Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de janeiro de 2012 (proc. 1166/11)

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Sumário:

Atenta a sua relevância jurídica, é de admitir a revista quando, designadamente, as questões a dirimir envolvam a realização de operações lógico-jurídicas particularmente complexas, envolvendo a articulação de diferentes diplomas legais e sempre que tais questões sejam susceptíveis de se colocarem noutros casos.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
I - RELATÓRIO
1.1. A...... SA vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 27-10-2011, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ora Recorrida, Agência Nacional de Compras Públicas EPE, revogou a decisão do TAC de Lisboa, de 20-07-2011, que tinha julgado procedente o pedido impugnatório, "(...)da deliberação de 20/9/10 do Conselho de Administração da ANCP EPE, que aprovou o relatório final do Júri do "Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro de cópia e impressão", e julgado improcedente o pedido de condenação à prática do acto de qualificação da ora Recorrente no referido concurso (cfr. fls. 1 da sentença do TAC).
No tocante à admissão da revista, a Recorrente refere, nas conclusões das suas alegações, nomeadamente, o seguinte:
"1.ª - O presente Recurso Excepcional de Revista é interposto do Acórdão do TCA Sul de 27 de Outubro de 2011 para este Supremo Tribunal Administrativo tendo em vista a sua intervenção numa matéria tão importante para a actividade do Estado e dos agentes económicos no mercado único europeu;
2.ª - Com efeito, está aqui em causa matéria de grande importância para a defesa da concorrência no domínio da contratação pública no espaço económico europeu, pelo que, nos termos do artigo 150.°, n.° 1, do CPTA, justifica-se inteiramente a intervenção do STA no julgamento do presente recurso de Revista;
3ª - Aliás, este Supremo Tribunal, no seu Acórdão de 8/7/10, Proc. n.° 0275710, já decidiu que o princípio da concorrência constitui a trave mestra do Direito Comunitário como um objecto norteador na construção do espaço económico europeu, sendo um bem público essencial que não se compadece com práticas que lesem o consumidor ou o Estado, ou com formalismos exagerados que conduzam a um deficiente funcionamento do mercado, entorpecendo a concorrência entre os agentes económicos;
4.ª - Pretende-se assim com o presente recurso de Revista que este STA defina que as normas do Código dos Contratos Públicos têm de ser interpretadas face aos Princípios da Concorrência previstos no artigo 1.°, n.º 4, do CCP, mas igualmente a outros Princípios gerais de Dto. Administrativo com consagração constitucional, como é o caso do Princípio da Audiência Prévia previsto no art. 267.°, n.º 5, da CRP e artigos 2.°, n° 5 e 100º e seguintes do CPA;
(...)" - cfr. fls. 898-899.
1.2. Por sua vez, a ora Recorrida, Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, pronunciando-se sobre a não admissibilidade do recurso de revista, salienta, designadamente, nas conclusões das suas contra-alegações, o seguinte:
"(...)
C) Em suma: no presente caso, não estamos perante uma situação que assuma excepcional "relevância social e jurídica" e que exija, por isso, a intervenção desse Venerando Supremo Tribunal.
D) Por outro lado, e ao contrário do que alega a Recorrente, não se torna igualmente necessária a intervenção desse Venerando Supremo Tribunal para "melhor aplicação do direito", na medida em que o douto Acórdão recorrido não padece de qualquer erro de direito, e muito menos ostensivo, que justifique, porventura, uma alteração do sentido decisório.
E) Bem pelo contrário, em face da matéria de facto dada como provada e não contestada, as decisões contidas no douto Acórdão recorrido encerram correcta interpretação e aplicação do Direito ao caso vertente, não merecendo, por isso, qualquer censura.
F) No caso dos autos, as questões colocadas pela Recorrente, bem como a interpretação do direito aplicável ao caso concreto, não revestem particular dificuldade ao nível das operações lógico-jurídicas necessárias à resolução, porquanto a aplicação das normas e princípios invocados não acarretam qualquer dificuldade interpretativa fora do comum.
G) Acresce o facto de os interesses em jogo não ultrapassarem os limites do caso concreto, atenta a clareza da matéria dada como provada e, repita-se, não contestada pela Recorrente.
H) Em suma: Não se vislumbra minimamente, nem tão pouco a Recorrente o demonstra, que na apreciação feita pelo Tribunal recorrido exista qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada que imponha a admissão da revista como "claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
(...)" - cfr. fls. 27 das contra-alegações.
1.3. Cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a "Exposição de Motivos", do CPTA).
Vejamos, então.

