Conclusões do Advogado-Geral no processo C-305/08 (3 de Setembro de 2009)

Imprimir

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
JAN MAZÁK
apresentadas em 3 de Setembro de 2009 1(1)

 Processo C‑305/08

CoNISMa (Consorzio Nazionale Interuniversitario per le Scienze del Mare)
contra
Regione Marche

[Pedido de decisão prejudicial submetido pelo Consiglio di Stato (Itália)]

 

«Contratos públicos de serviços ‑ Directiva 2004/18/CE ‑ Processo de adjudicação de contratos públicos ‑ Conceito de ‘operador económico' ‑ Exclusão de entidades sem fins lucrativos que se dedicam à investigação, como as universidades)»

 
1. O presente pedido de decisão prejudicial submetido pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, decidindo em contencioso) (Itália) tem por objecto a interpretação do conceito de «operador económico», definido no artigo 1.°, n.° 8, segundo parágrafo, da Directiva 2004/18/CE (2). O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se as entidades sem fins lucrativos que não estejam necessariamente presentes no mercado com carácter de regularidade, em particular universidades e institutos de investigação, bem como agrupamentos entre universidades, institutos de investigação e organismos da administração estatal, podem participar num concurso público de serviços para a realização de levantamentos geofísicos e a recolha de amostras no mar. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se uma interpretação restritiva da legislação nacional, que exclui a participação das referidas entidades, é contrária à directiva.

I - Quadro jurídico

A)    Direito comunitário

2. O artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da directiva, dispõe que «‘Contratos públicos' são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objecto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na acepção da presente directiva» (3).

3. Segundo o artigo 1.°, n.° 8, da directiva:

«os termos ‘empreiteiro', ‘fornecedor' e ‘prestador de serviços' designam qualquer pessoa singular ou colectiva, entidade pública ou agrupamento de tais pessoas e/ou organismos que, respectivamente, realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços no mercado.

O termo ‘operador económico' abrange simultaneamente as noções de empreiteiro, fornecedor e prestador de serviços e é usado unicamente por motivos de simplificação do texto.

[...]» (4)

4. O artigo 4.° da directiva, que tem como epígrafe «Operadores económicos», dispõe:

«1. Os candidatos ou proponentes que, por força da legislação do Estado‑Membro em que se encontram estabelecidos, estejam habilitados a fornecer a prestação em questão não podem ser rejeitados pelo simples facto de, ao abrigo da legislação do Estado‑Membro em que se efectua a adjudicação, serem uma pessoa singular ou uma pessoa colectiva.

[...]

2. Os agrupamentos de operadores económicos podem apresentar propostas ou constituir‑se candidatos. Para efeitos de apresentação da proposta ou do pedido de participação, as entidades adjudicantes não podem exigir que os agrupamentos de operadores económicos adoptem uma forma jurídica determinada, mas o agrupamento seleccionado pode ser obrigado a adoptar uma forma jurídica determinada uma vez que lhe seja adjudicado o contrato, na medida em que tal seja necessário para a boa execução do mesmo» (5).

5. Por último, sob a epígrafe «Verificação da aptidão, selecção dos participantes e adjudicação dos contratos», o artigo 44.°, n.° 1, da directiva estipula que «os contratos são adjudicados com base nos critérios estabelecidos nos artigos 53.° e 55.°, tendo em conta o artigo 24.°, após verificada a aptidão dos operadores económicos não excluídos ao abrigo dos artigos 45.° e 46.° pelas entidades adjudicantes de acordo com os critérios relativos à capacidade económica e financeira, aos conhecimentos ou capacidades profissionais e técnicos referidos nos artigos 47.° a 52.° e, eventualmente, com as regras e critérios não discriminatórios referidos no n.° 3» (6).

B)    Direito nacional

6. Os n.os 19 e 22 do artigo 3.° do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto Legislativo n.° 163, de 12 de Abril de 2006 (7), dispõem, respectivamente, que «os termos ‘empreiteiro', ‘fornecedor' e ‘prestador de serviços' designam qualquer pessoa singular ou colectiva ou uma entidade sem personalidade jurídica, incluindo os agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE) constituídos nos termos do Decreto Legislativo n.° 240, de 23 de Julho de 1991, que, respectivamente, realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços no mercado» e que «a expressão ‘operador económico' abrange os conceitos de empreiteiro, fornecedor e prestador de serviços, ou de um agrupamento ou consórcio dos mesmos» (8).

