Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 22 de Abril de 2010 (proc. C-423/07)

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Processo C-423/07

Comissão Europeia
contra
Reino de Espanha

 

«Incumprimento de Estado - Directiva 93/37/CEE - Artigos 3.° e 11.° - Concessões de obras públicas - Obrigações em matéria de publicidade - Alcance das obrigações - Anúncio de concurso - Descrição do objecto da concessão e da localização das obras - Obras complementares não previstas expressamente no anúncio do concurso e no caderno de encargos - Princípio da igualdade de tratamento»

 

Sumário:

Um Estado‑Membro não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 3.°, n.° 1, e 11.°, n.os 3 e 6, da Directiva 93/37, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, em conjugação com o anexo V da mesma, quando, após ter dado início a um processo para a adjudicação de uma concessão de obras públicas, relativa à construção, conservação e exploração de determinados troços de auto‑estrada, adjudica obras complementares, nomeadamente a construção de faixas de rodagem adicionais e de um novo túnel em determinados troços de auto‑estrada, sem que estas obras estivessem mencionadas no objecto do contrato de concessão de obras públicas, tal como descrito no anúncio publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e no caderno de encargos.

Com efeito, o objecto de uma concessão deve ser definido no anúncio e no caderno de encargos, que devem incluir o objecto principal e os objectos complementares do contrato, a descrição e o local das obras a que se refere a concessão, assim como a quantidade e a extensão total das mesmas. Ainda que a autoridade concedente possa, atendendo às eventuais particularidades das obras objecto de uma concessão, deixar uma certa margem à iniciativa dos proponentes no que respeita à elaboração das suas propostas, a remissão efectuada pelo caderno de encargos para a legislação nacional relativamente à possibilidade de os proponentes apresentarem variantes nas suas propostas é ilegal quando não estiverem indicados, no caderno de encargos, os requisitos mínimos que essas variantes devem respeitar.

Além disso, não é conforme com a Directiva 93/37 adjudicar, sem qualquer transparência, um contrato de concessão de obras públicas que inclui obras ditas «complementares» que por si sós constituem «contratos de empreitada de obras públicas» na acepção desta directiva e cujo valor ultrapassa o limiar nela previsto. Caso contrário, isso significaria que essas obras ditas «complementares» se subtrairiam à obrigação de publicidade e, por consequência, aos mecanismos da concorrência.

Por outro lado, o facto de um concessionário não executar ele próprio as obras complementares, mas as adjudicar a empresas terceiras, em conformidade com as exigências de publicidade estabelecidas no artigo 3.°, n.° 4, da Directiva 93/37, não libera a autoridade concedente das suas próprias obrigações, uma vez que o artigo 3.° desta directiva impõe claramente, tanto à autoridade concedente como ao concessionário, obrigações de publicidade cumulativas e não alternativas.

(cf. n.os 55, 64-66, 70-71, 76 a 81 e disp.)

 

Texto integral:

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

22 de Abril de 2010 (*)

No processo C‑423/07,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 13 de Setembro de 2007,

Comissão Europeia, representada por D. Kukovec, M. Konstantinidis e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes, assistidos por M. Canal Fontcuberta, abogada, com domicílio escolhido no Luxemburgo, demandante,
contra
Reino de Espanha, representado por F. Díez Moreno, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo, demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász (relator), J. Malenovský e T. von Danwitz, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Setembro de 2009,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de Outubro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1. Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, não tendo incluído entre as obras objecto de uma concessão, indicadas no anúncio da concessão e no caderno de encargos para a adjudicação de um contrato de concessão administrativa para a construção, conservação e exploração das ligações da auto‑estrada A‑6 com Segóvia e Ávila, e para a conservação e exploração a partir de 2018 da auto‑estrada A‑6, troço Villalba‑Adanero, determinadas obras que foram posteriormente adjudicadas pelo referido contrato, incluindo as obras do troço isento de portagem da auto‑estrada A‑6, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 3.° da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), e, por conseguinte, do seu artigo 11.°, n.ºs 3, 6, 7, 11 e 12, e violou os princípios do Tratado CE, em especial o da igualdade de tratamento e o da não discriminação.

       Regulamentação comunitária

2. A Directiva 93/37 enuncia, no quinto considerando, que, «[...] perante a importância crescente das concessões de obras públicas e a sua natureza específica, é oportuno incluir na presente directiva regras de publicidade na matéria».

3. Nos termos do artigo 1.°, alínea c), desta directiva:

«Entende‑se por obra o resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a preencher, por si mesmo, uma função económica ou técnica».

4. Segundo a definição constante do artigo 1.°, alínea d), da mesma directiva:

«A concessão de obras públicas é um contrato que apresenta as mesmas características que as referidas na alínea a) [relativas a contratos de empreitada de obras públicas], com excepção de que a contrapartida das obras consiste quer unicamente no direito de exploração da obra quer nesse direito acompanhado do pagamento de um preço».

5. O artigo 3.° da Directiva 93/37 prevê:

«1. No caso de as entidades adjudicantes celebrarem um contrato de concessão de obras públicas, as regras de publicidade definidas nos n.os 3, 6, 7 e 9 a 13 do artigo 11.° e no artigo 15.° serão aplicáveis a esse contrato quando o seu valor for igual ou superior a 5 000 000 ecus.

[...]

4. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que os concessionários de obras públicas que não entidades adjudicantes apliquem as regras de publicidade definidas nos n.os 4, 6, 7 e 9 a 13 do artigo 11.° e no artigo 16.° na celebração de contratos de empreitada de obras com terceiros sempre que o valor desses contratos for igual ou superior a 5 000 000 ecus. [...]

[...]»

6. O artigo 11.° da Directiva 93/37, que faz parte do título III, sob a epígrafe «Regras comuns de publicidade», dispõe:

«1. As entidades adjudicantes darão a conhecer, por meio de um anúncio indicativo, as características essenciais dos contratos de empreitada de obras que tencionem celebrar e cujo valor seja igual ou superior ao limite máximo estipulado no n.° 1 do artigo 6.°

[...]

