Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Junho de 2011 (proc. 250/11)

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Sumário:

I - Se o tribunal recorrido tiver julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, deve o tribunal superior, mesmo em sede de revista excepcional, conhecer delas em substituição, nos termos dos artº 149º, nº3 e 150º, nº3 do CPTA.
II - O facto de ter sido fixado um preço base no caderno de encargos não vincula, só por si, a entidade adjudicante a aplicar o critério legal de determinação automática do valor anormalmente baixo previsto no artº71º, nº1 do CCP, já que sendo este um critério supletivo, só será aplicável se não foi afastado pela entidade adjudicante nas peças concursais, no uso do poder discricionário que aquela detém nesta matéria.
III - Uma proposta de valor anormalmente baixo é uma proposta que suscita sérias dúvidas sobre a sua seriedade ou congruência e, portanto é, à partida e em abstracto, uma proposta suspeita, que não oferece credibilidade de que venha a ser cumprida e, por isso, uma proposta a excluir, caso não seja justificada e aceite essa justificação pela entidade adjudicante.
IV - Não faz, pois, sentido que uma proposta de valor anormalmente baixo face ao critério supletivo legal, seja considerada como preço/referência pela entidade adjudicante, para efeitos de atribuição, em abstracto, da pontuação máxima no factor «Preço», na metodologia de avaliação das propostas estabelecida no programa do concurso.
V - O artº 57, nº1 d) do CPP só exige que a proposta seja constituída pelos «Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento», o que bem se compreende, uma vez que o critério legal previsto no artº71º, nº1 é, como já se referiu, meramente supletivo.
VI - E, como é óbvio, essa exigência de justificação ex ante do valor anormalmente baixo da proposta pelo citado artº57º, nº1 d) do CCP, tem como pressuposto que tal valor foi fixado, com clareza e precisão, pela entidade adjudicante, nas peças concursais, isto sob pena de violação dos citados preceitos legais e dos princípios da transparência e da boa fé, que devem presidir, em especial, aos procedimentos concursais (artº1º, nº4 do CCP e artº 6ºA do CPA).
VII - Sendo a maioria das propostas apresentadas a concurso, incluindo a da autora e a proposta adjudicatária, substancialmente equivalentes no factor «Preço», já que a diferença entre elas era de 1,10€, a exclusão automática da proposta da autora, por não ter justificado logo o preço oferecido, surge sem fundamento razoável e viola também os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência (artº1º, nº4 do CCP artº5º do CPA e artº266º, nº2 da CRP).

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I- RELATÓRIO
B... com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido nos autos a fls. 403 e segs. que, concedendo provimento aos recursos interpostos para aquele Tribunal, pela contra-interessada C..., SA e pela entidade demandada IEFP, IP, revogou a sentença do TAC de Lisboa, que julgara procedente a presente acção administrativa de contencioso pré-contratual e anulara o acto de exclusão da proposta da Autora, ora recorrente, no concurso público nº 20092100693, para aquisição, integração de sistemas de gestão de fluxos e atendimento a utentes e televisão corporativa nos centros de emprego do IEPF, declarara inválido o contrato entretanto celebrado e condenara o R. a admitir a referida proposta e, consequentemente, a reiniciar os actos do concurso a partir de tal fase.


A recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A) O presente recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de Janeiro de 2011, que concedeu provimento aos recursos jurisdicionais interpostos da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou procedente a acção proposta pela Recorrente;
B) A presente acção submete a julgamento duas questões jurídicas fundamentais, decididas no douto Acórdão recorrido em violação dos preceitos legais aplicáveis: (i) prevendo o Código dos Contratos Públicos, no n.º 2 do seu artigo 132.º, a possibilidade de o programa do concurso fixar um valor abaixo do qual as propostas de preço apresentadas serão consideradas de valor anormalmente baixo, e estabelecendo o n.º 1 do seu artigo 71.º, para os casos em que o programa do concurso não proceda àquela indicação e em que seja fixado um preço base, um critério supletivo de aferição daquilo que deverá ser considerado como preço anormalmente baixo, em que circunstâncias deverá entender-se como validamente afastado, no programa do concurso, aquele critério supletivo? ou, quando não se entenda afastado aquele critério, qual a extensão da protecção que deve ser conferida aos concorrentes que, efectivamente induzidos em erro pela entidade adjudicante quanto à indicação do limite abaixo do qual o preço é tido como anormalmente baixo, apresentam propostas desacompanhadas de justificação para o preço apresentado?; e
C) (ii) Ainda que se considere, por um lado, que não foi afastado pela entidade adjudicante, no Programa do Concurso, o critério supletivo estabelecido no n.º 1 do artigo 71.º do Código dos Contratos Públicos, e, por outro, que a posição do concorrente que, induzido em erro quanto ao que seria considerado como preço anormalmente baixo, não merece qualquer tipo de protecção especial, deverá entender-se que da conjugação do estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º com o que dispõe a alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º, ambos do Código dos Contratos Públicos, resulta, necessariamente, que a falta de apresentação de justificação do preço logo com a proposta implica a exclusão automática da proposta, sem outras formalidades para além da audiência prévia dos interessados, ou, ao contrário, e atentos, designadamente, os princípios da degradação das formalidades essenciais em não essenciais e da proporcionalidade, deve considerar-se que, nestes casos, os proponentes devem ainda ser chamados a prestar esclarecimentos sobre o preço apresentado, nos termos do n.º 3 do artigo 71.° do Código dos Contratos Públicos, e, uma vez aceites as justificações, devem as respectivas propostas ser admitidas e avaliadas?
D) Atentos os requisitos estabelecidos no n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto à admissão do recurso de revista e a densificação que deles é feita pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr., a este propósito, a decisão citada supra, no ponto 5.), mostra-se evidente o cumprimento do critério da importância fundamental das questões jurídicas em apreço:
E) A solução para as questões colocadas implica indagações interpretativas complexas, que não se bastam com a pura e simples análise da letra da lei;
F) Não dispensando a aplicação das normas que regem os concursos públicos a consideração dos princípios gerais aplicáveis a estes procedimentos, consubstanciam operações de alguma complexidade a compatibilização daquelas normas e daqueles princípios, quando o resultado da aplicação das primeiras colide com os segundos ou quando estes possam determinar a desconsideração dos efeitos daquelas;
G) Especificamente quanto à primeira questão elencada, importando determinar qual a forma que deve revestir a indicação do limite do preço anormalmente baixo no programa de concurso, quando a lei não seja clara a este respeito, e saber qual a extensão da protecção que deve ser conferida aos concorrentes quando se deva concluir que a actuação da entidade adjudicante, embora insusceptível de relevar para efeito de fixação do limite do preço anormalmente baixo, induz os concorrentes em erro, potenciando uma situação em que em causa possa estar em causa a violação dos princípios da boa fé e da colaboração entre a Administração e os seus destinatários, a apreciação a efectuar não se compadece com a mera análise da letra da lei, impondo-se o confronto entre lei, resultados pretendidos e, uma vez mais, princípios gerais da contratação pública aplicáveis;
H) Finalmente, atento o âmbito de aplicação subjectivo e objectivo do Código dos Contratos Públicos, é frequente, desejável e genericamente obrigatório para um grande número de entidades, públicas e privadas, o cumprimento dos procedimentos pré-contratuais estabelecidos na sua Parte II, sendo recorrentemente suscitadas, portanto, questões que se relacionem com a fixação do preço base do concurso, a fixação do limite abaixo do qual a proposta de preço é considerada anormalmente baixa e os casos de exclusão das propostas, comuns a todo o tipo de procedimentos, quer sigam a tramitação do ajuste directo, quer a do concurso público;
I) Nesta medida, também o "sub-requisito" relativo à capacidade de expansão da controvérsia encontra aqui preenchimento;
J) Quanto à invocada violação das normas jurídicas aplicáveis por parte do douto Acórdão recorrido: em violação do que se estabelece nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 132.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos, não considerou afastado, pela indicação efectuada na metodologia de avaliação das propostas anexa ao Programa do Concurso e que dele faz parte integrante, o critério supletivo estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 71.º do Código dos Contratos Públicos;
K) Sendo o critério de aferição da "anormalidade" do preço constante do n.º 1 do artigo 71.º meramente supletivo em relação à possibilidade de a entidade adjudicante estabelecer um critério diferente no programa do concurso, verifica-se, no caso vertente, que no modelo de avaliação das propostas a entidade adjudicante classificava com o valor mais elevado as propostas de valor igualou inferior a € 700.000,00, assim afastando o critério supletivo;
L) Seria um absurdo que a uma proposta cujo preço, segundo o entendimento dos Recorrentes, se apresentasse como "normal", nunca pudesse ser atribuída a pontuação mais elevada no respectivo factor de avaliação, reservando-se tal pontuação a propostas que, apresentando um preço considerado como "anormalmente baixo", fossem, ainda assim, admitidas pelo Júri;
M) A Entidade adjudicante, quando elaborou os documentos do Concurso, esclareceu, à partida, que não seria considerado como anormalmente baixo aquele valor, facto que determinou na Recorrente a fundada convicção de que foi pretendido afastar o critério supletivo constante do n.º 1 do artigo 71.º do Código dos Contratos Públicos, admitindo-o logo como normal;
N) Nesta medida, e porquanto deverá ser entendido como afastado pela entidade adjudicante o critério supletivo de aferição do "preço anormalmente baixo", não sendo aplicável às propostas do valor em causa a obrigação de apresentação de justificação, foi ilegal a exclusão da proposta da Recorrente, violando o douto Acórdão recorrido, que manteve aquele acto em vigor na ordem jurídica, os artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 71.º, n.º 1, 132.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2, alínea d), do Código dos Contratos Públicos;
O) Sendo certo que não se estabelece no Programa do Concurso um valor exacto abaixo do qual se considera o preço como "anormalmente baixo", a verdade é que, ao atribuir uma pontuação a uma proposta de preço de € 700.000,00, o Programa de Concurso fixou um valor que a Entidade adjudicante se auto-vinculou a considerar como não constituindo preço anormalmente baixo;
P) O legislador, no n.º 2 do artigo 132.º do Código dos Contratos Públicos, admite não apenas o estabelecimento de um preço específico aquela peça concursal, mas também outras soluções, como o seja a indicação de uma percentagem sobre valor base ou, como sucede no presente caso, a inclusão de uma disposição da qual resulte que considerará como "normal" determinada proposta de preço que, à luz do critério supletivo, seria tida como "anormal";
Q) Ainda que assim não fosse, se vale o entendimento, de que a menção efectuada na metodologia de avaliação das propostas não constituía forma válida de afastar o critério supletivo e de fazer a indicação do limite da anomalia do preço, então a questão colocar-se-á, não ao nível da validade da actuação da Recorrida - que, à luz do ali estabelecido, foi induzida a entender que uma proposta de €700.000,00 não constituiria uma proposta de valor anormalmente baixo -, mas no domínio da validade da própria peça do concurso - que, de acordo com aquele entendimento, violaria o estabelecido no n.º 2 do artigo 132.º, fazendo a indicação do limite à margem do que ali se estipula ou, no mínimo, atenta a susceptibilidade de induzir os destinatários em erro, com efeitos sobre a respectiva permanência em concurso, violaria os princípios da boa fé e da colaboração da Administração com os particulares -, colocando em causa a validade do próprio procedimento concursal;
R) Daí não decorre que essa definição, embora "inválida", pudesse ser desconsiderada pelos concorrentes no momento da elaboração das propostas e que àqueles fosse legítimo substituírem-na por um critério supletivo (o definido no n.º 1 do artigo 71.º) que a Entidade adjudicante, válida ou invalidamente, inequivocamente afastou;
S) Conclui-se que a Entidade adjudicante afastou o critério supletivo estabelecido no n.º 1 do artigo 71.º do Código dos Contratos Públicos ou, no mínimo, ter a referência efectuada no modelo de avaliação das propostas induzido os concorrentes em erro quanto àquele que era o valor a partir do qual as propostas seriam consideradas de "preço anormalmente baixo", aparecendo a decisão de exclusão, bem como o douto Acórdão ora em crise, como contrários ao disposto nos artigos 57. º, n.º 1, alínea d), 71.º, n.º 1, 132.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2, alínea d), do Código dos Contratos Públicos e, bem assim, aos princípios da boa fé, da colaboração entre Administração e particulares e da transparência que ordenam os procedimentos de contratação pública,
T) Devendo ser protegida, através da consideração da perfeição das propostas apresentadas pelos concorrentes, a respectiva posição concursal; mas não só.
U) Também na medida em que considera - no pressuposto de que existe uma determinação automática, por via do critério supletivo constante do n.º 1 do artigo 71.º, do limiar de anomalia das propostas - que a Recorrente estava obrigada a apresentar os esclarecimentos justificativos do preço logo no momento da entrega da proposta e que a falta de entrega daqueles esclarecimentos determina automaticamente, sem pedido de esclarecimentos adicionais, a respectiva exclusão, violou o douto Acórdão o estabelecido nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 2, alínea e), 71.º, n.º 3, 146.º, n.º 2, alínea d), interpretados à luz dos princípios da proporcionalidade, transparência e da admissibilidade da irrelevância dos vícios procedimentais - este último, com o conteúdo que lhe é atribuído pela doutrina citada supra, no ponto 12.;
V) Pressupondo aquele princípio que nem todas as formalidades exigidas aos concorrentes são essenciais à validade da sua actuação e que, assim, nem todas as formalidades poderão determinar, em caso de preterição, a exclusão dos concorrentes quando essa exclusão apareça como uma consequência desproporcionada em relação à importância da formalidade preterida - nomeadamente, quando esta preterição decorra, como parece suceder, de uma menor clareza das normas procedimentais aplicáveis ou das peças procedimentais que foram fornecidas pela entidade adjudicante -, conclui-se, no presente caso, constituir a (pretensa) obrigação de, com a proposta, ser apresentada justificação de "preço anormalmente baixo", uma formalidade não essencial e não imediatamente excludente do concorrente;
W) Se a própria proximidade do valor médio das propostas apresentadas era, por si só, motivo justificativo do preço das concorrentes excluídas - deste modo obtendo-se a finalidade pretendida pela obrigação de justificação do preço -, também o facto de a lei estabelecer, em momento procedimental posterior (n.º 3 do artigo 71.º), a possibilidade de o Júri solicitar aos concorrentes que se encontrem naquelas circunstâncias a apresentação de justificação do preço, dessa forma se atingindo o mesmo objectivo pretendido quando, na alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos, é mencionada a justificação como elemento que constitui a proposta, permite a conclusão de que a preterição daquela formalidade não se mostrava impeditiva da efectiva consideração, pelo Júri, dos motivos que presidiram à apresentação de determinada proposta de preço e que a exclusão do concorrente com aquele fundamento sempre se mostraria desproporcionada em relação à importância de uma formalidade que poderia ser repetida;
X) Face à origem da preocupação com o "preço anormalmente baixo" no ordenamento jurídico português, é evidente que o entendimento do incumprimento da obrigação de apresentação de justificação do preço com a proposta como factor excludente do concorrente conduziria a uma distorção de resultados contrária ao espírito com que foi consagrado o conceito de "preço anormalmente baixo", implicando a grave desproporcionalidade daquela solução;
Y) Assim, ainda que se conceba existir obrigação da Recorrente de, neste caso, apresentar justificação com a sua proposta - obrigação que, como se viu, inexiste -, deve entender-se que (i) essa obrigação não faz precludir o dever constante do n.º 3 do artigo 71. ° do Código dos Contratos Públicos, encontrando-se o Júri sempre autorizado (e mesmo obrigado) a solicitar a justificação aos concorrentes e que (ii) aquela formalidade deve considerar-se como irrelevante para a validade da posição do concorrente no concurso;
Z) Por esta razão (e também porque do Programa do Concurso decorria que o montante de €700.000,00 não era considerado um preço anormalmente baixo), não poderia o Júri do Concurso excluir a Recorrente sem que antes, e nos termos do n.º 3 do artigo 71.º do Código, a convidasse a prestar os esclarecimentos justificativos do preço proposto;
AA) É inaceitável face ao estabelecido no n.º 3 do artigo 71.º, perante a degradação da formalidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º daquele Código em não essencial, a interpretação segundo a qual a obrigação de ouvir o concorrente antes de o excluir com fundamento na apresentação de preço anormalmente baixo se esgota na possibilidade de apresentação de justificação logo com a proposta;
BB) No caso vertente, em violação do n.º 3 do artigo 71.º, deliberou o Júri do Concurso propor, primeiro, e o Recorrente IEFP acolher, depois, a exclusão das propostas da Recorrente e de outras três concorrentes sem antes cumprir aquela formalidade, fundamentando a sua decisão, tão-só, no facto de a proposta apresentar um preço inferior, em 50%, ao preço base, e na circunstância de a sua proposta não integrar qualquer justificação;
CC) A proposta não podia ser considerada, face ao Programa do Concurso, como de preço anormalmente baixo; e porque, mesmo que o Recorrido o considerasse, sempre deveria ser conferida à Recorrente a faculdade de ser ouvida em momento posterior ao da apresentação da proposta;
DD) Sendo embora certo que, em determinadas circunstâncias, é desde logo possível aos concorrentes saber se a sua proposta apresenta um preço anormalmente baixo à luz do critério estabelecido no n.º 1 do artigo 71.º e imediatamente apresentar justificação para aquele facto, o n.º 3 do mesmo artigo 71.º não distingue, para efeitos de cumprimento da formalidade dele constante, entre os casos em que os concorrentes apresentaram ou puderam apresentar com a sua proposta aquela justificação e os restantes, em que não podiam fazê-lo;
EE) Nada na letra do referido preceito legal permite concluir que aquela formalidade pode ser preterida ou limitada quando for entendido pelo Júri que a justificação poderia ter sido apresentada, por iniciativa do concorrente, em momento anterior;
FF) Impõe-se, isso sim, não apenas a necessidade de ser ouvido o concorrente, mas que este seja ouvido (i) a solicitação do Júri/ entidade adjudicante; (ii) por escrito; e (iii) em prazo adequado fixado para o efeito: a audição do concorrente para efeitos de pronúncia sobre o preço (anormalmente baixo) apresentado tem formalidades específicas, as quais deve o Júri respeitar;
GG) Este entendimento é reforçado face ao acima invocado princípio da admissibilidade da irrelevância dos vícios procedimentais [e à degradação do estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos em formalidade não essencial];
HH) Esta solução, aliás, é a mais compatível com o tipo de justificação que pode ser atendida pelo Júri nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 71.º e com os objectivos que norteiam os procedimentos de contratação, nos quais se procura o acesso do maior número de interessados e a adjudicação da melhor proposta;
II) Violou o douto aresto recorrido, portanto, o estabelecido nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.º, n.º 2, alínea e), 71.º, n.º 3, 146.º, n.º 2, alínea d), os quais deverão ser enquadrados no contexto que aqui se deixou descrito e interpretados à luz dos mencionados princípios gerais da contratação administrativa.