7. O artigo 34.° do Decreto Legislativo n.° 163/2006, sob a epígrafe «Sujeitos de direito aos quais podem ser adjudicados contratos públicos [...]», dispõe o seguinte:

«1. Sem prejuízo das restrições expressamente previstas, podem participar nos processos de adjudicação de contratos públicos os seguintes sujeitos de direito:

a) empresários em nome individual, incluindo artesãos; sociedades e associações comerciais e cooperativas;

b) consórcios entre cooperativas de produção e cooperativas de trabalho [...] e consórcios entre empresas de artesãos [...];

c) consórcios com carácter estável, constituídos, nomeadamente, por empresas comuns [...], entre empresários em nome individual, incluindo artesãos, sociedades comerciais ou cooperativas de produção e cooperativas de trabalho [...];

d) agrupamentos temporários de concorrentes, constituídos pelos sujeitos referidos nas alíneas a), b) e c) [...];

e) consórcios ordinários de concorrentes [...], constituídos pelos sujeitos referidos nas alíneas a), b) e c) do presente número, mesmo sob a forma de sociedades ou associações [...];

f) sujeitos que tenham constituído um agrupamento europeu de interesse económico [AEIE] [...];

[...]».

8. Só depois de ocorridos os factos em causa no processo principal e, portanto, também só depois de proferido o despacho do órgão jurisdicional de reenvio, em 23 de Abril de 2008, é que o Decreto Legislativo n.° 152 de 11 de Setembro de 2008 (9) acrescentou a seguinte alínea às outras acima elencadas: «f bis) operadores económicos na acepção do n.° 22 do artigo 3.°, estabelecidos noutros Estados‑Membros e constituídos de acordo com a legislação aplicável do Estado‑Membro em causa».

II - Antecedentes factuais e processuais e questões prejudiciais

9. A Regione Marche (Região de Marche) abriu, na qualidade de entidade adjudicante, um concurso público para a realização de levantamentos geofísicos e a recolha de amostras no mar. O Consorzio Nazionale Interuniversitario per le Scienze del Mare (Agrupamento Nacional Interuniversitário para as Ciências do Mar, a seguir «CoNISMa») candidatou‑se mas acabou por ser excluído do concurso.

10. O CoNISMa impugnou a respectiva exclusão, interpondo um recurso extraordinário dirigido ao Presidente da República Italiana. No âmbito desse recurso extraordinário, o Ministero dell'ambiente e della tutela del territorio (Ministério italiano do Ambiente e da Protecção do Território) solicitou um parecer ao Consiglio di Stato. O órgão jurisdicional de reenvio precisa de determinar se um agrupamento interuniversitário como o CoNISMa é um «operador económico» na acepção da directiva e, em caso afirmativo, se pode participar num concurso público como o que está em questão no processo principal. O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto a este ponto, com base nas seguintes considerações.

11. O Consiglio di Stato afirma que o CoNISMa é um agrupamento constituído por 24 universidades e três ministérios. Nos termos dos seus estatutos, o agrupamento não tem fins lucrativos e propõe‑se promover e coordenar a investigação e outras actividades científicas entre as universidades nele participantes, bem como as suas aplicações no domínio das ciências do mar. No entanto, os estatutos prevêem que possa participar em concursos públicos. O agrupamento é financiado principalmente por fundos atribuídos pelo Ministério das Universidades e da Investigação. No entender do órgão jurisdicional de reenvio, os concursos públicos em questão só estão abertos a organismos de direito público que forneçam as prestações objecto do contrato de acordo com os seus fins institucionais e em conformidade com as funções lucrativas que lhes são atribuídas pelas normas que os disciplinam.

12. Nestas circunstâncias, o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1. As disposições da Directiva 2004/18/CE [...] devem ser interpretadas no sentido de que proíbem a participação de um [agrupamento (‘consorzio')] constituído exclusivamente por universidades italianas e organismos da administração estatal [...] num concurso público de prestação de serviços, como o concurso para a [realização] de levantamentos geofísicos e recolha de amostras no mar?