2.2. Na sua decisão, de 20-07-2011 o TAC de Lisboa, julgou procedente o pedido impugnatório por entender que foi violado o princípio do inquisitório "(...) traduzido num deficit de apreciação da candidatura que pode influir na decisão de exclusão tomada, ou, pelo menos, na concreta fundamentação da mesma", já quanto ao pedido de condenação à prática do acto de qualificação da ora Recorrente julgou-o improcedente, considerando que "(...) não alega nem demonstra que tenha instruído a sua candidatura com todos os elementos utilizados pelo júri para a avaliação da capacidade financeira nem o resultado da aplicação da fórmula prevista para o efeito", sendo que, "o ónus da alegação e prova dos factos constitutivos do direito a ser qualificada cabia-lhe de acordo com o art.° 342.° do CC" - cfr. fls. 24 e 25 da sentença do TAC.
O TCA Sul, por sua vez, julgou improcedente o pedido impugnatório, concluindo, para tal, "que os requisitos mínimos da capacidade financeira exigidos pela ora Recorrente no art° 7 n° 2 do programa do concurso (PC) dados pela "correspondência entre os campos AO 109, AO112 e AO113 do modelo de declaração de IES para cálculo do EBITDA, conforme alínea a) do nº 1 do artigo 8° do PC", conforme itens 3 e 11 do probatório referente ao Relatório Preliminar e mantido no Relatório Final não foram comprovados pela ora Recorrida".
Salientou, também, que "segundo, a apresentação ao procedimento em 16.08.2010 do mod. 200 das Finanças de Espanha, relativo à empresa-mãe sedeada em Espanha, aquando do exercício do direito de audiência prévia na sequência da notificação do Relatório Preliminar do Júri com proposta de exclusão da candidatura, não pode assumir relevância probatória no domínio da comprovação da capacidade financeira exigida por lei e nos termos do programa do concurso na medida em que não é documento subsumível na previsão do art° 184° nº 2 e) in fine, CCP, pelas razões expostas supra" - cfr. fls.855-856.
Já a Recorrente discorda do decidido no Acórdão do TCA Sul, por entender, designadamente, que "para além de ter interpretado os arts 57.º, n.° 1, 146.°, n.° 2, alínea d) e 184.°, n.° 2, alínea e) do CCP, em violação do Princípio da Concorrência - artigo 4°, nº 1, do CCP, ao estatuir, sem mais, que a não apresentação de documentos no prazo fixado no PC, é erigida a um patamar de cominação de exclusão da proposta ou da candidatura, violou também o Princípio da Audiência Prévia previsto no artigo 267°, n° 5, da CRP e artigos 2°, nº 6 e 100 e seguintes do CPA". (cfr. fls. 895-896)
Ora, em face do que resulta dos autos, é de concluir que as questões que a Recorrente pretende ver tratadas implicam operações exegéticas de alguma dificuldade, tendo em vista interpretar, designadamente, o regime dos artigos, 183° n.° 1 e 184° n.° 2 alínea e) do CCP em matéria de esclarecimentos sobre documentos das candidaturas e de exclusão destas com fundamento na falta de documentos legalmente exigidos, ou seja, importa esclarecer, tendo em conta os Princípios Gerais do Direito Administrativo, designadamente, se se deve, ou não conceder um prazo ao candidato para regularizar a sua candidatura com o documento em falta o que tudo evidencia a relevância jurídica da questão em apreço, a qual, de resto, se pode vir a colocar noutros casos.
É, assim, de concluir pela verificação dos pressupostos de admissão do recurso de revista.

3 - DECISÃO
Nestes termos, acordam em admitir o recurso de revista do Ac. do TCA Sul, de 27-10-2011, devendo proceder-se à pertinente distribuição dos presentes autos.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2012. - José Manuel da Silva Santos Botelho (relator) - Rosendo Dias José - Luís Pais Borges.