3. As entidades adjudicantes que desejem recorrer à concessão de obras públicas darão a conhecer a sua intenção por meio de anúncio.

[...]

6. Os anúncios referidos nos n.os 1 a 5 serão elaborados em conformidade com os modelos reproduzidos nos anexos IV, V e VI e especificarão as informações aí pedidas.

[...]

7. Os anúncios referidos nos n.os 1 a 5 serão enviados pelas entidades adjudicantes, o mais rapidamente possível e pelas vias mais adequadas, ao Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias. [...]

[...]

9. Os anúncios referidos nos n.os 2, 3 e 4 serão publicados na íntegra no Jornal Oficial das Comunidades Europeias [...]

10. O Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias publicará os anúncios, o mais tardar, doze dias após a data do respectivo envio. No caso do processo acelerado previsto no artigo 14.°, esse prazo será reduzido para cinco dias.

11. A publicação dos anúncios nos jornais oficiais ou na imprensa do país da entidade adjudicante não deve efectuar‑se antes da data de envio ao Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias e deve fazer referência a essa data. A publicação não deve conter outras informações para além das publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

12. As entidades adjudicantes devem poder provar a data de envio.

[...]»

7. Os anexos a que se refere o artigo 11.°, n.° 6, da Directiva 93/37 contêm modelos de anúncios a publicar pela entidade adjudicante no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. O anexo IV da referida directiva diz respeito a contratos de empreitada de obras públicas, o anexo V a concessões de obras públicas e o anexo VI contém o modelo de anúncio a utilizar no caso de o concessionário pretender atribuir a terceiros contratos de execução de obras que lhe tenham sido adjudicados.

8. O artigo 15.° desta directiva dispõe:

«As entidades adjudicantes que pretendam recorrer à concessão de obras públicas fixarão um prazo para a apresentação das candidaturas à concessão, que não pode ser inferior a cinquenta e dois dias a contar da data de envio do anúncio».

9. O artigo 61.° da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), intitulado «Adjudicação de obras complementares ao concessionário», estabelece:

«A presente directiva não se aplica às obras complementares que não estejam previstas no projecto inicial da concessão nem no contrato inicial mas que, na sequência de uma circunstância imprevista, se tornem necessárias para a execução da obra tal como se encontra descrita no contrato, e que a entidade adjudicante atribua ao concessionário, desde que a adjudicação seja feita ao operador económico que executa esta obra:

 quando estas obras complementares não possam ser, técnica ou economicamente, separadas do contrato inicial sem inconveniente grave para a entidade adjudicante, ou

 quando estas obras, embora possam ser separadas da execução do contrato inicial, sejam absolutamente necessárias ao seu acabamento.

Contudo, o montante acumulado dos contratos adjudicados para as obras complementares não deve ultrapassar 50% do montante da obra inicial que foi objecto da concessão.»

10. A Comunicação interpretativa da Comissão sobre as concessões em direito comunitário (JO 2000, C 121, p. 2) dispõe, no ponto 3.1.1, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento»:

«[...]

[Q]uando, em determinados casos, o concedente não tiver a possibilidade de definir as suas necessidades em termos técnicos suficientemente precisos, irá então procurar propostas alternativas susceptíveis de darem diferentes soluções a um problema expresso em termos gerais. Contudo, nesta eventualidade, o caderno de encargos deve sempre, para garantir uma concorrência sã e eficaz, apresentar de forma não discriminatória e objectiva o que é solicitado aos candidatos e sobretudo as modalidades da abordagem a seguir na preparação das respectivas propostas. [...]»

       Legislação nacional

11. A Lei 8/1972, de 10 de Maio, relativa à construção, conservação e exploração das auto‑estradas em regime de concessão, na versão em vigor a partir de 1996 (a seguir «lei das auto‑estradas»), prevê no artigo 8.°, n.° 2, segundo parágrafo:

«[...] fazem parte do objecto social da sociedade concessionária, [...], a construção das obras de infra‑estruturas viárias, diferentes das da concessão, mas com incidência na mesma e realizadas na área de influência da auto‑estrada ou necessárias para a gestão do trânsito, cujo projecto e execução ou só a execução sejam impostos ao concessionário como contrapartida [...]».

12. O Real Decreto 597/1999, de 16 de Abril, fixou em 20 km a extensão da área de influência das auto‑estradas.

       Operação controvertida

13. A auto‑estrada A‑6 liga a cidade de Madrid à cidade de La Coruña e constitui o eixo principal entre o centro e o norte e noroeste de Espanha. É ponto assente que se trata de um dos eixos viários mais importantes e mais frequentados do país. O troço desta auto‑estrada situado entre Madrid e a cidade de Villalba é isento de portagem, tem cerca de 40 km de comprimento e atravessa uma zona praticamente urbana. O troço situado entre as cidades de Villalba e de Adanero é um troço com portagem, de cerca de 70 km de comprimento (a seguir «troço com portagem da auto‑estrada A‑6»). É pacífico que estes dois troços de auto‑estrada eram caracterizados, já há muito tempo, por um tráfego muito intenso e apresentavam graves problemas de engarrafamento.

14. O troço com portagem da auto‑estrada A‑6 é explorado desde 1968 pela sociedade Ibérica de Autopistas, SA (a seguir «Iberpistas»), em regime de concessão. Esta concessão tinha sido atribuída até 29 de Janeiro de 2018.