Contra-alegaram os recorridos, C... e IEPF, concluindo assim:
Conclusões da C..., no que respeita ao mérito do recurso:
A) a M) (...)
N) Não se pode considerar que a entidade adjudicante, ao fixar a atribuição de pontuação máxima a propostas cujo preço se encontre em cima da linha dos 50% ou inferior, por referência ao preço base fixado, as tem por "normais". Por um lado, porque tal tese desconsidera em absoluto o facto de ter sido fixado um preço base no caderno de encargos e, por outro, porquanto não se afigura verosímil que pretendendo a entidade adjudicante uma qualquer auto-vinculação nesta matéria, o não tenha feito expressamente em norma reservada para o efeito, tendo ao invés escolhido o modelo de avaliação das propostas, o factor "preço global" que não se afigura, manifestamente, a sede própria;
O) Uma vez que foi fixado um preço base no caderno de encargos, o preço anormalmente baixo resulta de imposição legal. Atento o preço base fixado de € 1400000,00, opera de forma inultrapassável o critério supletivo previsto do artigo 71.º, n.º 1, alínea b) do CCP, pelo que é anormalmente baixo um preço de € 700000,00 ou inferior;
P) Atendendo ao preço base fixado no caderno de encargos, ao modelo de avaliação das propostas e ao regime estabelecido do artigo 71. °, n. ° 1, alínea b) do CCP, foi deixada aos concorrentes, como em qualquer outro procedimento pré-contratual, a liberdade de ponderar se pretendiam apresentar uma proposta mais competitiva, propondo um preço igual ou inferior a € 700 000,00.
Mas, nesse caso, por configurar um preço anormalmente baixo, face ao critério supletivo do artigo 71.º, n.º 1, alínea b) do CCP, estavam os concorrentes obrigados a apresentar um esclarecimento justificativo do preço proposto, de acordo com o previsto no artigo 57.º, n.º 2, alínea d) do CCP;
Q) A decisão de exclusão da ora Recorrente com fundamento na falta de apresentação, juntamente com a proposta, daquele esclarecimento não só é legal, como cumpre escrupulosamente o estabelecido nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 71.º, n.º 1, 132.º, n.º 2 e 146.º, n.º 2, alínea d), todos do CCP;
R) O facto de se estabelecer a atribuição de uma pontuação máxima a um preço anormalmente baixo não faz perigar a razão de ser do regime do preço anormalmente baixo previsto, porquanto o concorrente que o apresente está legalmente obrigado a justificá-lo, permitindo à entidade adjudicante controlar o binómio custo / qualidade do serviço a contratar;
S) Não procede o argumento de que a não entender-se a referência efectuada na metodologia de avaliação das propostas como forma válida de afastar o critério supletivo previsto no artigo 71.º, n.º 1, alínea b) do CCP, a questão colocar-se-á no domínio da validade da própria peça do concurso, por violação dos princípios da boa-fé e da colaboração da Administração com os particulares, porquanto se fosse esse o caso, então, a ora Recorrente deveria ter procedido à sua impugnação no prazo de um mês a contar do conhecimento das peças do concurso, nos termos dos artigos 100.° e seguintes do CPTA, conforme tem sido entendimento da jurisprudência;
T) A obrigação de apresentação, com a proposta, do esclarecimento justificativo do preço anormalmente baixo constitui uma formalidade essencial e imediatamente excludente do concorrente;
U) Não se verifica, in casu, qualquer irrelevância de tal formalidade com fundamento na " ... menor clareza das normas procedimentais aplicáveis ... ", por se ter fixado a atribuição de pontuação máxima a propostas cujo preço proposto seja 50% ou inferior ao preço base fixado no caderno de encargos;
V) Tal opção da entidade adjudicante é legal, não conduzindo a qualquer solução contraditória ou inconsistente;
W) Se a ora Recorrente tinha dúvidas acerca da clareza das normas em causa sempre poderia ter lançado mão de um pedido de esclarecimentos, nos termos do artigo 50.° do CCP;
X) A formalidade em causa não se apresenta também como excessiva, na medida em que surge em nome da desburocratização, racionalização e eficácia da actuação da Administração que pretende contratar e do próprio procedimento administrativo;
Y) A apresentação ex ante de esclarecimentos justificativos, ao abrigo do artigo 57.º, n.º 1, alínea d), do CCP, reforça a seriedade e congruência da proposta quanto ao cumprimento das obrigações no domínio da execução contratual - no que tange ao preço contratual. Sendo certo que a obrigação de tal apresentação só está prevista, de acordo com o disposto naquela norma, para os casos em que o limiar de anomalia das propostas é conhecida dos concorrentes previamente à apresentação das suas propostas;
Z) Em matéria de exclusão das propostas com fundamento em preço anormalmente baixo, rege regras vinculativas que eliminam qualquer margem de livre apreciação;
AA) Ainda que a discrepância entre a proposta vencedora e o preço desta para os 50% seja ínfima, o certo é que o critério legal, constante do artigo 71.°, n. ° 1, alínea b) do CCP, não pode deixar de ser aplicado;
BB) No caso em apreço, em que o preço base foi fixado no caderno de encargos e em que se aplicava o critério supletivo de definição do preço anormalmente baixo constante do artigo 71.°, n.º 1, alínea b) do CCP, o Júri estava legalmente impedido de considerar que dada proposta de valor correspondente a 50% do preço base não traduzia um preço anormalmente baixo. Caso assim o fizesse, estaria a violar o artigo 71.°, n.º 1, alínea b) do CCP, norma que elimina qualquer margem de livre apreciação e que toma absolutamente vinculado o acto de (qualificação do preço proposto como sendo, ou não, "anormalmente baixo";
CC) Não pode ser assacada qualquer violação dos princípios gerais da actividade administrativa, nomeadamente dos princípios da proporcionalidade, transparência e da admissibilidade da irrelevância dos vícios procedimentais, a uma acção que é totalmente vinculada, em virtude da existência de um critério legal objectivo, mesmo que o resultado se afigure excessivo nas suas consequências;
DD) O artigo 71.º, n.º 3 do CCP não é aplicável às situações em que os concorrentes estão obrigados a cumprir o disposto no artigo 57.º, n.º 1, alínea d) do CCP;
EE) Caso o artigo 71.º, n.º 3 do CCP fosse aplicado de modo a permitir obter elementos, a posteriori, que o artigo 57.º, n.º 1, alínea d) do CCP obriga que os concorrentes apresentem logo com a proposta, então, esta última norma seria totalmente inútil, pois o incumprimento da exigência de esclarecimento voluntário do preço não teria qualquer consequência negativa. Sendo, também, totalmente inútil o artigo 70.º, n.º 2, alínea e) do CCP que determina a exclusão das propostas cuja análise revele um preço total anormalmente baixo e cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados com a mesma;
FF) Perante a ausência de documento instrutório obrigatório da proposta sobre o Júri não pendia o dever legal de ouvir, adicionalmente, a ora Recorrente sobre o preço proposto, ao abrigo do contraditório sucessivo previsto no artigo 71.º, n.º 3 do CCP, porquanto se tratava de uma hipótese de exclusão da proposta por aplicação do critério legal de determinação automática do limiar da anomalia, não se verificando, pois, qualquer irregularidade no que tange à não audição da ora Recorrente antes de propor a sua exclusão;
GG) Bem andou o douto Acórdão em crise ao não considerar aplicável ao caso vertente o estabelecido no artigo 71.º, n.º 3 do CCP, tendo feito, em bom rigor, um correcto enquadramento da questão à luz das normas contidas nos artigos 57.º, n.º 1, alínea d), 70.°, n.º 2, alínea e), 71.º, n.º 3 e 146.º, n.º 2, alínea d) do CCP, interpretando-as em conformidade com os princípios que norteiam a contratação pública, entre eles o princípio da proporcionalidade, da transparência e da concorrência.