2. As disposições da ordem jurídica italiana, concretamente os artigos 3.°, n.os 22 e 19, e 34.° do [...] Decreto Legislativo n.° 163/2006 - segundo os quais, respectivamente, «[o termo] ‘operador económico' [abrange os conceitos de] empreiteiro, [...] fornecedor e [...] prestador de serviços, ou [de] um agrupamento ou consórcio dos mesmos» e «os termos ‘empreiteiro', ‘fornecedor' e ‘prestador de serviços' designam qualquer pessoa singular ou colectiva, ou uma entidade sem personalidade jurídica, incluindo [os agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE)] [...], que [, respectivamente, realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços ‘no mercado'] - são contrárias à Directiva 2004/18[...], se forem interpretadas no sentido de que limitam a participação aos prestadores de serviços profissionais dessas actividades, excluindo entidades cujas finalidades prioritárias não sejam a obtenção de lucro, como as entidades que se dedicam à investigação?»

III - Apreciação

A)    Principais argumentos das partes

13. Segundo o CoNISMa, demandante no processo principal, a legislação nacional que, de acordo com a enumeração taxativa que consta do artigo 34.° do Decreto Legislativo n.° 163/2006, exclui entidades que não sejam «empreiteiros», deve ser interpretada à luz da directiva. O artigo 1.°, n.° 8, da directiva, inclui expressamente as «entidades públicas» entre os empreiteiros, fornecedores ou prestadores de serviços. O artigo 4.° da directiva estipula que os candidatos habilitados a fornecer a prestação em questão não podem ser rejeitados pelo simples facto de, ao abrigo da legislação do Estado‑Membro em que se efectua a adjudicação, terem que ser uma pessoa singular ou uma pessoa colectiva. A fortiori, um candidato não deve ser rejeitado pelo simples facto de não ser «empreiteiro». O CoNISMa afirma que este entendimento é corroborado pelo facto de, depois de a Comissão das Comunidades Europeias ter instaurado contra a República Italiana o processo administrativo n.° 2007/2309 (10) por incumprimento das suas obrigações, o Governo italiano ter introduzido no n.° 1 do artigo 34.° do Decreto Legislativo n.° 163/2004 a já referida nova alínea (f bis). Na opinião do CoNISMa, esta reforma aboliu expressamente o requisito que impõe que os operadores económicos estabelecidos noutros Estados‑Membros sejam um «empreiteiro». Além disso, substituiu o termo «empresas», usado no decreto legislativo, pelo termo «operadores económicos».

14. O Governo checo afirma, no essencial, que, se a directiva tivesse pretendido estabelecer uma distinção entre entidades públicas com carácter económico, que exercem uma actividade económica determinada, e as que não têm carácter económico, teria incluído uma declaração nesse sentido. Consequentemente, o Governo checo propõe que a resposta à primeira questão seja negativa.

15. O Governo austríaco alega, inter alia, que as regras comunitárias relativas à contratação pública são aplicáveis quando uma entidade adjudicante tenciona adjudicar um contrato a título oneroso a uma entidade juridicamente distinta, independentemente de esta última ser ou não ela própria uma entidade adjudicante. Daqui decorre que as entidades adjudicantes podem participar em processos de concursos como proponentes ou como candidatos, o que, a fortiori, deve ser aplicável a concorrentes que não sejam entidades adjudicantes mas que não tenham fins lucrativos e não actuem exclusivamente de acordo com as forças do mercado.

16. A Comissão alega, no essencial, que, segundo o artigo 1.°, n.° 8, da directiva e de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as entidades públicas e as entidades adjudicantes em geral podem participar num concurso público como proponentes e, por conseguinte, ser consideradas operadores económicos na acepção da directiva. Além disso, nenhuma disposição da directiva impede que as universidades e os agrupamentos de universidades sejam considerados operadores económicos e tenham acesso a concursos comunitários.

17. Quanto à segunda questão, todas as partes acima referidas defendem, no essencial, que a resposta deve ser afirmativa.

B)    Apreciação

18. Com as suas questões, que devem ser apreciadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, essencialmente, saber se entidades sem fins lucrativos que não estão necessariamente presentes no mercado numa base regular (11), como o CoNISMa ‑ ou seja, universidades e institutos de investigação, e agrupamentos constituídos por essas universidades e institutos de investigação e organismos da administração estatal (12) ‑ têm direito a participar num concurso público de prestação de serviços e se é possível considerar‑se que constituem um «operador económico» na acepção da directiva. Se a legislação nacional for interpretada restritivamente, no sentido de impedir a participação destas entidades, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se tal interpretação é contrária à directiva. A esse respeito, basta assinalar que o Tribunal de Justiça interpreta o direito comunitário e não o direito nacional (13).