15. Por Decreto de 26 de Maio de 1997, o Ministério das Obras Públicas espanhol anunciou a sua intenção de incluir no «Plano de auto‑estradas», aprovado pelo Governo espanhol no mês de Fevereiro de 1997, a construção de auto‑estradas que iriam ligar as cidades de Segóvia e de Ávila à auto‑estrada A‑6, uma vez que, «atendendo aos consideráveis fluxos de tráfego actualmente existentes que provocam congestionamento do trânsito [...], a construção das auto‑estradas de ligação entre estas cidades e a actual auto‑estrada A‑6 apresenta um interesse público excepcional para o seu desenvolvimento».

16. Por anúncio publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO S 115, de 16 de Junho de 1999, a seguir «primeiro anúncio») e pelo caderno de encargos aprovado por Decreto de 4 de Junho de 1999 (BOE n.° 136, de 8 de Junho de 1999, a seguir «primeiro caderno de encargos»), o Ministério das Obras Públicas, agindo na qualidade de autoridade concedente, deu início ao processo para a adjudicação de uma concessão de obras públicas. O n.° 2 do primeiro anúncio e a cláusula 2, n.° 4, do primeiro caderno de encargos, cujo conteúdo era idêntico, descreviam o objecto do concurso público com vista à concessão.

17. Este objecto abrangia as seguintes obras:

 construção, conservação e exploração das ligações do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 com as cidades de Ávila e de Segóvia;

 conservação e exploração, a partir de 30 de Janeiro de 2018, do troço com portagem da auto‑estrada A‑6, por um período de tempo a determinar com base na média do número de veículos em trânsito nesse troço;

 construção da via de circunvalação da cidade de Guadarrama, município situado no troço com portagem da auto‑estrada A‑6; e

 ampliação de uma parte do troço isento de portagem da auto‑estrada A‑6, ou seja, do troço entre Madrid e Villalba. Estava em causa a construção de uma quarta faixa de rodagem em cada sentido de trânsito de modo a aumentar a capacidade da auto‑estrada A‑6 nesse troço.

18. Por Decreto de 7 de Julho de 1999 (BOE n.° 163, de 9 de Julho de 1999), a autoridade concedente publicou um novo caderno de encargos (a seguir «segundo caderno de encargos»). Foi publicado novo anúncio no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO S 137, de 17 de Julho de 1999, a seguir «segundo anúncio»). O preâmbulo deste segundo decreto enunciava que, «por razões de ordem técnica, é necessário modificar [o primeiro] caderno de encargos, a fim de redefinir o objecto do concurso e introduzir algumas alterações na determinação da duração da concessão».

19. O n.° 2 do segundo anúncio e a cláusula 2 do segundo caderno de encargos definiam o objecto da concessão do seguinte modo:

«1. A construção, conservação e exploração do troço com portagem da auto‑estrada A‑6, ligação com Segóvia, [...]

2. A construção, conservação e exploração do troço com portagem da auto‑estrada A‑6, ligação com Ávila. [...]

3. A conservação e exploração da auto‑estrada com portagem A‑6, troço Villalba‑Adanero. [...]»

20. Daqui resulta que este segundo anúncio e este segundo caderno de encargos não mencionam no objecto da concessão a construção da via de circunvalação de Guadarrama nem a ampliação de uma parte do troço isento de portagem da auto‑estrada A‑6.

21. A cláusula 3 do segundo caderno de encargos remete para o «dossier administrativo».

22. Os n.os 13 e 16 da cláusula 5 do segundo caderno de encargos, cuja redacção era a mesma que a do primeiro caderno de encargos, dispunha:

«13 Os proponentes indicarão especificamente nas suas propostas as medidas que tencionam adoptar, relativamente aos efeitos derivados da concessão sobre a rede viária global, o interesse turístico da zona e a valorização dos monumentos de interesse histórico ou artístico, bem como aos efeitos relativos à conservação e manutenção das paisagens e à protecção da natureza, tudo sem prejuízo do cumprimento da legislação em vigor nesta matéria.

[...]

16 Os proponentes indicarão à administração as medidas que se propõem adoptar para uma gestão adequada do trânsito interurbano da área afectada pela construção dos troços objecto da concessão, indicando quais de entre estas o proponente tenciona tomar por sua própria conta. A criatividade e a viabilidade de tais propostas serão avaliadas positivamente para a adjudicação do contrato, tendo em consideração o elevado nível de congestionamento das zonas em cujo trânsito terão efeito as estradas objecto de concurso.»

23. A cláusula 10 do segundo caderno de encargos, que era idêntica à que constava do primeiro caderno de encargos, enumerava os critérios a tomar em consideração na adjudicação do contrato. Entre esses critérios figuravam:

 a viabilidade da proposta apresentada e a medida dos meios aplicados (ponto III),

 as medidas propostas para a gestão do trânsito e do ambiente (ponto V).

24. O subcritério V.i indicava:

«[a]s medidas propostas para a gestão do trânsito interurbano, incluindo as relativas à introdução de uma portagem dinâmica na área afectada pela construção dos troços objecto da concessão, podem receber até 75 pontos pela sua criatividade, viabilidade e eficácia».

25. A cláusula 29 do segundo caderno de encargos dispunha que, relativamente às ligações do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 com Ávila e Segóvia, o concessionário tem a obrigação de assegurar que em nenhum ponto da auto‑estrada se supere um determinado nível de intensidade de trânsito, expresso em termos técnicos, e que deve efectuar, por sua própria conta, todas as ampliações necessárias para o efeito.

26. Por último, a cláusula 33 do segundo caderno de encargos previa que a duração do contrato não fosse superior a 37 anos nem inferior a 22 anos, e que a duração exacta do contrato, calculada em anos, fosse determinada tendo em conta a evolução real do trânsito em cada um dos diferentes troços, o que seria avaliado 20 anos após o início do contrato.