Conclusões do IEFP, no que respeita ao mérito do recurso:
1ª a 10ª (...)
11ª Os vários argumentos que a ora Recorrente invoca para censurar o douto Acórdão aqui recorrido e defender a invalidade da exclusão da sua proposta com fundamento no disposto nos art°s 71°, n° 1, al. b), 57°, nº 1 al. d) e 146°, n° 2, al. d) do CCP não colhem minimamente.
12ª É falso que a definição do factor preço do critério de adjudicação constante do Programa do Concurso tenha induzido os concorrentes em erro quanto à aplicação ou não do regime de determinação objectiva do 'preço anormalmente baixo' estabelecido nos art°s 57°, al. d) e 71º, n.º 1, al. b) do CCP.
13ª Na verdade, a ora Recorrente, perante a incompatibilidade por si invocada entre o regulamento concursal e as disposições legais aplicáveis à situação em causa, nem sequer formulou qualquer pedido de esclarecimento sobre essa aparente contradição, tendo, ao invés, apresentado a sua proposta com omissão de um documento constitutivo obrigatório.
14ª. É descabido pretender que a aplicação de um dos factores de adjudicação possa derrogar os comandos injuntivos de duas disposições do CCP, a saber: os art°s 57°, n° 1, al. d) e 71º, n.º 1, al. b).
15ª Na falta de indicação no Programa do Concurso do valor a partir do qual o preço da proposta é considerado anormalmente baixo, o critério objectivo ínsito no referido art° 71º, n° 1, al. b) é vinculativo e tem obrigatoriamente de ser observado, não sendo susceptível de ser afastado pelo modelo de avaliação de propostas previsto naquele Programa.
16ª Não estando a situação prevista no art° 132°, n° 2 do CCP contemplada no Programa do Concurso, não podia este afastar tacitamente a critério imperativo do art° 71°, n° 1, al. b) daquele CCP através da aplicação dos factores da adjudicação, pois se o Caderno de Encargos fixava o preço base do Concurso, não podia, por isso, o respectivo Júri furtar-se a aplicar as regras vinculativas dos art°s 57°, nº 1, al. d) e 71º, n° 1, al. b) do CCP.
17ª É, pois, falso que a Entidade Adjudicante tenha pretendido, através do modelo de avaliação previsto no Programa do Concurso, afastar o critério legal objectivo e imperativo de determinação do "preço anormalmente baixo" na situação em que há preço base fixado, como é o caso dos presentes autos.
18ª Deste modo, a aplicação vinculativa ao caso dos autos do disposto nos art°s 57°, n° 1, al. d) e 71°, n° 1, al. b) do CCP não conduziu o douto Acórdão recorrido à pretensa violação das disposições e princípios legais invocados pela ora Recorrente nas suas conclusões.
19ª Por outro lado, o disposto nos art°s. 57º, nº 1, al. d), 70°, n° 2, al. e) e 71º, n° 1, al. b) do CCP resulta que a falta de apresentação dos esclarecimentos justificativos do preço como documento constitutivo da proposta, determina, inapelavelmente, a exclusão desta, sem que a lei preveja ainda nova solicitação de esclarecimentos ao respectivo concorrente.
20ª Considerar uma eventual possibilidade do concorrente que não respeitou o disposto no art° 57°, n° 1, al. d), tendo o preço base sido fixado no caderno de encargos nos termos do art° 71°, n° 1, al. b) do CCP, de apenas vir ao Concurso prestar os esclarecimentos justificativos do preço por si indicado depois de já conhecer tais elementos das propostas dos restantes concorrentes constituídas por tais documentos, consubstanciaria uma clara e evidente violação dos princípios da igualdade e da concorrência, dada a vantagem comparativa do mesmo em relação aos outros.
21ª Além disso, a insistência no erróneo argumento da desproporcionalidade da exclusão da sua proposta face à proximidade do respectivo valor com o indicado na proposta escolhida para adjudicação não colhe minimamente.
22ª Com efeito, na previsão legal do art° 71°, nº 1, al. b) do CCP (50% ou mais inferior ao preço base) não foi consagrado pelo legislador nenhum elemento subjectivo e discricionário, traduzido na liberdade do intérprete, não obstante o preço de proposta ser 50% inferior ao preço base, entender a diferença de valor como de pouca monta ou não e, assim, não acatar a estatuição daquela disposição legal, não considerando o preço apresentado como anormalmente baixo e não aplicando, por isso, o previsto nos art°s 57°, n° 1, al. d) e 146°, n° 2, al. d), também do CCP.
23ª Não é defensável o entendimento de que o legislador do art° 71°, n° 1, al. b) do CCP, em vez de um comando vinculativo e objectivo, tenha querido conceder ao intérprete uma liberdade ou discricionariedade de considerar o preço de uma proposta, com um valor 50% inferior ao preço base fixado no caderno de encargos, como sendo ou não "preço anormalmente baixo", consoante a maior ou menor diferença que apresentar em relação aos preços indicados nas restantes propostas.
24ª De igual modo, o art° 70° do CCP em lado algum pressupõe a alegada pela ora Recorrente prévia solicitação nos casos em que a proposta deva ser constituída pelos esclarecimentos justificativos previstos no art° 57°, n° 1, al. d) do CCP, sendo expresso e claro o nº 2, al. e) daquele art° do CCP a prescrever que são excluídas as propostas que revelem um preço anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do n.º 4 do art.º 71°.
25ª Assim é, aliás, também entendido na doutrina do 'CCP, Comentado e Anotado', de Jorge Andrade da Silva, Livraria Almedina, Coimbra 2008, págs. 218, onde se refere que "... por força da alínea d) do n° 1 deste preceito [art° 57°], essa nota justificativa do preço tem que integrar a própria proposta, deixando de ter sentido exigir novamente a explicação antes da rejeição da proposta. Portanto, a disposição daquele n° 3 [do art° 71°] terá apenas aplicação nas situações em que das peças do procedimento não seja de considerar o preço anormalmente baixo (o que sucederá, designadamente, se o programa do procedimento ou o convite não fixam preço base ou, fixando-o, não fixam o preço abaixo do qual o preço proposto é considerado anormalmente baixo -115º, n.º 3 e 132.º, n.º 2) ... ".
26ª Por conseguinte, o disposto no nº 3 do art° 71 ° do CCP apenas tem aplicação nos casos em que não é fixado preço base, ao contrário do que sucedeu no procedimento dos autos e, por isso, era exigível à ora Recorrente saber que a sua proposta indicava um "preço anormalmente baixo" e instruir a mesma com os respectivos esclarecimentos justificativos do mesmo.
27ª Com efeito, não só o nº 2 do art° 71 ° vem referir, ao prever uma situação diversa das contempladas no seu n° 1, que a regra que estatui é para efeitos do disposto no nº seguinte (nº 3), como também o seu nº 4 é muito claro em distinguir as duas situações de prestação de "esclarecimento justificativos" pelos concorrentes: nos termos da al. d) do nº 1 do art° 57° ou na situação do n° 3, portanto, com âmbito de aplicação distintos.
28ª Assim, não assiste também qualquer razão à ora Recorrente na imputação ao douto Acórdão recorrido de uma pretensa violação dos art°s 57°, nº 1, al. d), 70°, nº 2, al. e), 71°, n° 3 e 146°, nº 2, al. d) do CCP.
29ª Acresce, como já se referiu, que o fundamento da exclusão da proposta da ora Recorrente consistiu não na indicação de um "preço anormalmente baixo", mas sim, de acordo com os art°s 57°, nº 1, al. e) e 70°, n° 2, al. e) do CCP, no facto da proposta não ser constituída pelos elementos justificativos de tal preço face ao critério objectivo fixado no art° 71°, nº 1, al. b) daquele Código.
30ª Além disso, a pontuação das propostas prevista no modelo de avaliação definido no Programa do Concurso apenas é aplicada às propostas que não sejam consideradas com "preço anormalmente baixo", após a análise dos esclarecimentos justificativos do mesmo apresentados com aquelas (art° 57°, nº 1, al. d) ex vi art° 71°, nº 1, al. b) e da qual resulte a aceitação do mesmo.
31ª Portanto, nenhuma circunstância permitia aos concorrentes no Concurso dos autos presumirem o afastamento da regra estabelecida no art° 71º, n° 1, al. b) do CCP., sobre a qual, aliás, caso suscitasse dúvidas, sempre poderiam solicitar os esclarecimentos pertinentes, o que, de facto, não se verificou.
32ª Eliminada, assim, a tese do pretenso afastamento do critério objectivo do art° 71º, nº 1, al. b) do CCP, também não logra nenhum acolhimento o argumento de que a diferença de 1,1 € face ao valor da proposta adjudicada e ao valor correspondente a 50% do preço base constitui um valor muito diminuto e sem significado para ser subsumido naquela norma.
33ª Ou seja, face ao critério objectivo daquela disposição legal, a constatação de que o preço de uma proposta é 50% inferior ao preço base fixado no Concurso vincula o respectivo Júri a excluir a mesma, caso esta não seja instruída com os inerentes esclarecimentos justificativos, nos termos estabelecidos nos art°s 57°, nº 1, al. d), 70°, n° 2, al. e) e 71°, n° 1, al. b) do CCP.
34ª Ora, assim sendo, ao contrário do que vem argumentar a ora Recorrente e imputar ao douto Acórdão recorrido, tal exclusão não acarreta qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da transparência e da boa fé, mesmo na hipótese da proposta com preço 50% inferior ao preço base ter apenas uma diferença de 1,1 € em relação ao preço da proposta escolhida para adjudicação.
35ª Em suma, não só as conclusões apresentadas pela ora Recorrente se mostram totalmente improcedentes, como também o douto Acórdão recorrido não se revela susceptível de quaisquer reparos ou censura que aquela lhe pretende imputar *Por acórdão deste STA proferido a fls. 548 e segs., ao abrigo do art. 150.º, n.º 5 do CPTA, foi a revista liminarmente admitida.
Cumpre, pois, decidir.