19. Apreciarei, em primeiro lugar, a letra das disposições relevantes.

20. Apesar de fazer referência aos «operadores económicos», inter alia, no artigo 1.°, n.° 2, alínea a), a directiva não contém uma definição precisa desse conceito. O artigo 1.°, n.° 8, da directiva apenas refere que esse termo «é usado unicamente por motivos de simplificação do texto» e designa «qualquer pessoa singular ou colectiva, entidade pública ou agrupamento de tais pessoas e/ou organismos que, respectivamente, realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços no mercado» (14).

21. A este propósito, considero que o facto de o artigo 1.°, n.° 8, da directiva se referir a quem «forneça produtos ou preste serviços no mercado» não traduz qualquer intenção de circunscrever a categoria de entidades públicas habilitadas a celebrar contratos com entidades adjudicantes exclusivamente às que exerçam (como uma empresa) a actividade envolvida no serviço a prestar pelo adjudicatário seleccionado e cujos objectivos sejam lucrativos. Para se ser considerado um operador económico não é essencial prestar serviços no mercado numa base contínua e sistemática.

22. Do meu ponto de vista, é manifesto que a directiva não exige qualquer forma jurídica específica nem contém qualquer requisito que imponha que um operador económico seja uma empresa ou tenha objectivos lucrativos ou uma presença estável ou regular no mercado.

23. A directiva limita‑se a dispor que o termo «operador económico» designa, inter alia, qualquer entidade pública que realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços no mercado. Nada mais diz.

24. Nestes termos, tal como referiu a Comissão, ao não dar quaisquer indicações sobre as características exigidas e/ou sobre a forma jurídica dos operadores económicos aos quais é permitido participar em concursos, o legislador comunitário não quis definir esse conceito de forma a estabelecer condições particulares e limitar, assim, a admissão aos concursos.

25. Além disso, é de salientar que o artigo 4.°, n.° 1, da directiva dispõe que «os candidatos ou proponentes que, por força da legislação do Estado‑Membro em que se encontram estabelecidos, estejam habilitados a fornecer a prestação em questão não podem ser rejeitados pelo simples facto de, ao abrigo da legislação do Estado‑Membro em que se efectua a adjudicação, serem uma pessoa singular ou uma pessoa colectiva». Seguidamente, no que se refere aos agrupamentos de operadores económicos, o artigo 4.°, n.° 2, da directiva, acrescenta que «para efeitos de apresentação da proposta ou do pedido de participação, as entidades adjudicantes não podem exigir que os agrupamentos de operadores económicos adoptem uma forma jurídica determinada [...]».

26. Das considerações que precedem e, em especial, do artigo 1.°, n.° 8, da directiva, decorre que as entidades públicas como a que está envolvida no processo principal são «operadores económicos» e podem, em princípio, participar em concursos públicos de serviços.

27. Esta abordagem é confirmada pelos travaux préparatoires da directiva (15).

28. Neste ponto, talvez se possa estabelecer um paralelo com o conceito de empresa, já bem sólido no direito comunitário da concorrência.

29. Isto pode também ser oportuno pelo facto de a directiva enfatizar que o conceito de «operador económico» é usado apenas por motivos de simplificação. Além disso, é óbvio que o direito da concorrência e as regras que garantem a concorrência leal nos concursos estão relacionados.

30. Por conseguinte, é elucidativo recordar o sentido da jurisprudência Höfner e Elser (16) relativo ao conceito de «empresa» no contexto do direito da concorrência, que «compreende qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do modo como é financiada». Além disso, o Tribunal de Justiça decidiu que «constitui actividade económica qualquer actividade que consista em propor bens ou serviços num dado mercado» (17). Revela‑se aqui particularmente ajustada a observação do advogado‑geral F. G. Jacobs segundo a qual «uma actividade não deixa, necessariamente, de ser económica simplesmente porque não tem fins lucrativos» (18).

31. A minha interpretação do conceito de «operador económico» é também corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de contratação pública.

32. Primeiro que tudo, existe jurisprudência (19) na qual o Tribunal de Justiça declarou que as regras comunitárias relativas à contratação pública se aplicam a um «operador económico activo no mercado». Considero, contudo, que desta afirmação se não deve inferir que um operador económico tenha que ter uma presença estável ou regular no mercado.