27. Ao abrigo do Real Decreto 1724/1999, de 5 de Novembro de 1999, a autoridade concedente adjudicou o contrato de concessão à Iberpistas. O artigo 5.° deste real decreto previa, contudo, a execução de obras complementares em relação às mencionadas no segundo anúncio e no segundo caderno de encargos. Assim, além da construção das ligações do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 com Ávila e Segóvia, bem como da conservação e exploração do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 entre Villalba e Adanero, estavam previstas as seguintes obras:

 a construção de uma terceira faixa de rodagem em cada sentido de trânsito na parte do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 situada entre Villalba e a junção Valle de los Caídos (a seguir «obra A»);

 a construção de uma terceira faixa de rodagem reversível na parte do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 situada entre a junção Valle de los Caídos e a cidade de San Rafael, incluindo a construção de um novo túnel (a seguir «obra B»); e

 a construção de uma quarta faixa de rodagem em cada sentido de trânsito no troço isento de portagem da auto‑estrada A‑6 entre Madrid e Villalba (a seguir «obra C»).

28. As obras A, B e C são designadas a seguir como «obras complementares».

29. Resulta do exposto que a obra C tinha sido mencionada no primeiro anúncio e no primeiro caderno de encargos, mas não nos segundos. As obras A e B não tinham sido mencionadas nos primeiros nem nos segundos. Quanto às obras de construção de uma via de circunvalação de Guadarrama, incluídas no primeiro caderno de encargos, mas não no segundo, não constavam do objecto da concessão adjudicada à Iberpistas e, afinal, não foram realizadas.

30. Resulta dos autos que a ligação entre o troço com portagem da auto‑estrada A‑6 e Segóvia entrou em funcionamento em 2003, e que a quarta faixa de rodagem no troço isento de portagem da auto‑estrada A‑6 (obra C) entrou em serviço em 1 de Janeiro de 2006. Resulta igualmente dos autos que as outras obras foram entretanto realizadas.

31. Decorre igualmente de uma carta das autoridades espanholas, de 28 de Novembro de 2001, que o custo das obras expressamente mencionadas no segundo anúncio e no segundo caderno de encargos, isto é, as ligações do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 com Segóvia e Ávila, ascendeu a 151,76 milhões de euros. Este custo não compreende o relativo às obras de conservação e de exploração do troço com portagem da auto‑estrada A‑6, que foram objecto de concessão a partir de 30 de Janeiro de 2018. O custo das três obras complementares ascendeu a 132,03 milhões de euros.

       Procedimento pré‑contencioso

32. Tendo dúvidas sobre a regularidade do processo que conduziu à concessão das obras complementares, à luz das regras da Directiva 93/37, a Comissão, em 30 de Abril de 2001, enviou ao Reino de Espanha uma notificação para cumprir, à qual este respondeu por carta de 27 de Junho de 2001. Não tendo considerado satisfatórias as explicações entretanto dadas por esse Estado‑Membro, a Comissão, em 18 de Julho de 2002, emitiu um parecer fundamentado, a que o referido Estado respondeu por cartas de 20 de Setembro de 2002 e de 13 de Março de 2003.

33. Em 25 de Julho de 2003, a Comissão enviou ao Reino de Espanha uma notificação para cumprir complementar relativa ao desrespeito dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, à qual este respondeu por carta de 28 de Outubro de 2003. Em 22 de Dezembro de 2004, a Comissão enviou um parecer fundamentado complementar relativo à violação dos ditos princípios, a que este Estado‑Membro respondeu por carta de 3 de Março de 2005. Não tendo considerado esta resposta satisfatória, a Comissão intentou a presente acção.

       Quanto à acção

       Quanto à admissibilidade

34. O Reino de Espanha suscita duas excepções de inadmissibilidade. Em primeiro lugar, alega que a petição ignora as exigências do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que não foi apresentada prova dos poderes de representação da advogada que representa a Comissão. Além disso, esta instituição não justifica a missão de que esta advogada foi encarregada para intervir no presente processo, visto que não actua na qualidade de agente da Comissão.

35. Em segundo lugar, o Reino de Espanha suscita uma excepção de inadmissibilidade baseada no facto de a petição da Comissão não ser clara, na medida em que se refere indistintamente à violação dos artigos 3.° e 11.°, n.ºs 3, 6, 7, 11 e 12, da Directiva 93/37. Ora, a única disposição do artigo 3.° que pode ser tida em conta no caso em apreço é o n.° 1. Além disso, a autoridade concedente cumpriu plenamente no presente caso as suas obrigações decorrentes do artigo 11.°, n.ºs 3, 7, 11 e 12, desta directiva. Por outro lado, o n.° 6 do mesmo artigo refere‑se aos anexos IV, V e VI da mencionada directiva, quando o anexo V é o único aplicável no caso em apreço. Por conseguinte, o objecto da acção é indeterminado.

36. No que respeita à primeira excepção de inadmissibilidade, importa observar que a Comissão esteve devidamente representada por três agentes, que foram assistidos por uma advogada. A Comissão, aliás, anexou à sua petição cópia de documento comprovativo de que a advogada em questão está autorizada a exercer a advocacia nos tribunais de um Estado‑Membro, ou seja, do Reino de Espanha, nos termos do artigo 38.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

37. De igual modo, a segunda excepção de inadmissibilidade não pode ser acolhida. Com efeito, resulta inequivocamente de todos os documentos apresentados no Tribunal de Justiça que a acção e as acusações da Comissão dizem respeito à não observância, quando do processo de concessão das obras em causa, das obrigações de publicidade que incumbem à entidade adjudicante por força das disposições pertinentes da Directiva 93/37, na medida em que nem todas as obras efectivamente adjudicadas e executadas estavam mencionadas no anúncio previsto para este efeito por essas disposições.

38. Por conseguinte, não se levanta no caso em apreço nenhum problema de clareza do objecto da acção susceptível de pôr em dúvida a respectiva admissibilidade.

39. A possibilidade de algumas disposições da Directiva 93/37 identificadas pela Comissão em apoio das suas acusações não se revelarem pertinentes no caso em apreço não tornam a acção inadmissível.