II- OS FACTOS
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A A. é uma sociedade anónima constituída em Junho de 2006, que tem por objecto as actividades de desenvolvimento e implementação de soluções de tecnologias e sistemas de informação e comunicação, serviços de consultoria, assistência técnica e formação (cf. doc. de fls. 31 a 35 dos autos apensos).
2. Por anúncio de 14.08.2009, na sequência da exclusão de todos os concorrentes e consequente deserção do procedimento no âmbito do Concurso Público nº 20082100024 anunciado em 12.12.2008, com idêntico objecto, foi aberto o Concurso Público n° 20092100693, relativo à Aquisição, Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, IP, tendo como entidade adjudicante o IEFP (acordo; cf. doc. de fls. 36 a 38 dos autos apensos).
3. Para o referido concurso foi estabelecido um preço base de €1.400.000,00 (acordo; cf. docs. de fls. 36 a 61 dos autos apensos).
4. A adjudicação seria efectuada de segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com os critérios "Qualidade técnica da proposta" e "Preço" (acordo; cf. doc. de fls. 36 a 61 dos autos apensos).
5. Para avaliação do factor "Preço", com um peso de 40% na avaliação total da proposta, o modelo de avaliação que a Entidade requerida patenteou a concurso estabelecia o seguinte:
«Preço Global 40%; Inclui todos os custos associados à implementação dos sistemas, assim como os necessários à sua plena utilização pelo cliente.
A pontuação será feita de acordo com uma expressão matemática que as pontua de 1 a 100.
A proposta de valor 1.400.000,00€ será pontuada com 0: a proposta de valor 700. 000,00€, ou inferior, será pontuada com 100.
Entre esses dois valores a pontuação varia de forma linear, de acordo com a fórmula matemática PP=1400000-VP/7000, onde PP é a pontuação da proposta e VP é o respectivo valor.» (acordo; cf. doc. de fls. 62 a 65 dos autos apensos).
6. A apresentação do preço da proposta obedeceria ao disposto no Modelo da Proposta, que estava ao Programa do Concurso, na sua "Componente 5" (acordo; cf. doc. de fls. 62 a 65 dos autos apensos).
7. A A apresentou a proposta constante de fls. 66 a 71 dos autos apensos, na qual propôs um preço de €700.000.00 e não anexou a essa proposta documentos justificativos do preço apresentado (acordo; cf. doc. de fls. 66 a 71 dos autos apensos).
8. A C... apresentou uma proposta indicando um preço de €700.001,100 (acordo; cf. doc. de fls. 72 a 76 dos autos apensos).
9. Em 05.03.010, o Júri designado para o concurso em questão elaborou relatório preliminar de fls. 72 a 75 dos autos apensos, que comunicou aos concorrentes para efeitos de audiência prévia (acordo; cf. doc. de fls. 72 a 75 dos autos apensos).
10. Indica-se no referido relatório o seguinte: apresentaram proposta no concurso em questão oito concorrentes, todos admitidos após apreciação formal das propostas: Os oito concorrentes apresentaram as seguintes propostas de preço:
D... €906.949,59; E... €711.883.80; F... €700.000,00; G... €709.937.00; H... €700.000,00; C... €700.001.10; B... (a ora Requerente) €700.000.00 e I... €700.000.00:
Face ao preço base estabelecido no Caderno de Encargos, as propostas apresentadas pelos concorrentes deveriam ser integradas por justificações do respectivo preço sempre que este fosse 50% inferior àquele valor, sob pena de serem excluídas;
Não tendo as concorrentes F..., H..., B... e I... apresentado a referida justificação com a sua proposta, deveriam ser excluídas de imediato, sendo valoradas apenas as restantes;
E da aplicação do critério de adjudicação, deve ser proposta a adjudicação dos serviços em causa à concorrente C... «nos termos definidos na sua proposta e salvaguardando o integral cumprimento dos requisitos definidos no Caderno de Encargos a que respondeu, pelo preço global de € 700.001, 100, ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor» (acordo; cf. doc. de fls, 72 a 75 dos autos apensos).
11. À proposta de exclusão constante do relatório preliminar respondeu a A em 16.03.2010 (acordo: cf. doc. de fls. 76 a 80 dos autos apensos).
12. Em 19.03.2010 o Júri do Concurso elaborou o Relatório Final (acordo: cf. doc. de fls. 81 a 86 dos autos apensos).
13. Nesse relatório foi apreciada a argumentação aduzida pelos concorrentes excluídos em sede de audiência prévia e mantidas as propostas de exclusão das concorrentes que apresentaram um "preço anormalmente baixo" e de adjudicação dos serviços à concorrente C... (acordo; cf. doc. de fls. 81 a 86 dos autos apensos).
14. Em 23.03.2010 o CD do R. deliberou adjudicar à C... a Aquisição, Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, I.P, conforme doc. de fls. 64 e 65 dos autos apensos.
15. O referido Relatório Final foi colocado na plataforma electrónica utilizada - e dado a conhecer aos concorrentes - no dia 12.04.2010 (acordo).
16. Em 16.04.2010 a A. solicitou, através da mencionada plataforma electrónica, esclarecimento sobre se teria sido, ou não, proferida deliberação de adjudicação, conforme doc. de fls. 87 a 88 dos autos apensos (acordo).
17. Foi informado pelo R. à A. que a decisão de adjudicação foi colocada na plataforma electrónica no dia 12.04.2010 (acordo).
18. Em 19.04.2010 a concorrente F... apresentou perante o Presidente do Conselho Directivo do IEFP reclamação e recurso administrativo da aprovação do Relatório Final do Júri e da Deliberação de Adjudicação pedindo a revogação da aprovação do Relatório Final do Júri e de todos os actos subsequentes àquele relatório, designadamente a deliberação de adjudicação, conforme doc. de fls. 89 a 100 dos autos apensos (acordo).
19. Pronunciou-se a ora Requerente sobre o teor da reclamação e recurso administrativo, acompanhando a respectiva argumentação, conforme doc. de fls. 102 a 109 dos autos apensos (acordo).
20. Por Deliberação do Conselho Directivo da R. de 04.05.2010, comunicada à A. em 06.05.2010, foi decidido «indeferir o recurso hierárquico interposto pelo concorrente "F..., SA", face aos motivos expostos na presente informação», conforme doc. de fls. 110 a 113 dos autos apenso (acordo).
21. Refere-se aquela deliberação à Informação n.º 650/FC-AD/2010 de 04.05.2010, na qual se refere novamente a argumentação utilizada pelo Júri do Concurso e se propõe que não seja dado provimento ao recurso interposto e seja mantida a decisão de adjudicação, «nos termos em que foi formulada a 13/03/2010» (acordo; cf. doc. de fls. 110 a 113 dos autos apensos).
22. Em 10.05.2010 foi celebrado o contrato de fls. 279 a 282 dos autos apensos, entre o R. e a C..., para fornecimento dos serviços necessários à Instalação e Integração de Sistemas de Gestão de Fluxos e Atendimento de Utentes e Televisão Corporativa nos Centros de Emprego do IEFP, IP.

III - O DIREITO
1. As questões jurídicas objecto da presente revista, identificadas pela recorrente nas conclusões B) e C) das suas alegações de recurso, supra transcritas e desenvolvidas nas subsequentes conclusões D) a I) tendentes a demonstrar os requisitos de admissão deste recurso excepcional, estão relacionadas, como se diz no acórdão deste STA que admitiu a revista, com os pressupostos legais de exclusão das propostas por apresentação de um preço anormalmente baixo, mais concretamente com a possibilidade ou não de afastamento, pela entidade adjudicante, do critério supletivo de determinação daquela anomalia nos casos em que é fixado um preço base no caderno de encargos (conclusões J) a T) e com a natureza, excludente ou não, da formalidade exigida pelo artº57º, nº1 d) do CCP, caso se considere aplicável o critério supletivo (conclusões Q) a II).
E, evidentemente, a análise das referidas questões será feita apenas na medida em que releve para a decisão da presente revista e, portanto, tendo em conta os concretos fundamentos da presente acção, reiterados pela autora, ora recorrente, nas conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional, em discordância com o decidido no acórdão recorrido, já que ao tribunal não cabe emitir pareceres sobre problemáticas jurídicas estranhas e, portanto, irrelevantes para a decisão da situação sub judicio, posto que não tem funções consultivas.
Vejamos então:
A autora, ora recorrente, reitera nas alegações de recurso, o que vem defendendo nos autos, desde a petição, ou seja, que a exclusão automática da sua proposta, pelo acto aqui impugnado, por ter valor anormalmente baixo face ao critério (supletivo) de determinação desse valor previsto no artº71º, nº1 b) do CCP e não o ter justificado, nos termos do artº57, nº1 d) do mesmo diploma, é ilegal, porquanto aquele critério foi afastado tacitamente pela entidade adjudicante, ao estabelecer em anexo ao programa de concurso (PC), uma metodologia de avaliação das propostas quanto ao factor "Preço", que é a levada ao ponto 5 do probatório e que se revela incompatível com aquele critério, na medida em que ali atribui a pontuação máxima nesse factor (100 pontos) precisamente apenas às propostas que, nos termos daquela disposição legal, seriam consideradas de valor anormalmente baixo, o que, no entender da recorrente, só pode significar que não as considerou como tal, pois seria um absurdo que nenhuma proposta de valor considerado "normal" pudesse obter essa pontuação.
Por outro lado, a recorrente entende que, ainda que se venha a considerar, o que não aceita, que a referida metodologia não podia validamente afastar o critério supletivo legal por não enquadrável no artº132º, nº2 do CCP, o certo é que a sua adopção no programa de concurso era susceptível, pelas razões atrás apontadas, de induzir em erro os concorrentes, como, de facto, aconteceu, já que metade deles apresentaram propostas no valor de 700.000,00€, sem justificar esse valor, pelo que a proposta da autora nunca poderia ter sido excluída, sem que fossem pedidos esclarecimentos nos termos do artº71º, nº3 do CCP, tanto mais que a diferença entre as propostas excluídas e a proposta adjudicatária é de apenas €1,10 e a diferença entre o referido valor das propostas excluídas e a média de preços das propostas admitidas não excede os €10, isto sob pena de violação dos princípios da proporcionalidade, transparência, da boa-fé e da admissibilidade da irrelevância dos vícios procedimentais, que devem presidir aos procedimentos concursais.
A pretensão da autora foi, no essencial, acolhida pela sentença da 1ª Instância, que anulou o acto e condenou o R. a admitir a proposta da autora, mas foi rejeitada no acórdão do TCAS, ora sob recurso, que revogou aquela sentença e manteve o acto de exclusão, aqui impugnado.


2. Para assim decidir, o acórdão sob recurso considerou que e passamos a transcrever:
«...uma vez fixado o preço base no caderno de encargos, será considerado preço anormalmente baixo o que apresente um valor em 50%, ou mais, inferior aquele, cfr. artº 71º, nº 1 b) CCP.
Neste enquadramento normativo, o preço base fixado no caderno de encargos, significa que a entidade adjudicante determinou o limite máximo que se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações objecto do contrato, razão pela qual configura caso de exclusão a proposta que apresente um preço total anormalmente baixo e cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados pela concorrente, vd artº70º, nº2 e) do CCP).
Efectivamente, entre os documentos constitutivos obrigatórios da proposta e da consequente apresentação obrigatória, figura o documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto "quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento- cfr. artº 57º, nº1 d) CCP).
Havendo preço base fixado, a ausência de documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto determina a exclusão da respectiva proposta, cfr. artº 70º, nº 2 CCP.
O dever de solicitação de esclarecimentos a cargo do órgão competente para a decisão de contratar, pressuposto integrativo do poder de exclusão das propostas nesta matéria de preço anormalmente baixo estatuído no artº 71º, nº 3 CCP, rege na circunstância de não haver preço base fixado no caderno de encargos.
(...)
O que significa que se configura como anormalmente baixo todo o valor que, por reporte ao preço base fixado e numa variação para menos, se afaste em 50% ou mais do preço base, ou seja, no caso em apreço, atento o preço base de 1.400.000,00€ é anormalmente baixo um preço de 700.000€ ou inferior
(...)
Pelas razões supra não pode subsistir o entendimento sustentado pela sentença sob apreço, na medida em que da conjugação das circunstâncias do procedimento concursal (fixação de preço base) com a documentação instrutória da proposta apresentada pela co-concorrente S..............., SA ora Recorrida (omissão de esclarecimentos justificativos do preço no limiar da anomalia), resulta que se trata de uma hipótese de exclusão de proposta por aplicação do critério legal de determinação automática do limiar de anomalia e não de exigência de esclarecimentos prévios justificativos a solicitar pela entidade adjudicante junto do concorrente que apresenta um preço anormalmente baixo, isto porque a proposta foi desacompanhada do documento justificativo do preço proposto.
Colhem, assim, procedência as questões suscitadas em ambos os recursos interpostos»».
A recorrente arguiu, junto do tribunal a quo, a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do artº668º, nº1 d) e 3, 1ª parte, do CPC, por omissão de pronúncia relativamente à questão do alegado afastamento do critério supletivo previsto no artº 71º, nº 1 b) do CCP, suscitada pela autora na petição e julgada procedente na sentença ali sob recurso (cf. requerimento de fls. 429 e segs), requerimento que foi objecto da "decisão sumária" proferida a fls. 484 e seg. pela relatora do processo naquele tribunal, que concluiu pela improcedência da nulidade arguida e se mostra devidamente notificada às partes (cf. 486 e 487).


