesma Directiva.
Considerando o objecto do concurso, nos termos a que aludem o ponto 1 do anúncio e o art. 1° do caderno de encargos (fornecimento de serviços de transporte de doentes em ambulância), sem qualquer alusão a serviços de saúde, concluímos estarem em causa os "serviços de transporte terrestre" integrados no anexo II A, categoria 2 da Directiva.
Acontece, porém, que a Directiva estabelece limiares quantitativos.
Em casos como o que se analisa, o contrato será abrangido pela Directiva se o seu valor, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), for igual ou superior a 206.000 euros, nos termos do art°7°, alínea b)5.
Atentas as alterações introduzidas pelo art°2° do Regulamento (CE) n° 1874/2004 da Comissão, de 28.10 e pelo art°2° do Regulamento (CE) n° 2083/2005 da Comissão, de 19.12 e pela alínea b) do n°2 do art°2° do regulamento (CE) n° 1422/2007 da Comissão, de 04.12.
Neste caso, em particular, não dispõem os autos de elementos que revelem o valor do contrato de prestação de serviços.
O acórdão recorrido, por ter decidido sobre a questão da competência, não obstante a insuficiência da matéria de facto, não se poderá, assim, manter.


3. Nestes termos, emitimos parecer no sentido de que deverá ser
concedido provimento à revista, atentas as razões expostas, ordenando-se a baixa dos autos ao TCA, para efeitos de realização das diligências em falta e demais termos".
Sobre este parecer do Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se o A..., EPE, nos seguintes termos:
1- O Réu A..., E.P.E., mantém toda a matéria que articulou em sede de contestação e recurso.
2- No que toca à fundamentação expendida pela Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, quanto ao provimento do recurso, que secunda, o R. sublinha o seguinte:
3- No seu Douto Parecer, a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, equaciona a possibilidade da aplicabilidade da Directiva 2004/18/CE.
4- Nesse contexto, considera - como as recorridas -, que o objecto do concurso, fornecimento de serviços de transporte de doentes em ambulância, é um "serviço de transporte terrestre", integrado no Anexo II A, categoria 2, da Directiva.
5- Salvo o devido respeito, tal opção carece de fundamentação e de fundamento.
6- Sob este aspecto, o R. reitera a sua posição:
7- A contratação em análise, não é uma contratação de serviços de transporte terrestre.
8- O transporte de doentes em ambulâncias consta da Classificação Portuguesa das Actividades Económicas na Secção Q para actividades de saúde humana e apoio social, na subclasse 86.902, e não na secção H relativa a transportes e armazenagem - cfr. CAE - Ver. 3, D.R. II Série, n° 92 de 14 de Maio de 2007.
9- E também consta na nomenclatura CPC (Common Procurement Vocabulary) na secção relativa aos serviços sociais e de saúde e não na de transportes.
10- O requerido tem por objecto principal a prestação de cuidados de saúde à população - cfr. Artº2°/1 dos Estatutos, em anexo II ao DL. nº 233/2005.
11- A contratação em apreço, de serviço de transporte de doentes em ambulância, é um serviço de saúde e de carácter social.
12- Mas ainda que assim se não entendesse, sempre se trataria de um serviço de transporte de apoio e auxiliar.
13- Em qualquer dos casos, um serviço dos previstos no anexo II B à Directiva 2004/18/CE.
14- Dispõe o art. 210º da Directiva, que os contratos de serviços enumerados no anexo II B, estão sujeitos apenas ao art. 23° e ao n° 4 do art. 350
15- O que sucede, pois, independentemente do valor do concurso, sem conceder quanto a esta matéria específica.
16- Ora, a Directiva, afasta os contratos a que se refiram a prestações de serviços enumerados no seu anexo II B, do regime geral que estatui.
Também sobre tal parecer se pronunciou a B... Lda. e C... Lda., nos seguintes termos:
«1- Sem sequer se debruçarem sobre a bondade e justeza do doutamente aduzido pela Ex.Ma Procuradora Geral Adjunta, faz-se notar que o M.P. se olvidou de uma questão fulcral.
