Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 30 de Setembro de 2010 (proc. C-314/09)

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Processo C-314/09

Stadt Graz
contra
Strabag AG e o.

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof)

  

«Directiva 89/665/CEE - Contratos públicos - Processos de recurso - Acção de indemnização - Adjudicação ilegal - Norma nacional de responsabilidade baseada na presunção da culpa da entidade adjudicante»

 

Sumário do acórdão:

A Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, conforme alterada pela Directiva 92/50, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que subordina o direito de indemnização decorrente da violação do direito dos contratos públicos por uma entidade adjudicante ao carácter culposo dessa violação, mesmo quando a aplicação dessa legislação assenta na presunção de culpa da referida entidade adjudicante e na impossibilidade de esta invocar a falta de capacidades individuais e, em consequência, a falta de censurabilidade subjectiva da violação alegada.

Com efeito, o meio processual que tem por objecto a concessão de uma indemnização, previsto no artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665, só pode constituir, eventualmente, uma alternativa processual compatível com o princípio da efectividade subjacente ao objectivo da eficácia dos recursos prosseguido pela referida directiva, se a possibilidade de concessão das indemnizações em caso de violação das regras relativas aos contratos públicos não estiver condicionada à prova da culpa da entidade adjudicante, da mesma forma que não devem estar os outros processos de recurso previstos neste artigo 2.°, n.° 1.

 

Texto integral:

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

30 de Setembro de 2010(*)

 

No processo C-314/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria) por decisão de 2 de Julho de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de Agosto de 2009, no processo

Stadt Graz
contra
Strabag AG,
Teerag‑Asdag AG,
Bauunternehmung Granit GesmbH,
sendo interveniente:
Land Steiermark,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

 composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, E. Juhász, G. Arestis, T. von Danwitz e D. Šváby, juízes,

advogada‑geral: V. Trstenjak,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Junho de 2010,

vistas as observações apresentadas:
─ em representação da Stadt Graz, por K. Kocher, Rechtsanwalt,
─ em representação da Strabag AG, da Teerag‑Asdag AG e da Bauunternehmung Granit GesmbH, por W. Mecenovic, Rechtsanwalt,
─ em representação do Land Steiermark, por A. R. Lerchbaumer, Rechtsanwalt,
─ em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,
─ em representação da Comissão Europeia, por B. Schima e C. Zadra, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão  

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.os 1, alínea c), e 7, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos (JO L395, p.33), alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992 (JO L209, p.1, a seguir «Directiva 89/665»).

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre a Stadt Graz [município de Graz (Áustria)] e a Strabag AG, a Teerag‑Asdag AG e a Bauunternehmung Granit GesmbH (a seguir, conjuntamente, «Strabag eo.»), na sequência da adjudicação ilegal de um contrato público por esse município.

Quadro jurídico

Direito da União

3. Nos termos do terceiro e sexto considerandos da Directiva 89/665:

«[...] a abertura dos contratos de direito público à concorrência comunitária requer um aumento substancial das garantias de transparência e de não discriminação e [...] convém, para que dessa abertura resultem efeitos concretos, que existam meios de recurso eficazes e rápidos em caso de violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que transpõem esse direito;

[...]

[...] é necessário assegurar que, em todos os Estados‑Membros, procedimentos apropriados permitam a anulação das decisões ilegais e a indemnização das pessoas lesadas por uma violação».

4. Esta directiva dispõe, no seu artigo 1.°, n.° 1:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas 71/305/CEE, 77/62/CEE e 92/50/CEE, as medidas necessárias para garantir que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, novamente, no n.° 7 do artigo 2.°, com o fundamento de que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos públicos ou as regras nacionais que transpõem esse direito».

5. O artigo 2.°, n.os 1 e 5 a 7, da Directiva 89/665 enuncia:

«1. Os Estados‑Membros velarão por que as medidas tomadas para os efeitos dos recursos referidos no artigo 1.° prevejam os poderes que permitam:

a) Tomar o mais rapidamente possível, através de um processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa, incluindo medidas destinadas a suspender ou a fazer suspender o processo de adjudicação do contrato de direito público em causa ou a execução de qualquer decisão tomada pelas entidades adjudicantes;

b) Anular ou fazer anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem dos documentos do concurso, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o processo de adjudicação do contrato em causa;

c) Conceder indemnizações às pessoas lesadas por uma violação.