3. Como se vê da fundamentação do acórdão recorrido, supra transcrita em 2, o mesmo considerou que ao caso era aplicável o critério para determinação do valor anormalmente baixo previsto no artº71º, nº1, b) do CCP, pelo simples facto de a entidade adjudicante ter fixado no caderno de encargos o preço base para o concurso em causa, pois outra razão não foi ali invocada.
Ora, se é certo que tal critério legal se determina por referência ao preço base fixado no caderno de encargos e, portanto, só é possível a sua aplicação, havendo preço base fixado, já o facto de ter sido fixado um preço base não vincula, só por si, a entidade adjudicante a aplicar o referido critério legal de determinação automática do limiar da anomalia, pois poderá sempre afastá-lo nas peças concursais, no uso do seu poder discricionário nesta matéria, posto que se trata de um critério supletivo.
Isso mesmo decorre, a nosso ver, do supra citado artº 71º, nº 1 b), conjugado com o artº 132º, nº2 do CCP.
Com efeito, dispõe o artº 71º, nº1 do CCP que «Sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 114º, no nº 2 do artº 132º e no nº3 do artº 189º, quando o preço base for fixado no caderno de encargos, considera-se que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja:
a) 40% ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas.
b) 50% ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos.» (negrito nossos)
Por sua vez, o artº132º, nº2 prevê que «O programa de concurso pode indicar, ainda que por referência ao preço base fixado no caderno de encargos, um valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo.» (negrito nosso).
Portanto, se o critério supletivo pode vir a ser afastado, designadamente pela indicação de outro valor por referência ao preço base fixado no caderno de encargos, é porque a fixação desse preço base não é, só por si, suficiente para vincular a entidade adjudicante ao referido critério legal, podendo esta afastá-lo mesmo que o tenha fixado.
Assim e contrariamente ao que parece resultar do acórdão recorrido, o facto de ter sido fixado um preço base no caderno de encargos não vincula, automaticamente, a entidade adjudicante a aplicar o critério de determinação automática do valor anormalmente baixo previsto no artº 71º,nº 1 do CCP, pois, como já referimos, sendo este um critério supletivo, só será aplicável se não for afastado pela entidade adjudicante nas peças concursais, no uso do poder discricionário que aquela detém nesta matéria.
E, assim sendo, não podia, desde logo, o acórdão recorrido ter revogado a sentença ali sob recurso, com o mero fundamento de que uma vez fixado o preço base se aplicava o critério legal, antes se impunha que conhecesse se, efectivamente, tinha ou não sido afastado esse critério supletivo, como fora expressamente alegado pela autora e decidido na sentença ali sob recurso e, caso considerasse que não fora afastado, impunha-se-lhe ainda conhecer da violação dos princípios concursais, invocada pela autora, a título subsidiário, questões que, de resto, a sentença recorrida igualmente conheceu e se encontravam impugnadas no recurso interposto daquela.
Face ao exposto, o acórdão recorrido, com a apontada fundamentação, não se pode manter, por erro de julgamento, impondo-se agora que este tribunal aprecie as referidas questões, em sua substituição, nos termos dos artº 149º, nº 3 e 150º, nº 3 do CPTA.


4. Segundo a recorrente, o critério supletivo legal estabelecido no artº 71º, nº 1 b) do CCP teria sido afastado pela entidade adjudicante no programa do concurso, ao estabelecer uma metodologia de avaliação do factor «Preço» que se mostra incompatível com aquele critério, na medida em que atribuiu a pontuação máxima apenas às propostas no valor de 700.000€ ou inferior, as quais, segundo o referido critério legal, seriam de valor anormalmente baixo, o que, a seu ver, é absurdo, pelo que o estabelecimento de tal metodologia só pode significar que a entidade adjudicante considerou aquele valor como um valor "normal" do mercado para o concurso em causa, afastando, assim, o critério supletivo legal previsto no citado preceito, segundo o qual o referido valor seria considerado um valor anormalmente baixo.
Na verdade e como resulta do ponto 5 do probatório, a entidade adjudicante estabeleceu, em anexo ao programa de concurso (PC), uma metodologia de avaliação do factor «Preço», segundo a qual a pontuação desse factor seria feita de acordo com uma expressão matemática em que as propostas são pontuadas de 1 a 100, tomando como referência dois preços, a saber - o preço base fixado no CE em 1.400.000 € (pontuado com 0 pontos) e metade desse preço, ou seja, 700.000 € (pontuado com 100 pontos) - e seria entre esses dois preços que a pontuação variaria, de forma linear, de acordo com a fórmula matemática PP = 1.400.000 -VP/700.000, em que PP é a pontuação proposta e VP é o respectivo valor.
Ora, se a entidade adjudicante não pretendeu afastar, como diz, o critério legal supletivo do artº71º, nº1b) do CCP, ao estabelecer a referida metodologia de avaliação do factor «Preço» para o concurso em causa, o certo é que uma tal metodologia, que considera como valor referência para atribuição da pontuação máxima no factor «Preço», uma proposta no valor de 700.000€ (e, portanto, que seria de valor anormalmente baixo, face aquele critério), fazendo variar a pontuação nesse factor, entre o referido valor de 700.000€ e o preço base (1.400.00€), é susceptível de induzir em erro os potenciais concorrentes, pois não é, de modo algum, lógico, indicar como preço/referência para atribuição da pontuação máxima, uma proposta que, afinal, se considera ou se aceita como sendo, logo em abstracto, de valor anormalmente baixo, com o que isso significa.
Com efeito, há que não esquecer que uma proposta de valor anormalmente baixo é uma proposta que suscita sérias dúvidas sobre a sua seriedade ou congruência e, portanto é, à partida e em abstracto, uma proposta suspeita, que não oferece credibilidade de que venha a ser cumprida e, por isso, uma proposta a excluir, caso não seja justificada e aceite essa justificação pela entidade adjudicante.
Por isso, concorda-se com a recorrente quando diz que o critério legal supletivo tem de considerar-se afastado pela adopção da referida metodologia, pois não faz sentido que uma tal proposta possa servir de preço/referência, para efeitos de atribuição, em abstracto, da pontuação máxima no factor «Preço», isto sem prejuízo, naturalmente, de poder vir a ser-lhe atribuída, em concreto, essa pontuação, após prestados esclarecimentos e aceites pela entidade adjudicante, ou seja, apenas se esta concluir que, afinal, não se tratava de uma proposta anómala, pouco séria ou pouco credível.
E igualmente não faz sentido o alegado pela entidade adjudicante, na conclusão 29ª das suas contra-alegações, ao referir que a proposta da autora não foi excluída por indicar um valor anormalmente baixo, mas sim porque a autora não justificou esse valor e tinha de o fazer face ao critério do artº71º,nº1b) e de acordo com o artº57º, nº1 al. d) do CCP.
Ora, de duas uma. Ou a proposta da autora tinha, em abstracto,um valor anormalmente baixo, ou não tinha.
Se não tinha, então não havia que justificar o seu valor logo com a proposta e, consequentemente, não podia esta ser excluída por o não ter justificado nos termos dos supra citados preceitos legais, até porque eles só são aplicáveis a propostas consideradas, em abstracto, de valor anormalmente baixo.