2-É que o douto Acórdão do TCA Sul, de 5/03/2009, deu provimento total ao recurso interposto pelas exponentes: "Mostrando-se, assim, procedentes todas as conclusões das alegações das recorrentes...".
3-Sendo que o recurso que esteve na génese do douto e referido Acórdão do TCA Sul incidia sobre duas vertentes: uma relativa ao regime de contratação dos Hospitais EPE (quanto à qual a Dig.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer), outra quanto à competência dos tribunais administrativos em litígios que tenham por objecto a promoção da prevenção, da cessação ou da perseguição judicial de infracções cometidas por entidades públicas contra valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública (quanto à qual a Dig.ma Procuradora-Geral-Adjunta se não pronunciou nem teve em conta no seu parecer).
4-Tendo o douto Acórdão do TCA Sul dado provimento ao recurso das ora exponentes (também) por ter dado provimento à alegação de violação (pela sentença de 1ª instância) da alínea 1) do n° 1 do art. 4° do ETAF, posto que este Venerando Supremo Tribunal convalide o douto Acórdão do TCA Sul quanto à competência dos Tribunais Administrativos (para a questão em apreço) por força da dita alínea 1) do nº1 do art. 4º do ETAF, para que não seja dado provimento à revista.
5-É que, se a revista só incidiu sobre um dos motivos (e correspondente normativo) pelo qual o TCA Sul considerou verificar-se a competência dos Tribunais Administrativos, tal decisão manter-se-á válida desde que o segundo pressuposto do Acórdão do TCA Sul (competência do foro administrativo nos termos do art. 4°, 1, al. 1) do ETAF) não seja posto em crise».
Nas instâncias foi dada como assente a seguinte matéria de facto:
1ª- Através do Anúncio datado de 27 de Março de 2008 foi aberto concurso público pela entidade requerida para fornecimento de Serviços de Transporte de doentes em ambulância, com o Caderno de Encargos e Programa de Concurso constantes do doc. Nº6 anexo ao RI e que aqui se dá por reproduzido;
2ª - As requerentes candidataram-se e foram ao concurso em causa (doc. Nº7 e 18 anexos ao RI).
A questão, objecto da revista, posta em destaque no acórdão preliminar sobre a sua admissibilidade é a de apurar quem são as entidades adjudicantes a quem se aplica o regime jurídico de formação dos contratos públicos, para além das pessoas colectivas de direito público, isto é, a extensão do âmbito de aplicação pessoal determinado pelo art.º3.º do DL 197/99 no âmbito nacional, e no âmbito comunitário pelo art.º1.º -b) da Directiva 92/50/CEE, ou art.º1.º da Directiva 93/36/CEE, (alteradas pela, Directiva 97/52 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro).
Segundo a tese do tribunal de 1ª instância (TAF de Leiria), secundada pelos ora recorrentes são os tribunais comuns, por que estando em causa a aquisição de bens e serviços por parte dos Hospitais EPE, os actos praticados, nesse âmbito, são de natureza privada e não pública (administrativa), pelo que não compete aos Tribunais Administrativos dirimir tais conflitos. Na verdade, nos termos do art. 1º do ETAF, aos Tribunais Administrativos compete administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas e fiscais, pelo que, não havendo neste caso concreto uma relação jurídico-administrativa, não tem competência o Tribunal Administrativo para dirimir tal conflito. A fundamentar esta decisão, está o entendimento segundo o qual, por se tratar de uma EPE, o A... se regeria por normas de direito privado, não estando por isso o acto de adjudicação sujeito às regras do DL n.º 197/99 de 8 de Junho, nos termos do disposto no art. 2º alínea b) desse mesmo diploma.