       Quanto ao mérito

       Argumentos das partes

40. A Comissão alega, no essencial, que o objecto de uma adjudicação, tal como descrito no anúncio e no caderno de encargos, e as obras efectivamente adjudicadas devem coincidir. Ora, o objecto da concessão em causa encontra­‑se definido de forma precisa na cláusula 2 do segundo caderno de encargos e diz respeito a obras determinadas, ou seja, às ligações do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 com Segóvia e Ávila, bem como à conservação e exploração do referido troço a partir de 30 de Janeiro de 2018. No entanto, as obras complementares não são mencionadas no segundo anúncio nem no segundo caderno de encargos.

41. O incumprimento censurado ao Reino de Espanha consiste, assim, segundo a Comissão, no facto de as autoridades espanholas terem procedido a posteriori a uma ampliação do objecto da concessão ao adjudicar à Iberpistas obras que não tinham sido objecto de publicação e que se situavam fora da área geográfica abrangida pelo objecto da concessão conforme fora publicado. Isto constitui um incumprimento das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força das disposições pertinentes dos artigos 3.° e 11.° da Directiva 93/37.

42. A Comissão sustenta que nem a modificação do objecto da concessão introduzida no segundo anúncio e no segundo caderno de encargos nem a redacção das cláusulas 5, n.ºs 13 e 16, e 29 do segundo caderno de encargos permitiam a um proponente, razoavelmente informado e diligente, entender que, de facto, as autoridades competentes o estavam a convidar a apresentar propostas que pudessem levar à realização de obras como as obras complementares. Com efeito, se assim não fosse, isto equivaleria a admitir que os proponentes poderiam propor obras em todas as estradas das províncias de Madrid, de Segóvia e de Ávila, já que o trânsito nas mesmas podia ser afectado pelas obras objecto da concessão.

43. Na opinião da Comissão, o facto de as obras complementares não estarem incluídas no objecto da concessão e de um proponente normalmente informado não poder deduzir das cláusulas do caderno de encargos que poderia apresentar propostas relativas à realização de obras de tal envergadura favorecia unicamente a Iberpistas, que era já o concessionário do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 e conhecia as necessidades reais da entidade adjudicante. Ao invés, nem os outros candidatos nem os potenciais proponentes poderiam conhecer todos os dados que iam ser tidos em consideração para adjudicar a concessão, o que constitui uma violação do princípio da igualdade de tratamento dos proponentes.

44. O Reino de Espanha sustenta, em primeiro lugar, que, como resulta do segundo caderno de encargos, o concurso público era regido não apenas por esse caderno de encargos mas também por toda a legislação aplicável aos concursos públicos, ou seja, pela lei das auto‑estradas e pelo caderno geral de encargos aprovado pelo Decreto n.° 215, de 25 de Janeiro de 1973. Ora, o objectivo desta legislação consiste em dar, em conformidade com a execução do plano de auto‑estradas já referido, uma grande margem de liberdade às iniciativas das empresas privadas tanto no momento da apresentação das suas propostas como durante a realização das suas actividades após a adjudicação do contrato.

45. Esta abordagem foi seguida, aliás, sem suscitar dificuldades, na adjudicação da concessão de construção de outras auto‑estradas em Espanha e foi, além disso, confirmada pelo artigo 8.° da lei das auto‑estradas que prevê a possibilidade de os proponentes proporem obras complementares quer na área de influência das auto‑estradas, em conformidade com a definição dada a esse termo na legislação nacional, quer fora dessa área.

46. No caso vertente, o segundo caderno de encargos já não menciona expressamente os projectos de construção de determinadas obras. Esta modificação tinha por objectivo deixar à iniciativa e à criatividade dos empresários privados propor às autoridades concedentes a realização de obras que pudessem resolver os problemas de trânsito na auto‑estrada A‑6, nomeadamente após a construção das novas ligações com Ávila e Segóvia. Com efeito, a construção dessas duas novas auto‑estradas agravou a situação do trânsito no eixo em causa. A proposta de solução desse problema foi deixada à iniciativa dos proponentes, como decorre igualmente da redacção da cláusula 5, n.ºs 13 e 16, e das cláusulas 29 e 33 do segundo caderno de encargos.

47. Em segundo lugar, o Reino de Espanha alega que, em todo o caso, não se pode afirmar, no caso em apreço, que tenha havido incumprimento das obrigações de publicidade no que diz respeito à adjudicação de obras complementares. Com efeito, a Iberpistas não executou ela própria essas obras complementares, tendo aberto concurso público e adjudicado as referidas obras a empresas terceiras, em conformidade com as exigências de publicidade e de concorrência estabelecidas na Directiva 93/37 e na legislação espanhola. Assim, essas obras complementares foram realizadas por empresas terceiras independentes da concessionária Iberpistas.

48. Em terceiro lugar, o Reino de Espanha sublinha que as queixas foram apresentadas à Comissão, não pelos proponentes não seleccionados nem por terceiros efectiva ou potencialmente interessados na adjudicação da concessão controvertida, mas por pessoas e entidades que não tinham nenhuma relação profissional com essa concessão. Esses queixosos não tinham interesse algum na aplicação correcta das regras de concorrência, tendo sido guiados por outras motivações. Todas as entidades que pretendiam participar no processo dispunham das mesmas informações e nenhum dos proponentes ou dos interessados, efectivos ou potenciais, contestou, por queixa, reclamação ou acção judicial, o resultado do processo. Por conseguinte, a igualdade de tratamento foi respeitada.

49. O Reino de Espanha assinala, em quarto lugar, que esses mesmos queixosos, antes de se dirigirem à Comissão, tinham intentado duas acções contra o procedimento de concurso controvertido no Tribunal Supremo, o mais elevado órgão jurisdicional espanhol, que era o que estava em melhor posição para se pronunciar sobre a questão de facto suscitada no caso em apreço, que consistia em determinar as razões da modificação introduzida no segundo anúncio da concessão. Ora, o Tribunal Supremo julgou as acções improcedentes, por dois acórdãos de 11 de Fevereiro e 4 de Outubro de 2003, nos quais examinou a adjudicação da concessão controvertida também à luz do direito comunitário e declarou que os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação tinham sido respeitados.