33. Pelo contrário, do meu ponto de vista, o conceito de «operador económico» deve ser interpretado em sentido lato, a fim de abranger qualquer pessoa que preste serviços no mercado, independentemente de o fazer pela primeira vez ou meramente a título isolado ou ocasional.

34. Com efeito, como a Comissão assinalou, isto não põe em causa a qualidade do serviço prestado, uma vez que o artigo 44.° da directiva dispõe que os contratos só devem ser adjudicados após as entidades adjudicantes terem verificado a capacidade económica e financeira dos operadores económicos, bem como os seus conhecimentos e capacidades profissionais e técnicas.

35. Uma interpretação em sentido lato do conceito de «operador económico» é igualmente consentânea com a jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de que é preocupação do direito comunitário assegurar a maior participação possível de proponentes num concurso (20).

36. Neste contexto, importa também ter em consideração os acórdãos Teckal (21), ARGE (22), Stadt Halle e RPL Lochau (23) e Auroux e o. (24), nos quais o Tribunal de Justiça decidiu, inter alia, que a legislação comunitária sobre contratação pública é aplicável mesmo nos casos em que o adjudicatário é ele próprio uma entidade adjudicante (25). Por conseguinte, uma entidade adjudicante também pode ser considerada um «operador económico» na acepção da directiva, o que milita em favor da minha interpretação do conceito, no presente caso.

37. O órgão jurisdicional de reenvio manifestou preocupações especificamente no que se refere aos fins não lucrativos do CoNISMa. A este respeito, no acórdão Comissão/Itália (26), o Tribunal de Justiça decidiu, primeiro, que o facto de uma associação não ter fins lucrativos não a impede de exercer uma actividade de natureza económica e de ser abrangida pelo conceito de empresa ao abrigo das disposições do Tratado relativas à concorrência.

38. Seguidamente, o Tribunal lembrou o acórdão proferido no processo ARGE (27) e decidiu que, como os seus empregados trabalham numa base de voluntariado, esses organismos têm tendencialmente a capacidade de apresentar propostas a preços sensivelmente inferiores aos dos outros concorrentes, facto que não os impede de participarem num concurso de adjudicação de um contrato público de serviços abrangido pela Directiva 92/50. Consequentemente, o Tribunal de Justiça concluiu que o contrato em questão nesse processo não estava excluído do conceito de contratos públicos de serviços na acepção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50 pelo facto de as associações em causa não terem fins lucrativos (28).

39. Além disso, para dar resposta às preocupações do órgão jurisdicional de reenvio de acordo com as quais, alegadamente, o agrupamento não teria a possibilidade de assegurar o profissionalismo e a capacidade de uma empresa comercial típica, nem a maquinaria sofisticada e os operadores altamente qualificados necessários para o serviço em causa, basta recordar a jurisprudência na qual o Tribunal de Justiça decidiu que é indiferente que o proponente não possa ou não tencione executar ele próprio o contrato, desde que consiga demonstrar que dispõe realmente, através das suas filiais ou de terceiros, dos meios necessários para a execução do contrato, seja qual for a natureza do vínculo jurídico que o une a essas empresas (29).

40. A directiva não permite, a este propósito, que uma entidade adjudicante exclua da participação num concurso uma entidade de direito público como o CoNISMa, já que saber se um operador económico tem ou não direito a participar nesse processo é uma questão que deve ser examinada no âmbito dos artigos 44.° a 52.° da directiva. Por outras palavras, como alegou o Governo checo, a possibilidade de participar num concurso através da apresentação de uma proposta não deve ser confundida com a avaliação dessa proposta no quadro de uma fase subsequente de qualificação na tramitação do processo.

41. Acresce que o órgão jurisdicional de reenvio considera que a participação em concursos de agrupamentos de entidades públicas como o CoNISMA pode violar o princípio da livre concorrência sob um duplo aspecto. Por um lado, essa participação poderia potencialmente subtrair ao mercado livre uma parte dos contratos públicos, contratos estes aos quais uma parte não despicienda de empresas comuns passaria a ter, no mínimo, dificuldades em aceder devido à vasta rede de pontos comerciais pertencentes ao agrupamento. Em segundo lugar, essa mesma participação colocaria injustamente o adjudicatário numa posição privilegiada, devido à segurança económica proporcionada pelos financiamentos públicos constantes e previsíveis de que os outros operadores económicos, que apenas podem contar com a sua capacidade de auferir rendimentos através da oferta no mercado, não beneficiam.