Já o TCAS entendeu que "estando em causa o conhecimento dos pedidos cautelares de intimação do A..., EPE, e a suspensão de eficácia do acto de adjudicação proferido pelo seu Conselho de Administração, que impeçam o fornecimento de transportes de doentes pelas contra interessadas. Tendo em atenção a natureza pública dos interesses em jogo, e a legislação comunitária aplicável (Directiva nº2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 31/3/2004), mostram-se efectivamente tais matérias sujeitas ao conhecimento dos tribunais da jurisdição administrativa".
Conheçamos, pois, da questão que é posta para resolução a este tribunal, ou seja, qual o tribunal materialmente competente.
A Constituição da República Portuguesa no nº1 do artº211º estabelece que os "tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais". E o n.º 3 seguinte delimita a jurisdição administrativa pelo objectivo de "dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais", objectivo esse que o art.º4.º do ETAF (aprovado pela Lei 13/2002, de 17/02) concretizou estatuindo que cabe aos Tribunais Administrativos e Fiscais a tutela dos "direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo e fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal." (vd. a al. a] do seu n.º 1).
O que quer dizer que, por um lado, a jurisdição dos Tribunais Judiciais se define por exclusão, já que lhes cabe julgar todas as causas que não sejam especialmente atribuídas a outras espécies de Tribunais (vd. também arts.66° do CPC e 18° n.º1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei nº3/99, de 13/01.) e, por outro, a jurisdição dos tribunais administrativos se determina por natureza e atribuição, já que a estes compete administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artº1º nº1 do ETAF).
Assim, há que indagar se no caso presente se está perante um litígio emergente de uma relação jurídico administrativa, hipótese cujo conhecimento pertence aos tribunais da jurisdição administrativa, como se viu.
Escreve Vieira de Andrade que "a noção de relação jurídica administrativa para efeitos de delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa, deve abranger a generalidade das relações jurídicas externas ou intersubjectivas de carácter administrativo, seja as que se estabeleçam entre os particulares e os entes administrativos, seja as que ocorram entre sujeitos administrativos" (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa-Lições, 8ª ed., pág.55).
O conceito de relação jurídica administrativa pode, contudo, ser tomado em diversos sentidos.
Em sentido subjectivo, onde se inclui qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, designadamente uma pessoa colectiva, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação. Já em sentido predominantemente objectivo, abrangeria as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo. E há ainda um outro sentido, que faz corresponder o carácter «administrativo» da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa. Resultaria do contexto constitucional que o domínio considerado próprio dos tribunais administrativos abrange as relações jurídicas que correspondam ao exercício da função administrativa, entendida no sentido material.... Na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de «relação jurídica administrativa», no sentido estrito tradicional de relação jurídica de direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração - sobretudo na medida em que considere, como defendemos, que esta definição substancial se refere apenas ao âmbito nuclear ou de princípio da jurisdição administrativa, não excluindo soluções justificadas de alargamento ou de compressão da respectiva competência por parte do legislador.... A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado... Lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público, legalmente definido. A utilização de um critério material de delimitação pressupõe, então, a existência de um regime de administração executiva, em que se define um domínio de actividade, a função administrativa, e, nesse contexto, um conjunto de relações onde a Administração é, tipicamente ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público" (A Justiça Administrativa - Lições - 8ª edição, págs. 56 e segs.).
Em concordância com o que se acaba de transcrever, para se estar na presença de uma relação jurídica administrativa torna-se necessário que um dos seus sujeitos (podendo ser os dois) seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público, legalmente definido. A utilização de um critério material de delimitação pressupõe, então, a existência de um regime de administração executiva, em que se define um domínio de actividade, a função administrativa e, nesse contexto, um conjunto de relações onde a Administração é, tipicamente ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público - é por isso que se justifica um sistema de regras e de princípios diferentes das normas de direito privado, que formam uma ordem jurídica administrativa; será aí que se justificará a existência de uma ordem judicial diferente da ordem dos «tribunais judiciais»".