[...]

5. Os Estados‑Membros podem prever que, sempre que forem reclamadas indemnizações com base em que uma decisão foi tomada ilegalmente, a decisão contestada deva primeiro ser anulada por uma instância que tenha a competência necessária para esse efeito.

6. Os efeitos do exercício dos poderes referidos no n.° 1 sobre o contrato celebrado na sequência da atribuição de um contrato de direito público serão determinados pelo direito nacional.

Além disso, excepto se a decisão tiver de ser anulada antes da concessão de indemnizações, os Estados‑Membros podem prever que, após a celebração do contrato na sequência da atribuição de um contrato de direito público, os poderes da instância de recurso responsável se limitem à concessão de indemnizações a qualquer pessoa que tenha sido lesada por uma violação.

7. Os Estados‑Membros garantirão que as decisões tomadas pelas instâncias responsáveis pelos processos de recurso possam ser executadas de modo eficaz.»

Direito nacional

6. O direito da União em matéria de contratos públicos foi transposto no Land da Estíria pela Lei relativa aos contratos públicos de 1998 (Steiermärkisches Vergabegesetz 1998, a seguir «StVergG»).

7. O §115, n.°1, da StVergG dispõe:

«Em caso de violação culposa da presente lei ou dos regulamentos adoptados para a execução da mesma, pelos órgãos de uma entidade adjudicante, um candidato ou proponente cuja proposta não foi admitida tem o direito ao reembolso dos custos da apresentação da sua proposta e dos outros custos suportados com a sua participação no procedimento de adjudicação contra a entidade adjudicante a que é imputável o comportamento dos seus órgãos. O direito a indemnização, incluindo a compensação por lucros cessantes, deve ser invocado em acção proposta nos tribunais comuns».

8. O §1298 do Código Civil austríaco (Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch, a seguir «ABGB») dispõe:

«Quem alegar que foi impedido, sem culpa sua, de cumprir as obrigações que lhe incumbem por contrato ou por lei, tem de o provar. Se, por força do acordado por contrato, a sua responsabilidade se limitar à negligência grave, deve também provar que esta não existiu».

9. O §1299 do ABGB prevê:

«Quem exercer publicamente um cargo, uma arte, uma profissão ou um ofício e quem, sem necessidade, se encarregar voluntariamente de uma tarefa cuja execução exige conhecimentos artísticos ou uma dedicação extraordinária, demonstra assim que dispõe da dedicação necessária e dos conhecimentos extraordinários exigidos, devendo assim responder pela falta dos mesmos. Contudo, se quem lhe confiou a tarefa conhecia a sua inexperiência ou podia conhecê‑la se tivesse actuado com a diligência normal, incorre em culpa».

Os factos na origem do litígio principal e questões prejudiciais

10. Em 1998, nos termos das disposições da StVergG, a Stadt Graz lançou um concurso público ao nível da União Europeia, para a produção e o fornecimento de uma mistura betuminosa fabricada a quente. O anúncio do concurso, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e no Grazer Zeitung, indicava «Graz, Áustria» como local de execução da prestação e previa, na rubrica intitulada «Descrição sumária (tipo de prestações, observações gerais, objectivo da obra ou das prestações de construção)», o fornecimento da mistura betuminosa fabricada a quente, durante o ano de 1999. Esclarecia, também, na rubrica «Prazos para o fornecimento», «início: 1 de Março de 1999, fim: 20 de Dezembro de 1999».

11. Foram apresentadas catorze propostas. A empresa de construção Held & Franck Bau GmbH (a seguir «HFB») apresentou a melhor proposta. Segundo as indicações constantes do pedido de decisão prejudicial, se esta empresa tivesse sido excluída, a proposta conjunta da Strabag e o. deveria ser a escolhida.

12. A HFB anexou uma carta à sua proposta, em que indicava, «a título complementar», que as suas novas instalações de mistura de asfalto, que deviam ser construídas nas semanas seguintes no município de Großwilfersdorf, estariam operacionais a partir de 17 de Maio de 1999. A Strabag e o. desconheciam a existência dessa carta.