42. Primeiro, quanto à alegada vasta rede de pontos comerciais, não considero este argumento particularmente decisivo, quanto mais não seja pelo facto de o CoNISMa ter explicado nas suas observações que só tem sede em Roma e que os escritórios dos seus vários membros não desempenham qualquer papel nos concursos públicos.

43. Segundo, quanto ao argumento de que o CoNISMa desfrutaria injustamente de uma posição privilegiada devido aos financiamentos públicos de que dispõe - independentemente da explicação do CoNISMa de que a sua actividade comercial se auto‑financia -, concordo com o Governo checo e com a Comissão quando afirmam que basta remeter para a jurisprudência do Tribunal de Justiça para concluirmos que esse elemento não constitui obstáculo à participação em concursos (30). Em especial, o Tribunal de Justiça decidiu que as entidades públicas, especificamente as entidades que beneficiem de subvenções públicas que lhes permitem fazer ofertas a preços sensivelmente inferiores aos dos demais concorrentes não subvencionados, estão expressamente autorizadas (31) a participar num processo para adjudicação de contratos públicos. Com efeito, a directiva pertinente no âmbito do processo principal também autoriza expressamente as entidades públicas, nalguns casos financiadas pelo erário público, a participarem em processos para adjudicação de contratos públicos.

44. Note‑se que o n.° 3 do artigo 55.° da directiva, epigrafado «Propostas anormalmente baixas», dispõe que «quando a entidade adjudicante verificar que uma proposta é anormalmente baixa por o proponente ter obtido um auxílio estatal, a proposta só poderá ser rejeitada unicamente com esse fundamento se, uma vez consultado, o proponente não puder provar, num prazo suficiente fixado pela entidade adjudicante, que o auxílio em questão foi legalmente concedido. Quando a entidade adjudicante rejeitar uma proposta nestas circunstâncias deve informar do facto a Comissão» (32).

45. A este respeito, a directiva dispõe, no seu quarto considerando, que «os Estados‑Membros devem velar por que a participação de um proponente que seja um organismo de direito público num processo de adjudicação de contratos públicos não cause distorções de concorrência relativamente a proponentes privados».

46. Para concluir, o n.° 8 do artigo 1.° da directiva e, em particular, o conceito de «operador económico» devem ser interpretados no sentido de que não excluem que um agrupamento como o que está em causa no processo principal participe num concurso público de prestação de serviços (33). Daqui decorre que a directiva se opõe à legislação nacional que exclua a participação dessas entidades, desde que as mesmas tenham o direito, ao abrigo da legislação nacional relevante, de apresentar no mercado propostas de fornecimento de produtos, de prestação de serviços ou de realização de obras.

47. Neste aspecto, cabe ao órgão jurisdicional nacional, tendo em consideração todas as circunstâncias relevantes do processo submetido à sua apreciação, determinar se a legislação nacional relevante é compatível com a directiva, deixando de aplicar, se necessário, qualquer disposição contrária de direito interno (34).

IV - Conclusão

48. Em face do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões que foram submetidas à sua apreciação pelo Consiglio di Stato da forma seguinte:

1) O artigo 1.°, n.° 8, da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços e, em particular, o conceito de «operador económico» devem ser interpretados no sentido de que não excluem que um agrupamento como o que está em causa no processo principal participe num concurso público de prestação de serviços que o agrupamento tem direito a prestar ao abrigo da legislação nacional relevante.

2) A Directiva 2004/18 opõe‑se à legislação nacional que exclua a participação em concursos de entidades cuja finalidade prioritária não seja a obtenção de lucro, desde que as mesmas tenham o direito, ao abrigo da legislação nacional relevante, de apresentar no mercado propostas de fornecimento de produtos, de prestação de serviços ou de realização de obras.