5. Alegam, porém, as recorridas, nas suas contra-alegações, que o critério supletivo previsto no artº71º, nº1 b) do CCP, na falta de indicação, no programa do concurso, de outro valor da anomalia nos termos do artº132º, nº2 do CCP, era vinculativo e, por isso, não podia ser afastado tacitamente pelo modelo de avaliação de propostas previsto naquele programa. Logo o júri do concurso tinha de aplicar as regras vinculativas dos artº57º, nº1 d) e 71º, nº1 b) do CCP.
Só que, como bem observa a recorrente, o que releva para a decisão da presente causa não é se o critério foi validamente afastado pela entidade adjudicante, mas sim se foi efectivamente afastado.
De qualquer modo, sempre se dirá que o artº 57, nº1 d) do CPP só exige que a proposta seja constituída pelos «Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento». (negrito nosso)
Portanto, só existe a obrigação ali prevista se a entidade adjudicante, dentro do seu poder discricionário nesta matéria, fixar, directa ou indirectamente, nas peças concursais, o limiar da anomalia para aquele concreto concurso, o que bem se compreende, uma vez que o critério legal previsto no artº 71º, nº1 é, como já se referiu, meramente supletivo.
E, como é óbvio, essa exigência de justificação ex ante do valor anormalmente baixo da proposta pelo citado artº 57º, nº1 d) do CCP, tem como pressuposto que tal valor foi fixado, com clareza e precisão, pela entidade adjudicante, nas peças concursais, isto sob pena de violação dos princípios da transparência e da boa fé, que devem presidir aos procedimentos concursais (artº 1º, nº 4 do CCP e artº 6-A do CPA).
Ora, pelas razões já referidas supra em 4, o limiar da anomalia para o concurso aqui em causa não resultava, muito menos de um modo claro e preciso, das peças concursais, pelo que a proposta da autora não podia ter sido excluída, automaticamente como foi, com o que o acto impugnado violou os supra citados preceitos legais, como bem, a nosso ver, se decidiu na sentença da 1ª Instância.
Aliás e como se provou, das oito propostas apresentadas ao concurso em causa, quatro, incluindo a da autora, eram no valor de 700.000€ e, significativamente, nenhuma delas cumpriu o artº 57º,1 d) do CCP (cf. ponto 10 do probatório).
Além disso, das quatro propostas admitidas, a proposta adjudicatária era no valor de 700.001,10€, ou seja, apenas mais 1,10€ que as quatro propostas excluídas, incluindo a proposta da autora e das restantes três admitidas, só uma excedia os 711.883,80€ (cf. ponto 10 do probatório).
Ou seja, a maioria das propostas apresentadas a concurso, incluindo a proposta adjudicatária, eram substancialmente equivalentes no factor «Preço».
Neste contexto, em que das oito propostas apresentadas a concurso, sete variavam entre 700.000€ e 711.883,80 e em que a proposta da autora era de 700.000€ e a proposta adjudicatária era de 700.001,10€, a exclusão automática da proposta da autora, apenas por não ter justificado logo o preço oferecido, surge também sem fundamento razoável e, por isso, viola os princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência (cf. Artº 1º, nº4 do CCP, artº 5º do CPA e artº 266º, nº 2 da CRP).
Assim sendo e não resultando, directa ou indirectamente, das peças concursais que a proposta da autora tinha, em abstracto, um valor anormalmente baixo, nem segundo, a própria entidade adjudicante, a mesma foi excluída com esse fundamento, mas apenas por não ter justificado o respectivo valor, o que, já vimos, não era exigível face ao artº 57º, nº 1 d) do CCP, impunha-se então que a mesma fosse admitida pela entidade adjudicante, devendo esta ser condenada na prática do acto devido, tal como peticionado pela autora e, a nosso ver, foi correctamente decidido na 1ª Instância.
Pelas razões expostas, o acórdão recorrido não se pode manter, devendo ser revogado e mantida na ordem jurídica a sentença da 1ª Instância.

IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido e manter na ordem jurídica a sentença proferida em 1ª Instância.
Custas pelas recorridas.
Lisboa, 21 de Junho de 2011. - Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora por vencimento) - Jorge Manuel Lopes de Sousa - Alberto Augusto de Oliveira (vencido conforme voto em anexo).

Voto de vencido
Vencido, pelas razões constantes no meu projecto de acórdão e que são, no essencial, as seguintes:


1.1. A proposta da ora recorrente no concurso identificado foi excluída por, sendo 50% inferior ao preço base estabelecido no caderno de encargos, não ter sido integrada de justificação desse preço.
A recorrente ataca o acórdão recorrido sob diversas linhas de entendimento.
Convém começar por recordar os seguintes dispositivos do Código dos Contratos Públicos (CCP) que vão ser especialmente convocados no decorrer do presente julgamento:
«Artigo 57.º
Documentos da proposta
1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
[...]
d) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento.
[...]».
«Artigo 70.º
Análise das propostas
[...]
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
[...]
e) Um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte;
[...]».
«Artigo 71.º
Preço anormalmente baixo
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º, quando o preço base for fixado no caderno de encargos, considera-se que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja:
a) 40 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas;
b) 50 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos.
2 - Quando o caderno de encargos não fixar o preço base, bem como quando não se verificar qualquer das situações previstas no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar, para os efeitos do disposto no número seguinte, a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo.
3 - Nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.
4 - Na análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º ou do número anterior, pode tomar-se em consideração justificações inerentes, designadamente:
a) À economia do processo de construção, de fabrico ou de prestação do serviço;
b) Às soluções técnicas adoptadas ou às condições excepcionalmente favoráveis de que o concorrente comprovadamente disponha para a execução da prestação objecto do contrato a celebrar;
c) À originalidade da obra, dos bens ou dos serviços propostos;
d) Às específicas condições de trabalho de que beneficia o concorrente;
e) À possibilidade de obtenção de um auxílio de Estado pelo concorrente, desde que legalmente concedido».
«Artigo 115.º
Convite
1 - O programa do procedimento de ajuste directo é substituído pelo convite à apresentação de proposta, o qual deve indicar:
[...]
3 - O convite pode indicar, ainda que por referência ao preço base fixado no caderno de encargos, um valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo.
[...]».
«Artigo 132.º
Programa do concurso
[...]
2 - O programa do concurso pode indicar, ainda que por referência ao preço base fixado no caderno de encargos, um valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo.
[...]».
«Artigo 146.º
Relatório preliminar
1 - Após a análise das propostas, a utilização de um leilão electrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
[...]
d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º;
[...]».
«Artigo 189.º
Convite
[...]
3 - O convite pode indicar, ainda que por referência ao preço base fixado no caderno de encargos, um valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo.
[...]».


1.2. A recorrente sustenta que não era aplicável ao caso o limiar de preço previsto no artigo 71.º, antes haveria de considerar-se que ele tinha sido afastado no quadro de aplicação do artigo 132.º, n.º 2.
No essencial, assenta em que não se aplicava o artigo 71.º, n.º 1, do CCP, ao contrário do julgado, por o critério supletivo dele constante ter sido afastado pela metodologia de avaliação das propostas anexa ao Programa do Concurso (refere-se à metodologia assente em 5 da matéria de facto).
Comece-se por observar que o corpo do artigo 71.º, n.º 1, prevê três casos de afastamento do seu próprio regime: «Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º».
Trata-se, no artigo 115.º, de procedimento por ajuste directo, com convite com indicação de valor, e, no artigo 189.º, de concurso limitado por prévia qualificação, com convite com indicação de valor.
Nenhuma dessas duas situações é a dos autos, que cuida de um concurso público.
E a recorrente vem, naturalmente, suscitar, apenas, que seria aplicável o artigo 132.º.
Note-se, ainda, que a aplicar-se o artigo 71.º, n.º 1, a alínea concretamente relevante é a alínea b), pois nela cabem todos os procedimento de formação de contratos que não sejam de empreitada de obras públicas, sendo que só para estes é aplicável a alínea a).
Por isso, sendo o preço base de 1400.000 euros, preço anormalmente baixo era todo o que não fosse superior a 700.000 euros.


1.3. Na óptica da recorrente, a metodologia de avaliação das propostas anexa ao Programa do Concurso (cfr. 5 da matéria de facto), afastava a aplicação do artigo 71.º, n.º 1, alínea b), em conformidade com o artigo 132.º, n.º 2.
Notar-se-á, imediatamente, que para o preenchimento do disposto no artigo 132.º, n.º 2, é necessário que no programa de concurso haja a indicação de "um valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo".
Ora, a recorrente pretende que existiu o preenchimento dessa previsão sem nunca, porém, conseguir suportar em que ponto do programa de concurso é que foi indicado um outro valor a partir do qual o preço seria considerado anormalmente baixo.
O entendimento da recorrente assenta numa interpretação do preceito em sentido oposto do que nele se prevê.
A recorrente parte da ideia de que o programa de concurso, através da metodologia de avaliação do preço das propostas havia deixado de considerar o valor supletivo resultante da aplicação do artigo 71.º, n.º 1, b), pois que passara a aceitar como «normal», e não anormalmente baixo, um valor que, doutro modo, seria anormalmente baixo por força desse artigo 71.º, n.º 1, b).
Só que, dessa forma, a recorrente deixa de fora, afinal, a exigência do artigo 132.º. É que o artigo 71.º, n.º 1, só é afastado se o programa de concurso indicar outro valor, como valor anormalmente baixo, e nenhum valor está fixado.
Assim, a alegação da recorrente significa o pleno desrespeito de todo o regime legal, já que teríamos que, apesar de valor base fixado no caderno de encargos e apesar de não haver qualquer dispositivo que pudesse ser aplicável, de forma a dispensar-se a aplicação regra do artigo 71.º, não haveria, no fim de contas, nenhum preço anormalmente baixo que pudesse ser considerado.
Não procede, pois, a crítica produzida pela recorrente ao julgamento pelo acórdão recorrido, de que era aplicável o artigo 71.º, n.º 1, b), do CCP.


1.4. Na mesma linha de razões não procede a ideia subsidiária, apontada pela recorrente, agora de violação pelo programa de concurso ainda da disposto no artigo 132.º, n.º 2, mas na perspectiva de que teria realizado a indicação do limite de preço anormalmente baixo à margem do estipulado nesse preceito.
Essa tese não procede, exactamente porque ela radica ainda factualmente numa alegada aceitação ou indicação pelo programa de concurso de um «preço normal». Ora, essa alegação de preço normal não tem qualquer significado para o conteúdo do artigo 132.º, n.º 2, que cuida é da indicação de um valor anormalmente baixo.
Para existir alguma invalidade, no contexto do alegado pela recorrente, era necessário que a indicação de um valor a ser considerado anormalmente baixo tivesse, ela, sim, decorrido à margem das regras exigidas. Mas não é isso que se verifica, pois não houve no programa de concurso qualquer indicação de valor anormalmente baixo.