       Apreciação do Tribunal

50. A título preliminar, importa referir que, embora a Comissão censure o Reino de Espanha pela violação dos artigos 3.° e 11.°, n.ºs 3, 6, 7, 11 e 12, da Directiva 93/37, não contesta o facto de ter sido publicado um anúncio de concurso público nem o momento e as modalidades dessa publicação, conforme previstas no artigo 11.°, n.os 7, 11 e 12, desta directiva. Além disso, resulta da sua petição que, relativamente ao artigo 3.° da mesma directiva, a acção da Comissão só diz respeito ao n.° 1 desse artigo.

51. Nestas condições, há que examinar a acção da Comissão unicamente à luz dos artigos 3.°, n.° 1, e 11.°, n.ºs 3 e 6, da Directiva 93/37.

52. A este propósito, é ponto assente que a operação em causa no presente processo constitui uma «concessão de obras públicas» na acepção do artigo 1.°, alínea d), da Directiva 93/37. Segundo o disposto nesta disposição, a «concessão de obras públicas» é um contrato que apresenta as mesmas características que as relativas a «contratos de empreitada de obras públicas», com excepção de que a contrapartida das obras consiste quer unicamente no direito de exploração da obra quer nesse direito acompanhado do pagamento de um preço.

53. De acordo com o disposto no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 93/37, no caso de as entidades adjudicantes celebrarem um contrato de concessão de obras públicas, as regras de publicidade definidas, nomeadamente, no artigo 11.°, n.os 3 e 6, desta directiva são aplicáveis a esse contrato quando o seu valor for igual ou superior a 5 000 000 ecus.

54. O artigo 11.°, n.° 3, da mesma directiva exige que as entidades adjudicantes que desejem recorrer à concessão de obras públicas dêem a conhecer a sua intenção por meio de anúncio. Esse anúncio, como resulta do n.° 6 desse artigo, deve ser elaborado em conformidade com o modelo reproduzido no anexo V desta directiva e deve especificar as informações aí pedidas.

55. Entre as informações que o mencionado anúncio deve incluir constam, de acordo com a secção II, sob a epígrafe «Objecto do concurso», desse anexo V, o objecto principal e os objectos complementares do contrato, a descrição e o local das obras a que se refere a concessão, assim como a quantidade e a extensão total das mesmas.

56. Essa obrigação de publicidade, pela possibilidade de comparar as propostas que implica, assegura um nível de concorrência considerado satisfatório pelo legislador da União Europeia em matéria de concessões de obras públicas.

57. Nesta matéria, a dita obrigação expressa os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, que se impõem em todas as circunstâncias às entidades adjudicantes.

58. Com a redacção clara dos termos do anúncio, deve ser objectivamente oferecida a possibilidade a todos os potenciais proponentes normalmente informados e experientes e razoavelmente diligentes de obterem uma ideia concreta das obras a efectuar e da sua localização, e de, consequentemente, elaborarem a sua proposta.

59. O carácter fundamental do anúncio, no que se refere tanto a contratos públicos como a concessões de obras, no que respeita à informação, em condições que respeitem o princípio da igualdade de tratamento dos proponentes de diferentes Estados‑Membros, é sublinhado no artigo 11.°, n.° 11, da Directiva 93/37, de acordo com o qual as eventuais publicações de informações a nível nacional não devem conter outras informações para além das publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

60. Todavia, dado o espaço limitado disponível no modelo de anúncio de concessão que consta do anexo V da Directiva 93/37, as informações respeitantes a uma concessão podem ser especificadas no caderno de encargos que a autoridade concedente deve elaborar e que constitui o complemento natural do anúncio.

61. No caso em apreço, importa observar que as obras complementares a que se referem as acusações da Comissão, cujo valor ultrapassa consideravelmente o limiar previsto no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 93/37, não constavam do objecto da concessão em causa, tal como definido no segundo anúncio e no segundo caderno de encargos.

62. Todavia, o Reino de Espanha sustenta que o segundo caderno de encargos deveria ter sido entendido no sentido de que remetia para a legislação de base geralmente aplicável aos concursos públicos, em particular para a lei das auto‑estradas, e deveria ter sido interpretado à luz dessa legislação, cujo objectivo é conceder uma grande margem de liberdade à iniciativa dos proponentes. Por conseguinte, os proponentes deveriam ter entendido, à luz do artigo 8.° dessa lei, que a autoridade concedente estava, na realidade, a apelar à sua iniciativa e à sua criatividade para resolver o problema principal, isto é, a intensidade do trânsito na auto‑estrada A‑6. Este problema era conhecido e resultava inequivocamente das estatísticas das autoridades nacionais competentes. Assim sendo, é de senso comum entender que a autoridade concedente esperava receber tais propostas. Esta expectativa é, aliás, confirmada pelo facto de algumas obras já não estarem mencionadas no segundo caderno de encargos, para dar maior margem de liberdade à iniciativa dos proponentes, e pela redacção das cláusulas 5, n.ºs 13 e 16, e 29 do segundo caderno de encargos.

63. Esta argumentação deve ser rejeitada.

64. Com efeito, deve salientar‑se que, para efeitos de clarificação das exigências de uma concessão, é por vezes inevitável que o anúncio ou o caderno de encargos remeta para a legislação nacional sobre especificações técnicas em matéria de segurança, saúde, protecção do ambiente ou exigências de outro tipo. Esta possibilidade de remissão não pode permitir, no entanto, que a autoridade concedente escape às obrigações de publicidade impostas pela Directiva 93/37, segundo as quais o objecto da concessão em causa deve estar definido no anúncio e no caderno de encargos, que devem conter as informações a que se refere o n.° 55 do presente acórdão. Não se pode igualmente aceitar a necessidade de interpretar o anúncio ou o caderno de encargos à luz de tal legislação para discernir o verdadeiro objecto de uma concessão.