____________________________________________________

(1) Língua original: inglês.
(2) Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114) (a seguir «directiva»).
(3) Sublinhado meu.
(4) Idem.
(5) Idem.
(6) Idem.
(7) Suplemento ordinário ao GURI n.° 100, de 2 de Maio de 2006 («Decreto Legislativo n.° 163/2006»). Actualmente, os processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, de contratos de abastecimento público e de prestação de serviços públicos regem‑se na íntegra por este decreto.
(8) Sublinhado meu.
(9) GURI n.° 231, de 2 de Outubro de 2008.
(10) O CoNISMa alega que a Comissão criticou a lista que consta do artigo 34.° do Decreto Legislativo n.° 163/2006, afirmando que «não parece permitir a participação em concursos de operadores cuja forma jurídica seja diferente das enumeradas na lista. Em especial, este artigo não parece permitir a participação de outras entidades públicas ou organismos de direito público na acepção das directivas relativas à contratação pública».~
(11) A este respeito, o Consiglio di Stato refere que a presença do CoNISMa no mercado não tem uma base «regular» ou «estável». No entanto, os estatutos do CoNISMa dispõem expressamente que este pode participar em concursos, razão pela qual qualifico a minha afirmação incluindo o advérbio «necessariamente». De facto, o CoNISMa alega que participa com regularidade em concursos públicos.
(12) Quanto a este ponto, assinale‑se que o CoNISMa contesta que também seja constituído por organismos da administração estatal. No entanto, basta dizer que as questões prejudiciais são apreciadas no contexto factual e legal descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio. O Tribunal de Justiça não tem em conta as observações das partes interessadas, na acepção do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, que põem em causa esse contexto. V. acórdãos de 13 de Novembro de 2003, Neri (C‑153/02, Colect., p. I‑13555, n.os 33 a 36) e de 12 de Abril de 2005, Keller (C‑145/03, Colect., p. I‑2529, n.os 32 a 34). Seja como for, as minhas conclusões no presente processo não dependem de o agrupamento ser ou não também constituído por organismos da administração estatal.
(13) No que se refere à redacção da segunda questão, há que lembrar que não cabe ao Tribunal de Justiça, em sede de processo prejudicial, apreciar a conformidade do direito nacional com o direito comunitário nem interpretar o direito nacional. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça tem competência para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação de direito comunitário que possam permitir‑lhe apreciar essa conformidade para a decisão do processo que lhe foi submetido [v. acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2008, Michaniki (C‑213/07, ainda não publicado na Colectânea, n.os 51 e 52 e a jurisprudência aí citada)].
(14) Sublinhado meu.
(15) Como «justificação» para o que viria eventualmente a ser a letra do n.° 8 do artigo 1.°, a proposta de directiva explicava que a «nova noção [de operador económico] [se tinha tornado] necessária devido à inserção das três directivas ‘clássicas' num único texto». Os travaux préparatoires da directiva referiam também que «a única finalidade [desse] termo [era] a concisão», e que era o mesmo que «opérateur économique» em francês ou «ondernemer» em neerlandês, ou «undertaking» em inglês. Acrescentavam que, «em caso de problemas graves de transcrição, [se podiam utilizar] sistematicamente, apesar do estilo pesado, os termos ‘fornecedor, prestador de serviços e empreiteiro'».
(16) Acórdão de 23 de Abril de 1991 (C‑41/90, Colect., p. I‑1979, n.° 21). V., igualmente, entre outros, acórdãos de 11 de Julho de 2006, FENIN/Comissão (C‑205/03 P, Colect., p. I‑6295, n.° 25) e, mais recentemente, de 11 de Dezembro de 2007, ETI e o. (C‑280/06, Colect., p. I‑10893, n.° 38 e jurisprudência aí citada).
(17) V. acórdão de 26 de Março de 2009, Selex Sistemi Integrati/Comisão e Eurocontrol (C‑113‑07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 69); v., igualmente, acórdãos de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália (118/85, Colect., p. 2599, n..° 7); de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália (C‑35/96, Colect., p. I‑3851, n.° 36); de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, Colect., p. I‑1577, n.° 47); de 11 de Julho de 2006, Casa di Risparmo di Firenze e o. (C‑222/04, Colect., p. I‑289, n.° 108); de 23 de Março de 2006, Enirisorse (C‑237/04, Colect., p. I‑2843, n.° 29) e FENIN/Comissão, já referido na nota 16, n.° 25.