Mas precisando mais o seu pensamento escreve Vieira de Andrade, "em síntese para efeito de exclusão do contencioso administrativo, são de considerar relações jurídicas administrativas internas ou intrapessoais: a) as relações entre órgãos administrativos dentro da mesma pessoa colectiva (ao que parece, mesmo que se trate de órgãos de diferentes ministérios, apesar de cada um destes constituir uma organização hierarquizada com atribuições próprias - cfr. artigo 42º nºs 2 e 3 do CPA; b) as relações entre órgãos administrativos e os respectivos membros ou titulares, bem como; c) as relações (ditas «orgânicas») entre os órgãos de uma instituição e os funcionários, utentes ou sujeitos de relações especiais de direito administrativo ligados a essa instituição, na medida restrita do respectivo vínculo funcional.
Em contraposição, para efeito de inclusão no contencioso administrativo, devem considerar-se relações jurídicas administrativas externas ou interpessoais: a) as relações jurídicas entre a Administração e os particulares, incluindo: i) as relações entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas «relações gerais de direito administrativo»), mas também; ii) as relações entre as organizações administrativas e os membros, utentes ou pessoas funcionalmente ligados a essas organizações (as chamadas «relações fundamentais» no contexto das «relações especiais de direito administrativo» ) e; iii) as relações entre entes que actuem em substituição de órgãos da Administração (no contexto do exercício privado de poderes públicos, por exemplo, os tradicionais concessionários, capitães de navios ou de aeronaves, federações de utilidade pública desportiva, a que se juntam hoje múltiplas entidades credenciadas para o exercício de funções de autoridade) e os particulares; b) as relações jurídicas administrativas, incluindo: i) as relações entre entes públicos administrativos, mas também,; ii) as relações jurídicas entre entes administrativos e outros entes que actuem em substituição de órgãos da Administração, e ainda; iii) certas relações jurídicas entre órgãos de diferentes entes públicos (quando a circunstância de se tratar de órgãos de pessoas colectivas distintas puder ser considerada decisiva ou dominante para a caracterização da relação, como, por exemplo, no caso da delegação de atribuições)(ob. cit. Fls .66 a 68).
Ora no caso dos autos, como qualificar juridicamente o A... EPE?
Uma das tarefas fundamentais do Estado é a de promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo (artº9º al.d) da CRP).
Por sua vez, o artº64º da Constituição diz-nos que "todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover" (nº1), realizando-se o direito à protecção da saúde através de um serviço nacional de saúde universal e geral, tendencialmente gratuito (nº2 al.a)) e para assegurar o direito de protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado garantir o acesso de todos os cidadãos aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação (nº3 al.a)) e disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e qualidade (nº3/d), devendo o serviço nacional de saúde ter gestão descentralizada e participada (nº4).
O Serviço Nacional de Saúde há-de englobar todos os serviços públicos de saúde, unificando-os numa única estrutura organizatória, embora descentralizada (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., pág. 342 e ss.).
O direito à protecção da saúde é configurado como um direito a prestações positivas do Estado - desde logo, de natureza jurídica, e, depois, de carácter material (em bens e serviços) - apresentando-se, nesta medida, como um direito cuja precisa dimensão está dependente de uma interposição do legislador, ou seja, de uma intervenção legislativa - e, antes de mais, de uma Lei de Bases (Lei nº48/90, 24/8, alterada pela Lei nº27/2002 de 8/11) - que o concretize (isto é, que venha a definir as concretas faculdades que integram o direito e os concretos meios postos para a respectiva satisfação) e, assim, viabiliza efectiva e praticamente a possibilidade do exercício do mesmo direito. Resulta da Constituição, preceitos acima referidos, ser inequívoca a função pública e social da saúde e da medicina (Jorge Miranda e Rui de Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo 1º, pág. 652 e 661; vd. Carla Amado Gomes, Defesa da Saúde, págs. 22 e segs.; Ac. do Tribunal Constitucional nº30/89).
A esta natureza pública se refere a Base III da Lei de Bases da Saúde ao estatuir que "a legislação sobre saúde é de interesse e ordem pública, ...".
E visando o sistema de saúde a efectivação do direito à protecção da saúde, O Estado actua através de serviços próprios (Base IV da LBS), sendo o sistema de saúde constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades, abrangendo o SNS todas as instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde (Base XII da LBS).