13. Em 5 de Maio de 1999, a Strabag eo. interpuseram um recurso na Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark (comissão de fiscalização das adjudicações do Land de Steiermark), alegando que a HFB não dispunha, no Land de Steiermark, de instalações para produção da mistura betuminosa fabricada a quente, sendo‑lhe, assim, tecnicamente impossível executar o contrato em causa. Na sua opinião, a proposta desta empresa devia, por conseguinte, ser excluída.

14. Paralelamente, a Strabag e o. requereram que fosse decretada uma providência cautelar. A Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark deferiu o seu pedido por despacho de 10 de Maio de 1999, proibindo a Stadt Graz de adjudicar o contrato até ser proferida decisão de mérito.

15. Por decisão de 10 de Junho de 1999, a Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark negou provimento ao recurso da Strabag e o., na sua totalidade, tendo, nomeadamente, indeferido os pedidos de instauração de um processo de recurso e de exclusão da HFB do contrato. Esta comissão considerou que essa empresa dispunha de uma autorização para a produção de asfalto e que a exigência de ter instalações para produção da mistura betuminosa fabricada a quente, no momento da abertura das propostas, era desproporcionada em relação ao objecto do contrato e contrária às práticas comerciais.

16. Em 14 de Junho de 1999, a Stadt Graz adjudicou o contrato à HFB.

17. Por decisão de 9 de Outubro de 2002, o Verwaltungsgerichtshof, na sequência de um recurso da Strabag e o., revogou a decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark, por considerar que a proposta da HFB não cumpria as exigências do concurso, uma vez que, decorrendo o prazo de realização da prestação de 1 de Março a 20 de Dezembro de 1999, essa empresa só podia dispor das suas novas instalações de mistura de asfalto, a partir de 17 de Maio de 1999.

18. Por decisão de 23 de Abril de 2003, o Unabhängiger Verwaltungssenat für die Steiermark (secção administrativa independente para o Land de Steiermark), que em 2002 assumiu as competências da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark, declarou que, devido a uma violação da StVergG, a Stadt Graz não tinha adjudicado o contrato nos termos legais.

19. A Strabag e o. intentaram uma acção nos tribunais comuns, em que pedem que a Stadt Graz seja condenada a pagar‑lhes uma indemnização no montante de 300000 euros. Em apoio da sua acção, alegaram que a proposta da HFB devia ter sido excluída por enfermar de uma irregularidade insanável e que, por conseguinte, a sua proposta deveria ter sido escolhida. A Stadt Graz agiu de modo culposo, ao não verificar a incompatibilidade da proposta da HFB com as regras do concurso. A decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark não é susceptível de eximir da sua responsabilidade a Stadt Graz, que agiu por sua conta e risco.

20. Por seu turno, a Stadt Graz alegou que estava vinculada à decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark e que a eventual ilegalidade dessa decisão é imputável ao Land Steiermark, do qual depende a Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark. Em contrapartida, os seus órgãos não agiram de modo culposo.

21. O tribunal de primeira instância, por acórdão interlocutório, declarou procedente a acção de indemnização da Strabag e o., considerando que a Stadt Graz agiu de modo culposo, ao não ter analisado as propostas e ao ter adjudicado o contrato à HFB, apesar da irregularidade notória da proposta desta empresa, durante o prazo de recurso da decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark.

22. Esta decisão foi confirmada em segunda instância. O tribunal de segunda instância declarou, contudo, que o seu acórdão era passível de recurso de revista ordinário, dada a inexistência de jurisprudência do Oberster Gerichtshof relativa à responsabilidade por culpa da entidade adjudicante numa situação em que, como no caso em apreço, existia, à data da adjudicação do contrato ao proponente com a melhor proposta, uma decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark que confirmava a posição da referida entidade adjudicante.

23. O tribunal de recurso considerou que, apesar de os tribunais comuns estarem vinculados pela decisão do Unabhängiger Verwaltungssenat für die Steiermark de 23 de Abril de 2003, que declarou a ilegalidade da adjudicação do contrato, e de ter sido estabelecido um nexo de causalidade entre o comportamento ilícito da Stadt Graz e o prejuízo sofrido pela Strabag e o., era conveniente, contudo, colocar a questão da culpa da Stadt Graz, associada à sua decisão de adjudicar o contrato à HFB em 14 de Junho de 1999, sem ter em consideração a circunstância, não referida na decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark de 10 de Junho de 1999, de que a carta que acompanhava a proposta dessa empresa indicava que esta não podia respeitar os prazos de execução do contrato em causa.

