Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Novembro de 2011 (proc. 784/11)

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Sumário:

Por carecer de especial relevo jurídico e social não é de admitir a revista de Acórdão do TCA que se centrou na questão da interpretação de um determinado ponto da proposta de um concorrente a um concurso público, questão essa que não apresenta dificuldade superior ao comum e que, para além mais, está intimamente relacionada com um quadro factual que se não mostra susceptível de ter paralelo em muitos outros casos.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:


I - RELATÓRIO
1.1. A......, Lda, vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 30-06-2011, que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou a decisão do TAC de Lisboa, de 18-02-2011, que no âmbito da acção de contencioso pré-contratual, decidiu "Não anular o acto que determinou a exclusão da A......, Lda e B......, Lda. do concurso", e "não anular o acto que adjudicou a prestação de serviços a favor da sociedade C......, Lda." (cfr. fls. 611)
No tocante à admissão da revista, a Recorrente refere, nas suas alegações, designadamente, o seguinte:
"O concurso público assume particular importância no âmbito da aquisição de bens e serviços pelo Estado e entidades públicas. No âmbito da economia de um país o volume de bens e serviços adquiridos pelo Estado e entidades públicas representa, normalmente, uma parte considerável das transacções internas. Daí a necessidade sentida pelo legislador nacional e comunitário de definir regras que permitam não só a salvaguarda dos princípios jurídicos e administrativos fundamentais no domínio da actividade pública, mas também assegurar a igualdade de oportunidades em sede de concorrência relativamente às empresas que se proponham fornecer bens e serviços ao Estado e entidades públicas.
(...)
A interpretação das declarações negociais constantes das propostas apresentadas pelos concorrentes em sede de concurso, mediante a aplicação dos critérios normativos previstos nos arts. 236°, n.° 1 e 238° do CC, é uma questão que, pela sua relevância, extravasa o âmbito dos presentes autos, sendo portanto da máxima importância a fixação de regras claras e precisas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento e aplicação por parte dos tribunais, interessados e entidades públicas de critérios uniformes em nome da segurança jurídica. Acresce que se trata de uma questão que, pela sua natureza, é possível de se repetir com frequência atendendo à quantidade de concursos que anualmente são promovidos pelo Estado e entidades públicas e à crescente complexidade das peças do concurso e propostas apresentadas pelos concorrentes, susceptíveis de causar divergência sobre a sua interpretação. Finalmente, não existe quantidade significativa de jurisprudência sobre o assunto, no âmbito da vigência do Código dos Contratos Públicos, como é justamente realçado em decisões recentes do Supremo Tribunal Administrativo proferidas no âmbito do recurso de revista excepcional (...)
Idênticas considerações se fazem no que respeita à correcção de lapsos de escrita constantes da proposta, nos termos do art. 249° do CC, cuja verificação constitui matéria de direito, portanto enquadrada nas competências do Supremo Tribunal Administrativo.
(...)" - cfr. fls. 735; 738-739.
1.2. Por sua vez, o ora Recorrido, Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P., pronunciando-se pela não admissibilidade do recurso de revista, salienta, designadamente, o seguinte:
"(...) deve o recurso apresentado pela Autora Recorrente ser rejeitado com fundamento no facto do Supremo Tribunal Administrativo apenas apreciar matéria e direito nos termos do n.° 4 do artigo 150.° do CPTA, mantendo-se o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos" -cfr. fls. 770.
1.3. Cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.° 1, do artigo 150.° do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a "Exposição de Motivos", do CPTA).
Vejamos, então.
2.2. Como resulta dos autos, o Acórdão recorrido veio sufragar a decisão do TAC de Lisboa, de 18-02-2011, que não anulou o acto que determinou a exclusão da A......, Lda. e B......Lda. do concurso, bem como, não anulou o acto que adjudicou a prestação de serviços a favor da sociedade C......, Lda.
A este propósito o TCA Sul salientou, no essencial, que "Resulta da leitura destas frase, que o compromisso assumido pela recorrente era que a sua equipa vista como um todo detinha conhecimentos especializados na área da propriedade industrial, mas,
efectivamente, só os cinco licenciados em direito é que detinham individualmente esse Know-how", sendo que, "poderia ajudar a tese da recorrente no sentido da interpretação por ela defendido se ela tivesse na sua proposta identificado pessoas concretas com currículo académico ou profissional na área, que iriam prestar o serviço, mas não o fez", logo, "a conclusão que se retira é que não estamos perante um lapso de escrita da recorrente, mas de um lapso seu no entendimento das exigências do caderno de encargos".
Referiu, também que, "a proposta, por violar aspectos não submetidos à concorrência, tem de ser excluída por força do art° 70.2.0 CCP ex vi art° 146.2.o) CCP", nestes termos, deve "(...) ser confirmada a sentença recorrida, pois não se verificou a violação dos invocados princípios da legalidade, princípio da prossecução do interesse público, o princípio da proporcionalidade e o princípio da justiça (...)" - cfr. fls. 694-695. Já a Recorrente discorda do decidido, no acórdão do TCA Sul, nos termos que explicita na sua alegação de revista de fls. 735-754.
No caso em apreço não é possível surpreender no Acórdão recorrido um qualquer erro grosseiro, sendo que a tese nele explanada, é uma das soluções juridicamente plausíveis, situando-se na zona de discussão possível sobre a controvérsia de fundo, não se podendo, por isso, ancorar a admissão do recurso numa hipotética necessidade de melhor aplicação do direito.
Por outro lado, tendo presente o efectivamente decidido no TCA, temos que as questões a que se reporta a Recorrente na sua alegação não se apresentam como particularmente complexas, não demandando a sua resolução a realização de operações exegéticas de acentuada dificuldade, e, isto, fundamentalmente, por tais questões se reconduzirem, em última análise, à interpretação da proposta apresentada pelo ora Recorrente no âmbito do concurso, sendo que se trata de uma temática que, na situação em análise se centra, basicamente, numa vertente da dita proposta, concretamente, sobre se o conhecimento técnico específico em propriedade industrial respeita ou não a todos os elementos da equipa ou apenas a cinco desses elementos, o que tudo nos leva a concluir no sentido de tais questões se não revestirem de especial relevância jurídica.
Finalmente, também se não vislumbra uma especial relevância social nas ditas questões, não se detectando, no caso dos autos, um interesse comunitário significativo, já que os interesses em jogo não ultrapassam os limites do caso concreto, estando, como está circunscrito ao quadro que acima se enunciou, não se vendo que esta particular envolvente seja susceptível de se verificar em muitos outros casos.
É, assim, de concluir que, na situação em análise, não se verificam os pressupostos de admissão da revista.

 
3- DECISÃO
Nestes termos, acordam em não admitir o recurso de revista do Ac. do TCA Sul, de 30-06-2011.
Custas pela Recorrente.
Lisboa 22 de Novembro de 2011. - José Manuel da Silva Santos Botelho (relator) - Rosendo Dias José - Luís Pais Borges.