(18) Conclusões de 1 de Dezembro de 2005 [acórdão de 23 de Novembro de 2006, Joustra (C‑5/05, Colect., p. I‑11075, n.° 84)]. V., igualmente, conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro de 10 de Novembro de 2005, no processo FENIN/Comissão, já referido na nota 16, segundo as quais «mesmo que não seja prosseguido nenhum objectivo lucrativo, pode existir uma participação no mercado susceptível de pôr em causa os objectivos do direito da concorrência» (n.° 14). Quanto à relevância do facto de uma organização não ter fins lucrativos para efeitos da avaliação da natureza económica de uma actividade, v. acórdãos de 17 de Fevereiro de 1993, Poucet e Pistre (C‑159/91 e C‑160‑91, Colect., p. I‑637, n.° 10); de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália (C‑35/96, já referido na nota 17, n.° 37), e de 12 de Setembro de 2000, Pavlov e o. (C‑ 180/98 a 184/98, Colect., p. I‑6451, n.ºs 76 e 77).
(19) V. acórdão de 18 de Janeiro de 2007, Auroux e o. (C‑220/05, Colect., p. I‑385, n.° 44).
(20) Neste sentido, v. acórdãos Michaniki, já referido na nota 13, n.° 39 e de 19 de Maio de 2009, Assitur (C‑538/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 26). V., igualmente, acórdão de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau (C‑26/03, Colect., p. I‑1, n.° 47).
(21) Acórdão de 18 de Novembro de 1999 (C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.° 50 e segs.).
(22) Acórdão de 7 de Dezembro de 2000 (C‑94/99, Colect., p. I‑11037, n.° 40).
(23) Já referido na nota 20, n.° 47.
(24) Já referido na nota 19.
(25) Relativamente a um caso em que uma universidade é potencialmente uma entidade adjudicante, v. acórdão de 3 de Outubro de 2000, The University of Cambridge (C‑380/98, Colect., p. I‑8035). No que respeita ao conceito de entidade adjudicante, v. Tizzano, A., La notion de ‘pouvoir adudicateur' dans la jurisprudence communautaire, in Monti, M., Prinz Nikolaus von und zu Liechtenstein, Vesterdorf, B., Westbrook, J., Wildhaber, L. (Eds.), Economic Law and Justice in Times of Globalisation, Nomos, Baden‑Baden, 2007, pp. 659‑669.
(26) Acórdão de 29 de Novembro de 2007 (C‑119/06, Colect., p. I‑168, n.ºs 37 a 41 e jurisprudência aí citada). O acórdão dizia respeito à Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1).
(27) Já referido na nota 22, n.ºs 32 e 38.
(28) Quanto ao argumento relativo aos fins não lucrativos, v., igualmente, acórdãos de 18 de Novembro de 2004, Comissão/Alemanha (C‑126/03, Colect., p. I‑11197, n.os 18 e 19); de 13 de Janeiro de 2005, Comissão/Espanha (C‑84/03, Colect., p. I‑139, n.os 38 a 40), e conclusões da advogada‑geral J. Kokott de 15 de Junho de 2006 no processo Auroux e o., já referido na nota 19, n.° 54.
(29) V. acórdãos de 14 de Abril de 1994, Ballast Nedam Groep (C‑389/92, Colect., p. I‑1289, n.° 11 e segs.); de 2 de Dezembro de 1999, Holst Itália (C‑176/98, Colect., p. I‑8607, n.° 25 e segs.), e de 12 de Julho de 2001, Ordine degli Architetti e o. (C‑399/98, Colect. p. I‑5409, n.ºs 88 a 96).
(30) V. acórdão ARGE, já referido na nota 22, n.°s 24 e segs.
(31) Na altura, pela Directiva 92/50.
(32) A este respeito, v. também acórdão ARGE, já referido na nota 22.
(33) A este respeito, como salientou a Comissão, um Estado‑Membro pode evidentemente regulamentar as actividades de pessoas singulares ou colectivas sem fins lucrativos cujo objecto principal seja a investigação e, se necessário, pode limitar a possibilidade de essas pessoas oferecerem serviços no mercado. Não obstante, o Estado‑Membro em questão deve reconhecer como «operadores económicos» as pessoas estabelecidas noutros Estados‑Membros que tenham o direito de prestar o serviço em causa nos termos da lei desse Estado‑Membro, quer se trate de universidades, institutos de investigação ou agrupamentos destes, independentemente de a sua actividade ter ou não fins lucrativos. O órgão jurisdicional de reenvio não menciona qualquer legislação italiana que estabeleça tais limitações relativamente a entidades como a que está em causa no processo principal.
(34) V., a este respeito, acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Frigerio Luigi & C. (C‑357/06, Colect., p. I‑12311, n.° 28), que faz referência ao acórdão de 4 de Fevereiro de 1988, Murphy e o. (157/86, Colect., p. 673, n.° 11), e de 11 de Janeiro de 2007, ITC (C‑208/05, Colect., p. I‑181, n.ºs 68 e 69).