24. A Stadt Graz interpôs um recurso de revista deste acórdão para o Oberster Gerichtshof.

25. Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade do §115, n.° 1, da StVergG com a Directiva 89/665. Fazendo referência aos acórdãos de 14 de Outubro de 2004, Comissão/Portugal (C‑275/00), e de 10 de Janeiro de 2008, Comissão/Portugal (C‑70/06, Colect., p.I‑1), coloca a questão de saber se se deve considerar contrária a essa directiva qualquer legislação nacional que, de uma forma ou de outra, subordina o direito do proponente a uma indemnização à prova da existência de culpa da entidade adjudicante, ou se apenas é contrária à referida directiva a legislação nacional que impõe o ónus da prova dessa culpa ao referido proponente.

26. A este respeito, o referido órgão jurisdicional observa que o §1298 do ABGB prevê uma inversão deste ónus da prova, por força da qual se presume a culpa orgânica da entidade adjudicante. Além disso, essa entidade não pode invocar a falta de capacidades individuais, uma vez que a sua responsabilidade corresponde à de um perito, na acepção do §1299 do ABGB. No entanto, a Stadt Graz podia fazer prova em contrário, se estivesse efectiva e totalmente vinculada à decisão formalmente definitiva da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark.

27. Em segundo lugar, admitindo que a Directiva 89/665 não se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio, que contesta, como o Verwaltungsgerichtshof e o tribunal de recurso no caso em apreço, que a entidade adjudicante esteja vinculada a uma decisão como a que foi proferida pela Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark em 10 de Junho de 1999, interroga‑se, todavia, sobre se a presunção de que a referida entidade adjudicante não estaria vinculada por tal decisão e poderia, ou até deveria, ter adjudicado o contrato a outro proponente não é susceptível de contrariar o objectivo, estabelecido no artigo 2.°, n.° 7, da referida directiva, de que as decisões tomadas pelas instâncias responsáveis pelos processos de recurso devem ser executadas de modo eficaz.

28. Em terceiro lugar, admitindo que esta segunda questão terá uma resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio observa que tanto a Strabag e o. como o tribunal de recurso criticam a Stadt Graz por ter adjudicado o contrato à HFB, sem ter tido em conta a circunstância, não referida na decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark de 10 de Junho de 1999, de que esta empresa, segundo as suas próprias indicações, não podia executar o contrato no prazo previsto no anúncio do concurso. Nestas condições, o órgão jurisdicional interroga‑se sobre se, tendo em conta o artigo 2.°, n.°7, da Directiva 89/665, ainda que a entidade adjudicante estivesse vinculada à decisão adoptada por um órgão como a Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark, poderia, ou até deveria, ter verificado se essa decisão era correcta e/ou se a apreciação em que esta se baseou era exaustiva.

29. Nestas condições, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Os artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665 [...], ou outras disposições desta directiva, também se opõem a uma legislação nacional que subordina os direitos de indemnização decorrentes de infracções da entidade adjudicante ao direito comunitário em matéria de contratos públicos à existência de culpa, quando esta legislação é aplicada no sentido de, em princípio, se dever presumir a culpa [orgânica] da entidade adjudicante e não se permitir a invocação por parte desta última da falta de capacidades individuais e, em consequência, da falta de censurabilidade subjectiva?

2) Em caso de resposta negativa à primeira questão:

O artigo 2.°, n.° 7, da Directiva 89/665 [...] deve ser interpretado no sentido de que, em conformidade com a garantia, nele prescrita, de eficácia da execução das decisões tomadas nos processos de recurso, a decisão de uma autoridade competente para o controlo das adjudicações produz efeitos vinculativos para todas as partes do processo e, por conseguinte, também para a entidade adjudicante?

3) Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

É admissível, à luz do artigo 2.°, n.° 7, da Directiva 89/665 [...], que a entidade adjudicante não tenha em conta uma decisão de uma autoridade competente para o controlo das adjudicações ou que esteja até obrigada a fazê‑lo [e], em caso afirmativo, em que condições?».