Os Hospitais Públicos integravam a chamada administração estadual indirecta, pois que se tratarem de entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada à realização de fins do Estado (Marcelo Caetano, Manual, I, pág. 187; Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. 1º, 2ª ed., pág. 333), tendo a natureza de institutos públicos.
Devendo o Estado satisfazer interesses múltiplos, necessita de outras pessoas colectivas públicas que se substituam a ele para prosseguir um determinado fim, no caso dos hospitais públicos, o da saúde.
Porém, a Lei nº27/2002, de 8/11 que aprovou o novo regime jurídico de gestão hospitalar veio estabelecer que os hospitais públicos passariam a poder revestir a natureza de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos ou de estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial, sendo que o processo de empresarialização da gestão hospitalar tem em vista a melhoria do desempenho, da eficiência e da qualidade do Serviço Nacional de Saúde (preâmbulo do DL. nº27/2002, de 8/11).
O DL. nº93/2005, de 7/6 veio transformar as sociedades anónimas criadas pela Lei nº27/2002 em entidades públicas empresariais, referindo-se no artigo 3º que "as entidades públicas empresariais se regem pelo regime jurídico aplicável às entidades públicas empresariais e pelas normas especiais cuja aplicação decorra do seu objecto social e dos seus regulamentos", ficando sujeitas ao poder de superintendência do Ministro da Saúde e aos poderes de tutela conjunta dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, nos termos e para os efeitos previstos no DL. nº558/99 de 17/12 (artº5º do citado DL. nº93/2005 de 7/6).
Pelo DL nº233/2005, de 29/12, entre outros hospitais, o A..., S.A. passou a A... EPE., mantendo tais hospitais a sua natureza pública mas ao mesmo tempo compatibilizando-os com os instrumentos de gestão mais adequados à natureza específica das suas actividades.
O artº5º nº1 do DL. nº233/2005, de 29/12 refere que "as entidades públicas empresariais abrangidas pelo presente decreto-lei são pessoas colectivas de direito público de natureza empresarial dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial nos termos do DL. nº588/99, de 17/12, e do artigo 18º do anexo da Lei nº27/2002, de 8/11". E acrescenta-se no nº2 que "os hospitais EPE se, regem pelo regime aplicável às entidades públicas empresariais, com as especificidades previstas no presente decreto-lei e nos seus Estatutos dos anexos I e II, bem como nos respectivos regulamentos internos e nas normas em vigor para o Serviço Nacional de Saúde que não contrariem as normas aqui previstas".
Esta ideia de que o hospital EPE é uma pessoa colectiva de direito público com a natureza empresarial está novamente afirmada no artigo 1º nº1 dos Estatutos de tais hospitais (Anexo II ao citado DL. nº233/05).
A Resolução do Conselho de Ministros nº38-A/2007 de 11/1/2007, sublinhou a natureza empresarial de tais hospitais ao referir que "a melhoria da prestação de cuidados de saúde no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, assentava na criação de condições que possibilitem a melhor gestão dos hospitais, unidades hospitalares e centros de saúde e a articulação crescente destas instituições entre si. Este desiderato seria atingido pela via da transformação daquelas instituições em entidades públicas empresariais, na medida em que este modelo permite compatibilizar a autonomia da gestão com a sujeição a tutela governamental, conforme estabelecido no regime jurídico do sector empresarial do estado aprovado pelo DL. nº558/99, de 17/12".
Esta mesma ideia veio repetida aquando da criação de mais hospitais EPE pelo DL. nº50-A/2007 de 28/2, referindo no seu artigo 5º nº1 que "as entidades públicas empresariais criadas pelo presente decreto-lei se aplica com as necessárias adaptações o regime jurídico, financeiro e de recursos humanos, constante dos capítulos II, III e IV do DL. nº233/2005, de 29 de Dezembro".