65. Esta exigência deve ser interpretada de forma estrita. Assim, o Tribunal de Justiça, no âmbito de um contrato de empreitada de obras públicas, declarou ilegal a remissão efectuada pelo caderno de encargos para a legislação nacional relativamente à possibilidade de os proponentes apresentarem variantes nas suas propostas, em conformidade com o artigo 19.°, primeiro e segundo parágrafos, da Directiva 93/37, uma vez que não estavam indicados, no caderno de encargos, os requisitos mínimos que essas variantes deviam respeitar (v. acórdão de 16 de Outubro de 2003, Traunfellner, C‑421/01, Colect., p. I‑11941, n.ºs 27 a 29). No que se refere a uma obrigação de transparência que visa garantir o respeito do princípio da igualdade de tratamento dos proponentes a que qualquer processo de adjudicação de empreitadas regido pela Directiva 93/37 deve obedecer, esta conclusão do Tribunal de Justiça é igualmente válida em matéria de concessões de obras.

66. Importa acrescentar também que a autoridade concedente pode, atendendo às eventuais particularidades das obras objecto de uma concessão, deixar uma certa margem à iniciativa dos proponentes no que respeita à elaboração das suas propostas.

67. Todavia, não se pode considerar que as cláusulas 5, n.ºs 13 e 16, e 29 do segundo caderno de encargos, que substituiu o primeiro, tivessem feito um apelo à iniciativa dos proponentes para que propusessem alternativas relativamente a obras diferentes das que estavam claramente identificadas no segundo anúncio. Com efeito, o n.° 13 da cláusula 5 não indica, em particular, a localização das medidas a tomar para reduzir a eventual intensificação do trânsito decorrente da realização das obras referidas no segundo anúncio. Além disso, o n.° 16 da mencionada cláusula 5 limita­‑se a convidar os proponentes a propor medidas para a «gestão» adequada do trânsito interurbano na «área afectada pela construção de troços objecto da concessão», sem melhor definir essa área. Além disso, a cláusula 29 alude, de modo insuficientemente preciso, às medidas a tomar em relação às ligações do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 com Ávila e Segóvia.

68. Cabe observar que a iniciativa e as propostas alternativas dos proponentes, que o Governo espanhol esperava pelo facto de o segundo caderno de encargos ter substituído o primeiro «por razões técnicas» e «para redefinir o objecto do concurso público», para além de não poderem ser entendidas por um proponente normalmente informado e diligente no sentido alegado pelo Reino de Espanha, não se relacionam com o objecto da concessão controvertida, antes correspondendo a uma preocupação de política geral de transportes no Estado‑Membro em causa. Assim, com base nesta concepção, como sublinha correctamente a Comissão, os proponentes poderiam propor sem limitação alguma a realização de obras em todo o território da Comunidade Autónoma de Madrid e das províncias de Ávila e de Segóvia.

69. De igual modo, qualquer problema eventualmente existente e notório a nível nacional, que não se pode presumir que é necessariamente entendido como tal pelos proponentes potenciais, não pode ser tido em conta pelos proponentes como critério implícito de definição do objecto de uma concessão e influir assim na importância atribuída pela regulamentação da União ao anúncio e ao caderno de encargos.

70. Em todo o caso, mesmo admitindo que todos os proponentes tenham entendido da mesma forma a sua liberdade de iniciativa, não é conforme com a Directiva 93/37 adjudicar, sem qualquer transparência, um contrato de concessão de obras públicas que inclui obras ditas «complementares» que por si sós constituem «contratos de empreitada de obras públicas» na acepção desta directiva e cujo valor ultrapassa o limiar nela previsto.

71. Caso contrário, isso significaria que essas obras ditas «complementares» se subtrairiam à obrigação de publicidade e, por consequência, aos mecanismos da concorrência. Uma vez que os proponentes que fizessem uso da sua iniciativa seriam totalmente livres de submeter propostas nas quais determinariam a natureza, a extensão e a localização geográfica das obras pretendidas, de modo independente e sem necessidade de considerar um objecto predeterminado, não seria de todo possível comparar as suas propostas.

72. Cabe referir, além do mais, que o Reino de Espanha nada adianta em invocar o artigo 61.° da Directiva 2004/18. Com efeito, para além de que esta directiva não é aplicável ratione temporis ao presente processo, não se pode deixar de assinalar que as obras complementares controvertidas não constituem, na acepção da disposição acima mencionada, «obras complementares que não estejam previstas no projecto inicial» da concessão e que, na sequência de uma circunstância imprevista, se tornem necessárias para a execução da obra tal como se encontra descrita no mesmo projecto.

73. A forma de proceder do Reino de Espanha no presente processo não pode também ser justificada pelo disposto no ponto 3.1.1 da comunicação interpretativa da Comissão sobre as concessões em direito comunitário, acima mencionada. Com efeito, este documento só é aplicável aos casos em que, por não poder definir as suas necessidades em termos técnicos suficientemente precisos, a autoridade concedente pretenda obter propostas alternativas que visem resolver um problema expresso em termos gerais, o que não acontece no presente processo.

74. Por conseguinte, cumpre concluir que as obras complementares foram adjudicadas à Iberpistas apesar de não estarem incluídas no objecto da concessão em causa, conforme descrito no segundo anúncio e no segundo caderno de encargos, o que constitui uma violação aos artigos 3.°, n.° 1, e 11.°, n.ºs 3 e 6, da Directiva 93/37, em conjugação com o seu anexo V.