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

30. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Directiva 89/665 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que subordina o direito de indemnização decorrente da violação do direito dos contratos públicos por uma entidade adjudicante ao carácter culposo dessa violação, quando a aplicação dessa legislação assenta na presunção de culpa da entidade adjudicante e na impossibilidade de esta entidade invocar a falta de capacidades individuais e, consequentemente, a falta de censurabilidade subjectiva da violação alegada.

31. A este respeito, deve‑se observar, antes de mais, que o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 obriga os Estados‑Membros a tomarem as medidas necessárias para garantir a existência de processos de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, de decisões que tenham «violado» o direito da União em matéria de contratos públicos ou as normas nacionais que transpõem esse direito. O terceiro considerando desta directiva salienta, por seu turno, a necessidade da existência de meios de recurso eficazes e rápidos, em caso de «violação» desse direito ou dessas normas.

32. No que se refere, em especial, aos processos de recurso relativos à concessão de indemnizações, o artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665 dispõe que os Estados‑Membros velarão por que as medidas tomadas para os efeitos dos recursos referidos no artigo 1.° prevejam os poderes que permitam conceder essas indemnizações às pessoas lesadas por uma violação.

33. A Directiva 89/665 apenas prevê, contudo, as condições mínimas que devem ser preenchidas pelos processos de recurso interpostos nas ordens jurídicas nacionais, a fim de garantir o respeito das normas de direito da União em matéria de contratos públicos (v., nomeadamente, acórdãos de 27 de Fevereiro de 2003, Santex, C‑327/00, Colect., p.I‑1877, n.° 47, e de 19 de Junho de 2003, GAT, C‑315/01, Colect., p.I‑6351, n.°45). Face à inexistência de uma disposição específica na matéria, compete, assim, à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro determinar as medidas necessárias para garantir que os processos de recurso permitam efectivamente conceder indemnizações às pessoas lesadas pela violação do direito dos contratos públicos (v, por analogia, acórdão GAT, já referido, n.° 46).

34. Por conseguinte, embora a aplicação do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665 se inclua, em princípio, na autonomia processual dos Estados‑Membros, enquadrada pelos princípios da equivalência e da efectividade, importa, contudo, analisar se essa disposição, interpretada à luz do contexto e do objectivo geral em que se inscreve o processo de recurso para a concessão de indemnizações, se opõe a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, que subordina essa concessão, nas condições reproduzidas no n.° 30 do presente acórdão, ao carácter culposo da violação do direito dos contratos públicos pela entidade adjudicante.

35. A este respeito, deve‑se observar, antes de mais, que a redacção dos artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.os 1, 5 e 6, bem como do sexto considerando da Directiva 89/665 não prevê de forma alguma que a violação da legislação relativa aos contratos públicos, susceptível de conceder um direito de indemnização a favor da pessoa lesada, deva revestir características especiais, como a de estar subordinada à culpa, provada ou presumida, da entidade adjudicante, ou a de não estar abrangida por qualquer causa de isenção de responsabilidade.

36. Esta análise é corroborada pelo contexto e pelo objectivo gerais do processo de recurso para concessão de indemnizações, previsto na Directiva 89/665.

37. Com efeito, segundo jurisprudência constante, os Estados‑Membros, ao mesmo tempo que devem prever processos de recurso que permitam obter a anulação de uma decisão de uma entidade adjudicante contrária à legislação relativa aos contratos públicos, podem, à luz do objectivo de celeridade prosseguido pela Directiva 89/665, impor prazos razoáveis para esse tipo de recursos, sob pena de caducidade, para evitar que os candidatos e os proponentes possam, em qualquer momento, invocar infracções à referida legislação, obrigando assim a entidade adjudicante a recomeçar todo o processo, para corrigir essas infracções [v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau e o., C‑470/99, Colect., p.I‑11617, n.os 74 a 78; acórdão Santex, já referido, n.os 51 e 52; e acórdãos de 11 de Outubro de 2007, Lämmerzahl, C‑241/06,Colect., p.I‑8415, n.os 50 e 51, e de 28 de Janeiro de 2010, Uniplex (UK), C‑406/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38].

38. Além disso, o artigo 2.°, n.° 6, segundo parágrafo, da Directiva 89/665 reserva aos Estados‑Membros a faculdade de limitar os poderes da instância de recurso à concessão de indemnizações, após a celebração do contrato na sequência da atribuição de um contrato de direito público.