De todos estes textos legais podemos concluir que os Hospitais Públicos revestem a natureza de entidades públicas empresariais, sendo pessoas colectivas de direito público de natureza empresarial dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial nos termos do DL. nº558/99, de 17/12 e do artigo 18º do Anexo da Lei nº27/2002, de 8/11.
Também o estatuto público deste grupo de hospitais é referido pela doutrina. Assim, escreve João Caupers que "no âmbito da administração indirecta ou instrumental do Estado (ou de uma região autónoma ou de uma autarquia local) deveremos distinguir dois grandes grupos de pessoas colectivas: as que possuem personalidade jurídica pública e as que a não têm. No primeiro grupo, o das pessoas colectivas de estatuto público, encontramos duas categorias: os institutos públicos e as entidades públicas empresariais...Note-se a propósito que, nos termos do DL. nº558/99, de 17/12, o conceito de «empresa pública» passou a designar duas espécies de unidades empresariais: a) as entidades públicas empresariais, espécie correspondentes às antigas empresas públicas em sentido jurídico-administrativo, dotadas, de personalidade jurídica pública e criadas por decreto-lei (cfr. arts. 23º e 24º nº1 do DL. nº558/99); b) as outras empresas públicas, correspondentes às antigas empresas públicas em sentido económico, sociedades de capitais públicos ou sociedades de interesse colectivo, desprovidas de personalidade jurídica pública e criadas como sociedades constituídas nos termos da lei comercial (cfr. artº3º nº1). Em conjunto, estes dois grupos de empresas públicas e um terceiro, constituído pelas empresas participadas, formam o sector empresarial do Estado (cfr. artigo 2º nº1 do DL. nº558/99)" (in Introdução ao Direito Administrativo, 7ª ed., págs. 91 e ss.).
Aqui chegados, temos por assente que o A... EPE, goza de um estatuto público, é uma pessoa colectiva de direito público, portanto com personalidade jurídica pública, criado por lei; desempenha em substituição do Estado uma das suas tarefas, que é a de prestação de bem estar (a saúde) aos cidadãos (arts. 9º e 64º da CRP), fazendo parte da administração estadual indirecta do Estado; está sujeito ao poder de superintendência do Ministro da Saúde e aos poderes de tutela conjunta dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde; de natureza empresarial dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Ora, no presente caso, o acto de adjudicação de serviços de transporte de doentes em ambulância (despacho de 17/5/2008 do Administrador Executivo do A..., EPE, ratificado por deliberação de 29/5/2008 do Conselho de Administração) integra-se na função administrativa deste estabelecimento hospitalar. Cai na situação referida por Vieira de Andrade das relações entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas «relações gerais de direito administrativo.
Por função administrativa entende Sérvulo Correia ser uma das funções do Estado, nela se devendo incluir não só a actividade de execução das leis prosseguida por iniciativa da Administração e no âmbito de relações jurídicas em que a Administração é titular de interesses diferentes dos da outra parte mas também a actividade cujo objecto directo e imediato consiste na produção de bens ou na prestação de serviços destinados à satisfação de necessidades colectivas, de harmonia com preceitos práticos tendentes a obter a máxima eficiência dos meios empregados (Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 29).
A função administrativa é definida por Marcelo Rebelo de Sousa, como o conjunto dos actos de execução de actos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder político do Estado-colectividade (Lições de Direito Administrativo, 1999, 1º vol., pág. 11 e 12).
Segundo este mesmo último autor e André Salgado de Matos, a função administrativa, positivamente, pode ser definida como a actividade pública contínua tendente à satisfação das necessidades colectivas em cada momento seleccionadas, mediante prévia opção constitucional e legislativa, como desígnios da colectividade política - ou seja os interesses públicos contingentes (in Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2ª ed., pág.39).
Entende Vieira de Andrade que resulta do contexto constitucional que o domínio considerado próprio dos tribunais administrativos abrange as relações jurídicas que correspondem ao exercício da função administrativa, entendida em sentido material (ob. cit., pág.56), assim devem ser incluídos no contencioso administrativo os litígios surgidos entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas relações gerais de direito administrativo).