1.5. A recorrente adianta uma outra linha de crítica, a de que a referida metodologia de avaliação do preço das propostas era incompatível com a aplicação do artigo 71.º, n.º 1, b).
Já verificámos que não se detecta o preenchimento da previsão legal do artigo 132.º, n.º 2, que permitiria afastar a aplicação do regime regra do artigo 71.º.
A alegação da recorrente centra-se, agora, na própria impossibilidade de aplicação desse regime regra, por directa incompatibilidade com a metodologia de avaliação do preço das propostas.
Para a recorrente é incompatível com a qualificação como anormalmente baixo de preço total resultante de uma proposta, quando uma proposta com esse mesmo preço tem, segundo a metodologia da apreciação do factor preço, uma pontuação superior à de propostas sem essa qualificação.
Está em causa, como se tem repetido, a metodologia referenciada em 5 da matéria de facto.
A verdade é que não se descortina oposição ou incompatibilidade entre o preço anormalmente baixo e uma melhor apreciação de uma proposta com esse preço face a outra com preço não anormalmente baixo.
São segmentos diferentes.
Naturalmente que o adjudicante tem todo o interesse em contratar pelo melhor preço, desde que esse melhor preço não redunde, afinal, em gastos suplementares.
Por isso que se estabelece um patamar de preço a partir do qual, para ser considerada, a proposta tem de ter justificação.
Não há uma recusa de preço anormalmente baixo. Ele tem é de ser justificado. E se for, razão não há para o não aceitar.
E nesse caso, também, com certeza que é de todo interesse ter em melhor atenção essa proposta, exactamente porque, aceitando-se os esclarecimentos justificativos apresentados, que podem ser os mais diversos, nomeadamente os exemplificativamente indicados no artigo 71.º, n.º 4, não se compreenderia, então, qualquer penalização, antes, sim, a sua valorização. É, aliás, ponderando, naturalmente, as vantagens dessa melhor apreciação que os concorrentes, com certeza, apresentam, quando apresentam, propostas que desde logo sabem ser consideradas de preço anormalmente baixo.
Não se pode descortinar, portanto, qualquer incompatibilidade de ordem jurídica entre o que ficou estabelecido no preço base e o que ficou estabelecido para a apreciação das propostas.
E por isso não houve qualquer auto-vinculação ou outro afastamento do regime legal do preço base e da sua consideração para determinar o que é o preço anormalmente baixo.
E do mesmo modo não se consegue descortinar que a actuação do IEFP, no que aqui releva, possa ser tida como violadora de qualquer um dos princípios arvorados pela recorrente, pois que essa arguição vem alicerçada, afinal, numa menos boa compreensão do regime legal.


1.6. A recorrente, numa nova frente de argumentação, sustenta, então, que a actuação do IEFP a fez incorrer em erro.
Trata-se, ainda, da actuação configurada na metodologia de avaliação das propostas, face ao preço base fixado.
Ora, para além do que discorremos sobre os preceitos legais aplicáveis, a verdade é que não vem fixado pelo acórdão recorrido qualquer erro.
Haveria de se demonstrar a existência de erro da recorrente em virtude da actuação do IEFP. Não existindo essa demonstração, não pode este Tribunal apreciar com base em matéria que não está fixada.


1.7. Ainda que fosse aplicável quanto ao preço, o limiar decorrente do artigo 71.º, n.º 1, b), considera a recorrente que não havia lugar à sua exclusão automática pelo mero facto de a sua proposta não ter sido constituída por documentos contendo os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo.
Vejamos.
O artigo 70.º, n.º 2, dispõe sobre a exclusão de propostas cuja análise revele «e) Um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte».
Temos, pois, a exclusão por não apresentação de esclarecimentos ou pela sua não consideração. São coisas diferentes.
A não apresentação de esclarecimentos reporta-se ao que vem imposto no artigo 57.º, n.º 1, d). Quando um preço anormalmente baixo resultar directa ou indirectamente das peças do procedimento, é necessário que a proposta seja constituída com documento esclarecedor.
Sendo o preço anormalmente baixo resultante da percentagem definida pelo artigo 71.º, n.º 1, face ao preço base, a previsão de não apresentação está preenchida.
A não consideração envolve, já, a apreciação dos próprios esclarecimentos.
Conforme o disposto no artigo 71.º, n.º 2, se o caderno de encargos não fixar o preço base «bem como quando não se verificar qualquer das situações previstas no n.º 3 do artigo 115.º, no n.º 2 do artigo 132.º e no n.º 3 do artigo 189.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar, para os efeitos do disposto no número seguinte, a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo». E logo dispõe o n.º 3: «Nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.
Decorre dos preceitos referidos e ainda do n.º 4 do artigo 71.º que, tratando-se de proposta anormalmente baixa, no contexto do artigo 71.º, n.º 1, não há prévia solicitação de esclarecimentos, há, sim, a análise dos esclarecimentos desde logo prestados pelos concorrentes, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, d); É o que ressalta do artigo 71.º, n.º 4: «Na análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º ou do número anterior [...]»
E uns e outros esclarecimentos, «esclarecimentos justificativos»" como também lhes chama, o artigo 70.°, n.º 2, alínea e), podem não ser considerados. Essa desconsideração pode, evidentemente, suscitar a discordância dos interessados, demonstrando que, ao contrário, haveria boas razões para a aceitação das propostas. Mas esse é outro problema, que não está em discussão.
A diferença entre exigência prévia de solicitação de esclarecimentos ou de mera análise de esclarecimentos ou justificação já prestados pelo concorrente radica, pois, entre o mais, em, neste último caso, ao contrário daquele, estar já definido o preço base e, por isso, ser tabelar o que é uma proposta de preço total anormalmente baixo.
No caso dos autos não se verifica a situação prevenida no artigo 71.º, n.º 2, que supõe a inexistência de preço base fixado no caderno de encargos; ora, não se verificando a situação prevenida no n.º 2 também não se aplica, ao contrário do que pretende a recorrente, o n.º 3 do artigo 71.º, pois este é, nos próprios termos da sua conjugação com aquele n.º 2, apenas convocável para as situações definidas nesse n.º 2.
Não há, assim, possibilidade de trazer para o caso a aplicação do regime de prévia solicitação de esclarecimentos do artigo 71.º, n.º 3.
E do mesmo modo não pode valer a arguição de violação do artigo 146.º, n.º 2, d), ele que se limita a impor um relatório preliminar fundamentando, precisamente, a exclusão de propostas «d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57»; não sendo a ausência desse relatório preliminar o que a recorrente questiona (relatório, aliás, dado como assente em 9 da matéria de facto).
A pretensão da recorrente de aplicação do regime do artigo 71.º, n.º 3, aos casos de preço base fixado no caderno de encargos, além de não ter correspondência com o regime fixado, como bem sustenta a recorrida C..., implicaria afinal, o desaparecimento da distinção feita pela lei.
Distinção que, como se disse, tem justificação, pois uma coisa é o concorrente ser surpreendido com a qualificação do preço total da sua proposta como sendo anormalmente baixo, outra é essa qualificação decorrer de mera aplicação do critério legal, que deve conhecer, pelo que aí deve logo justificar a razão do que propõe.
E como sustenta o recorrido IEFP, considerar uma eventual possibilidade do concorrente que não respeitou o disposto no art° 57°, n° 1, al. d), tendo o preço base sido fixado no caderno de encargos nos termos do art° 71°, n° 1, al. b) do CCP, ir ao concurso prestar os esclarecimentos justificativos do preço por si indicado, depois de já conhecer tais elementos das propostas dos restantes concorrentes, consubstanciaria violação dos princípios da igualdade e da concorrência, dada a vantagem comparativa do mesmo em relação aos outros.


1.8. A recorrente suscita a questão da qualificação da não apresentação dos elementos justificativos, no respeito do artigo 57.º, n.º 1, d), como incumprimento de formalidade não essencial.
Trata-se, no entanto, de qualificação que não resiste ao regime legal. Impossível que na economia do CCP essa não apresentação seja subsumível a formalidade não essencial, pois se o fosse era suprível e não tinha a consequência que se viu resultar do regime legal.
Aliás, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, os documentos que contenham os elementos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo são, eles mesmo, integrantes da proposta: «A proposta é constituída pelos seguintes documentos».
Não se trata, portanto, de formalidade a cumprir ou deixar de cumprir, mas de elemento constitutivo da proposta.


1.9. A recorrente suscita, ainda, a desproporção entre a falha cometida, a considerar-se que houve falha, e a consequência, a exclusão do concurso.
Comece-se por observar que a recorrente não discute a bondade dos patamares eleitos pela lei para a definição de preço anormalmente baixo, 40% ou de 50% do preço base, conforme o artigo 71.º, n.º 1.
A recorrente insiste ainda é na aplicação do artigo 71.º, n.º 3, mesmo às situações em que logo se devesse ter apresentado os documentos justificativos, conforme o artigo 57.º, n.º 1, d).
Já vimos que não é esse o regime legal.
Sendo que a diferença se compreende, como também dissemos, pois uma coisa é o concorrente ser surpreendido com a qualificação do preço total da sua proposta como sendo anormalmente baixo, outra é essa qualificação decorrer de mera aplicação do critério legal, que deve conhecer, pelo que aí deve logo justificar a razão do que propõe.
Haverá situações, como é a presente, em que a proposta vencedora tem uma diferença de preço face a outra propostas, excluídas, como a da recorrente, muito reduzida.
Mas essa pequena diferença não conduz a afirmar a violação do princípio da proporcionalidade.
Como se sabe, o estabelecimento de patamares, de níveis a partir dos quais e antes dos quais algo é permitido ou proibido, algo é concedido ou denegado, é comum no Direito e é exigência de segurança jurídica.
Pode ocorrer que essas regras, esses patamares, cheguem, em certa ocasião, a determinar uma tal injustiça que tenham de ser afastados.
Mas não é a circunstância.
Estamos no âmbito do comércio jurídico dos contratos públicos onde é decisivo o respeito por todos os intervenientes das regras estabelecidas. Uma distorção das mesmas implicaria a violação dos princípios da igualdade das partes, da concorrência e da transparência.
Afinal, o que se passou foi a mera aplicação das regras estabelecidas sem qualquer consequência imprevisível ou inaceitável ou fora do quadro normal que a criação do regime regra do artigo 71.º desde logo supõe.


1.10. Em tudo o mais, remete-se para o acórdão recorrido, que se acompanha.

2. Pelo exposto, teria negado provimento ao recurso
Lisboa, 21 de Junho de 2011. - Alberto Augusto Oliveira.