39. Neste contexto, o processo de recurso para a concessão de uma indemnização, previsto no artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/665, só pode constituir, eventualmente, uma alternativa processual compatível com o princípio da efectividade subjacente ao objectivo da eficácia dos recursos prosseguido pela referida directiva [v., neste sentido, acórdão Uniplex (UK), já referido, n.° 40], se a possibilidade de concessão das indemnizações em caso de violação das normas relativas aos contratos públicos não estiver condicionada à prova da culpa da entidade adjudicante, da mesma forma que não devem estar os outros processos de recurso previstos neste artigo 2.°, n.°1.

40. Como alega a Comissão Europeia, não é relevante, a este respeito, que, contrariamente à legislação nacional visada no acórdão de 14 de Outubro de 2004, Comissão/Portugal, já referido, a legislação que está em causa no processo principal não imponha à pessoa lesada o ónus da prova da culpa da entidade adjudicante, mas faça recair sobre esta entidade a obrigação de ilidir a presunção de culpa que pesa sobre ela, limitando as razões invocáveis para esse efeito.

41. Com efeito, a legislação austríaca também cria o risco de o proponente que foi lesado por uma decisão ilegal de uma entidade adjudicante ser, apesar disso, privado do direito de obter uma indemnização pelo prejuízo causado por essa decisão, se a entidade adjudicante conseguir ilidir a presunção de culpa que pesa sobre ela. Ora, segundo o presente pedido de decisão prejudicial e como confirmaram os debates durante a audiência, essa eventualidade não pode ser excluída no caso em apreço, tendo em conta a possibilidade da Stadt Graz de invocar o carácter desculpável do erro de direito que alegadamente cometeu, devido à decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark de 10 de Junho de 1999, que negou provimento ao recurso da Strabag e o.

42. O referido proponente corre, pelo menos, o risco de, em virtude dessa mesma legislação, só obter a indemnização tardiamente, tendo em conta a morosidade de uma acção declarativa do carácter culposo da violação alegada.

43. Ora, em ambos os casos, a situação seria contrária ao objectivo da Directiva 89/665, expresso no artigo 1.°, n.° 1, e no terceiro considerando desta mesma directiva, que consiste em garantir meios de recursos eficazes e tão rápidos quanto possível das decisões tomadas pelas entidades adjudicantes em violação do direito dos contratos públicos.

44. Deve‑se também salientar que, mesmo admitindo que, no caso em apreço, a Stadt Graz pudesse considerar, durante o mês de Junho de 1999, que, atento o objectivo da eficácia inerente ao desenvolvimento dos processos de concurso dos contratos públicos, estava obrigada a dar cumprimento imediato à decisão da Vergabekontrollsenat des Landes Steiermark de 10 de Junho de 1999, sem esperar o termo do prazo para recorrer dessa decisão, o certo é que, como a Comissão referiu na audiência, a procedência de uma acção de indemnização intentada por um proponente eliminado depois da anulação da referida decisão por um tribunal administrativo não pode, por seu turno, depender da apreciação do carácter culposo do comportamento da entidade adjudicante que se questiona, em violação dos termos, do contexto e do objectivo das disposições da Directiva 89/665 que reconhecem o direito a essa indemnização.

45. Face ao exposto, há que responder à primeira questão que a Directiva 89/665 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que subordina o direito de indemnização decorrente da violação do direito dos contratos públicos por uma entidade adjudicante ao carácter culposo dessa violação, mesmo quando a aplicação dessa legislação assenta na presunção de culpa da referida entidade adjudicante e na impossibilidade de esta invocar a falta de capacidades individuais e, em consequência, a falta de censurabilidade subjectiva da violação alegada.

Quanto à segunda e terceira questões

46. Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder às outras duas questões submetidas.

Quanto às despesas

47. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

A Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, conforme alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1989, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que subordina o direito de indemnização decorrente da violação do direito dos contratos públicos por uma entidade adjudicante ao carácter culposo dessa violação, mesmo quando a aplicação dessa legislação assenta na presunção de culpa da referida entidade adjudicante e na impossibilidade de esta invocar a falta de capacidades individuais e, em consequência, a falta de censurabilidade subjectiva da violação alegada.

 

Assinaturas

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 (*) Língua do processo: alemão.