Na verdade, o recorrente ao adjudicar os serviços de transporte de doentes em ambulâncias está a prosseguir uma tarefa incumbida ao Estado que é, como já se referiu, prestar os cuidados de saúde. Esta adjudicação é feita por uma entidade pública que tem um estatuto especial de sujeito público, ou seja com a presença de elementos de autoridade administrativa e que são reguladas pelo direito administrativo e no exercício da sua função administrativa.
Aliás a regulamentação da actividade de transportes de doentes só espelha o exercício desta referida função administrativa. A começar pelo DL. nº38/92 de 28/3 que logo no seu preâmbulo refere que "a actividade de transporte de doentes, independentemente de quem a exerce, assume grande relevância na prestação dos cuidados de saúde e está por isso mesmo, sujeita à disciplina e inspecção do Ministério de Saúde", "o exercício para a actividade da mesma depende de autorização do Ministro da Saúde" (artº2º nº1), "o atestado de capacidade profissional é emitido pelo Ministério da Saúde para a concessão de alvará" (artº3º nº1 al.c)), "as características dos veículos para transporte de doentes são fixadas por portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna e da Saúde" (artº6º nº2); "a identificação dos veículos de transportes de doentes é da competência de ambos aqueles ministros e os respectivos preços da competência do Ministro da Saúde" (arts. 9º e 10º).
Desta linha de orientação não foge o Regulamento do Transporte de Doentes (aprovado pela Portaria nº1147/2001, actualizado pelas Portarias nºs. 1301-A/2002 e 402/2007), onde se refere que "o exercício da actividade de transporte de doentes depende de autorização do Ministério da Saúde, ..." (ponto1.1), e "as taxas conducentes à emissão de alvará podem ser alteradas pelo Ministro da Saúde" (ponto 3.7.1).
Já na Portaria nº1301-A/2002 de 28/9 se referia no seu preâmbulo que "o Instituto Nacional de Emergência Médica e as administrações regionais de saúde ficavam responsáveis pela fiscalização da actividade privada de transporte de doentes", desde a passagem do alvará (ponto 1.2), ao licenciamento e vistoria das ambulâncias (ponto 10), à fiscalização da actividade privada de transporte de doentes (ponto 31) e com competência do processamento das contra-ordenações e da aplicação de coimas (ponto 35).
No sentido apontado, da competência dos tribunais administrativos para dirimir o presente litígio, já decidiu o Tribunal de Conflitos, em matéria semelhante, quando doutrinou que "o n.º 3 do seu art.º 212º (versão introduzida em 1989), delimita a jurisdição administrativa pelo objectivo de «dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», objectivo esse que o art.º 4.º do ETAF, aprovado pela Lei 13/2002, de 17/02 - aplicável por vigorar à data da propositura desta acção - concretizou estatuindo que cabe aos Tribunais Administrativos e Fiscais a tutela dos «direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo e fiscal ou decorrentes de actos jurídicos.» A função administrativa compreende o conjunto de actos destinados à produção de bens e à prestação de serviços tendo em vista a satisfação das necessidades colectivas, função que é desempenhada essencialmente por pessoas colectivas públicas, e, marginalmente, por pessoas colectivas privadas integradas na Administração Pública. Estão, assim, integrados na função administrativa os actos médicos praticados num hospital que, apesar de ter sido transformado em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, continuou integrado no Serviço Nacional de Saúde e a prosseguir as tarefas que legalmente que a este estão confiadas. Daí que sejam os Tribunais Administrativos os competentes para julgarem a acção proposta contra dois médicos de um hospital sociedade anónima com fundamento em actos médicos deficientemente prestados (Ac. de 2/10/2008-Conflito nº12/08).
Improcedem, em consonância com o que fica dito, as conclusões das alegações do recorrente.


Em concordância com tudo o exposto, nega-se provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 28 de Outubro de 2009.- Américo Joaquim Pires Esteves (relator) - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - Fernanda Martins Xavier e Nunes.