75. Como resulta do n.° 57 do presente acórdão, as disposições da Directiva 93/37 que exigem uma publicidade adequada constituem a expressão dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência. Por consequência, não é preciso examinar separadamente a questão da eventual violação destes princípios.

76. A conclusão a que se chegou no n.° 74 do presente acórdão não é posta em causa pelo argumento do Reino de Espanha baseado no facto de que a Iberpistas não executou ela própria as obras complementares, mas as adjudicou a empresas terceiras, em conformidade com as exigências de publicidade estabelecidas no artigo 3.°, n.° 4, da Directiva 93/37. Com efeito, como observou com razão a Comissão, o artigo 3.° desta directiva impõe claramente, tanto à autoridade concedente como ao concessionário, obrigações de publicidade cumulativas e não alternativas, que devem ser observadas por ambos, em todas as fases do processo, para manter o efeito útil dessa disposição.

77. De igual modo, é inoperante o argumento do Reino de Espanha de que a Comissão decidiu intentar a presente acção por incumprimento na sequência de queixas apresentadas por pessoas que não tinham qualquer relação com o processo controvertido, e não por outros proponentes, efectiva ou potencialmente interessados em obter a concessão em causa.

78. Com efeito, segundo jurisprudência assente, é à Comissão que compete apreciar a oportunidade da propositura de uma acção contra um Estado‑Membro, indicar as disposições alegadamente violadas e escolher o momento em que dá início ao procedimento por incumprimento contra esse Estado, pelo que as considerações que determinam essa escolha não podem afectar a admissibilidade da acção. Neste sentido, quando a Comissão tem competência exclusiva para apreciar a oportunidade da propositura e manutenção de uma acção por incumprimento, o Tribunal de Justiça aprecia se o incumprimento imputado existe ou não, sem que lhe compita pronunciar‑se sobre o exercício do poder de apreciação pela Comissão (v., neste sentido, acórdão de 8 de Dezembro de 2005, Comissão/Luxemburgo, C‑33/04, Colect., p. I‑10629, n.ºs 65 a 67 e jurisprudência aí referida). Por outro lado, o facto de outros proponentes não terem contestado o processo de adjudicação da concessão controvertida não tem qualquer incidência sobre a apreciação da legalidade desse processo e da procedência da presente acção.

79. Importa observar igualmente que, para decidir o presente processo, também não é relevante o argumento de que o Tribunal Supremo, chamado a pronunciar‑se nas acções intentadas contra a decisão da autoridade concedente, concluiu em dois acórdãos que não tinham sido violadas as disposições da Directiva 93/37 nem o princípio da igualdade de tratamento, e que, para esse efeito, procedeu a uma apreciação dos factos relacionados com as cláusulas do segundo caderno de encargos que é da competência do juiz nacional.

80. Com efeito, há que recordar que a propositura de uma acção num órgão jurisdicional nacional contra a decisão de uma autoridade competente visada por uma acção por incumprimento e a decisão desse órgão jurisdicional não podem ter incidência sobre a admissibilidade ou sobre o mérito da acção por incumprimento intentada pela Comissão. Com efeito, a existência de vias de recurso nos órgãos jurisdicionais nacionais não pode prejudicar a propositura da acção prevista no artigo 226.° CE, dado que as duas acções prosseguem fins diversos e têm efeitos diferentes (v., neste sentido, acórdãos de 17 de Fevereiro de 1970, Comissão/Itália, 31/69, Recueil, p. 25, n.° 9, Colect. 1969‑1970, p. 255; de 18 de Março de 1986, Comissão/Bélgica, 85/85, Colect., p. 1149, n.° 24; de 10 de Junho de 2004, Comissão/Itália, C‑87/02, Colect., p. I‑5975, n.° 39; e de 4 de Maio de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑508/03, Colect., p. I‑3969, n.° 71).

81. À luz de todas as considerações precedentes, importa declarar que, ao adjudicar à Iberpistas, em 5 de Novembro de 1999:

 a construção de uma terceira faixa de rodagem em cada sentido de trânsito na parte do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 situada entre a cidade de Villalba e a junção Valle de los Caídos;

 a construção de uma terceira faixa de rodagem reversível na parte do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 situada entre a junção Valle de los Caídos e a cidade de San Rafael, incluindo a construção de um novo túnel; e

 a construção de uma quarta faixa de rodagem em cada sentido de trânsito no troço isento de portagem da auto‑estrada A‑6 situada entre as cidades de Madrid e de Villalba;

sem que estas obras estivessem mencionadas no objecto do contrato de concessão de obras públicas, tal como descrito no anúncio publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e no caderno de encargos, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.°, n.° 1, e 11.°, n.ºs 3 e 6, da Directiva 93/37, em conjugação com o anexo V da mesma.

82. A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

       Quanto às despesas

83. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido na maior parte dos seus fundamentos, há que condená‑lo nas despesas.

       Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

       1) Ao adjudicar à Ibérica de Autopistas, SA, em 5 de Novembro de 1999:

       ─ a construção de uma terceira faixa de rodagem em cada sentido de trânsito na parte do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 situada entre a cidade de Villalba e a junção Valle de los Caídos;

       ─ a construção de uma terceira faixa de rodagem reversível na parte do troço com portagem da auto‑estrada A‑6 situada entre a junção Valle de los Caídos e a cidade de San Rafael, incluindo a construção de um novo túnel; e

       ─ a construção de uma quarta faixa de rodagem em cada sentido de trânsito no troço isento de portagem da auto‑estrada A‑6 situada entre as cidades de Madrid e de Villalba;

       sem que estas obras estivessem mencionadas no objecto do contrato de concessão de obras públicas, tal como descrito no anúncio publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e no caderno de encargos, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 3.°, n.° 1, e 11.°, n.os 3 e 6, da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, em conjugação com o anexo V da mesma.

       2) A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

       3) O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

 

Assinaturas

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(*) Língua do processo: espanhol.